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– É casada? – pergunta-me.

A pergunta faz-me paralisar a meio caminho do cabide.

– Não...

Um dos cantos da sua boca curva-se para cima.

– Namorado?

– Sim – respondo rigidamente.

Não comenta a minha resposta, mas os seus olhos percorrem-me até eu me começar a contorcer. Não importa quão atraente é – não me agrada que olhe para mim desta maneira. Quando nos conhecemos, impressionou-me a forma como controlava o olhar, mas suponho que era só fachada. Se continuar a olhar-me assim...

Bem, não há muito que eu possa fazer a esse respeito, suponho. Não depois de um polícia ter acabado de me acusar de agredir um homem.

Estou prestes a redirecionar-lhe verbalmente o olhar para o meu rosto quando os seus olhos acabam por pousar na camisa de noite branca ainda estendida na cama king sise. Olha fixamente para a mancha de sangue na gola. Talvez seja imaginação minha, mas estou certa de que oiço uma inalação brusca.

– Bem. – Olho para a camisa de noite e de novo para Douglas. – Se me dá licença, preciso de pesquisar como tirar nódoas de molho de tomate de um tecido.

Fita-me por mais um instante, depois acena em aprovação.

– Bom. Faça isso.

Mas eu não preciso de pesquisar nada. Já sei como tirar manchas de sangue de um tecido.

16

Q Brock e eu estamos a jantar juntos, mas não me consigo concentrar numa palavra do que está a dizer.

O tempo aqueceu e estamos numa mesa ao ar livre num simpático restaurantezinho do Médio Oriente na East Village. O Brock está devastadoramente atraente no seu fato de executivo e eu estreei um novo vestido de verão. Enquanto comemos as nossas entradas, o Brock conta-me tudo sobre um dos seus clientes, e geralmente sinto-me feliz por passar uma tarde com o meu incrível namorado. Fico sempre ligeiramente espantada por alguém como o Brock se interessar por alguém como eu e, em circunstâncias normais, estaria a beber cada palavra sua (mesmo estando a falar sobre direito de patentes, o que, para ser sincera, é a modos que aborrecido). Mas, hoje, a minha cabeça está noutro lugar.

Porque tenho outra vez aquela sensação de formigueiro na nuca. Como se alguém me estivesse a observar.

Devia ter dito ao Brock que queria comer no interior do restaurante. Já não me sinto segura com o Xavier nas ruas. Não sei por que escolheu visar-me, mas passou uma semana desde que me atacou e sinto frequentemente aqueles olhos a trespassar-me. Gostaria de pensar que é imaginação minha, mas não tenho assim tanta certeza. Mesmo com um braço partido – mesmo noutro bairro – o Xavier pode ainda andar a seguir-me.

– Não achas, Millie? – pergunta o Brock.

Encaro-o, desorientada. Tenho o garfo na minha mão direita e espetei um pedaço de borrego, mas não creio que tenha comido nada pelo menos nos últimos dez minutos.

– Hã? – digo debilmente.

O Brock junta as sobrancelhas, fazendo a pequena área de pele entre elas enrugar-se de uma forma que normalmente acho gira, mas que neste momento me parece irritante.

– Estás bem?

– Sim – minto.

Aceita a minha resposta sem questionar. Reparei que, especialmente para um advogado, o Brock é muito crédulo. Qualquer outra pessoa ter-me-ia provavelmente interrogado sobre o meu passado, mas ele não é assim. É um alívio não ter de lhe contar tudo, mas às vezes gostaria que me pressionasse. Porque estou farta de lhe esconder todos os meus segredos.

O Brock e eu conhecemo-nos durante um breve período em que julguei que poderia estar interessada num tipo qualquer de carreira jurídica, antes de perceber que os meus antecedentes tornariam isso difícil, se não mesmo impossível. A faculdade comunitária providenciou uma oportunidade para eu o acompanhar no trabalho, apesar de, no primeiro dia, o Brock ter admitido, em tom tímido:

0 meu emprego não ela muito entusiasmante. Eu tinha imaginado idas a tribunais, mas, em vez disso, passou a maior parte do tempo simplesmente a preencher papelada. Enquanto eu assistia.

Lamento, disse-me no fim da nossa semana juntos. Estou certo de que esperava algo diferente.

Não faz mal, respondi. De qualquer forma, não queria ser advogada.

Deixe-me compensá-la. Ofereço-lhe o jantar.

Mais tarde, o Brock admitiu que tinha passado a semana inteira a tentar pensar numa forma de me convidar para sair. A verdade é que quase recusei. Ainda estava com pena de mim mesma, depois de o Enzo me ter dito que não tinha intenção de regressar aos Estados Unidos, e não me apetecia ficar de coração partido uma segunda vez. Mas então imaginei as belas mulheres italianas a fazerem-se ao meu ex-namorado e decidi: que raio?! Por que não haveria eu também de me divertir um pouco?

O Brock tem sido um bom namorado. A cada semana que passa, procuro a sua falha fatal, mas mantém-se frustrantemente perfeito. E quando descobriu que não tinham acusado o Xavier de agressão, mostrou-se devidamente zangado. Ofereceu-se para ir comigo à esquadra e falar com o agente responsável pelo caso. Oferta essa que tive de recusar por motivos óbvios.

E, depois, simplesmente esqueceu o assunto. Eu não consegui parar de pensar naquilo toda a semana, mas o Brock seguiu em frente, embora afirmando repetidamente o óbvio: que preciso de encontrar outro sítio para viver.

– Estás um pouco pálida – observa o Brock.

Esfrego a nuca e viro-me para olhar para trás. Estou certa de que vou dar de caras com o Xavier, mas não está aqui ninguém. Pelo menos, não o vejo. Mas está seguramente algures.

– Vamos viver juntos – digo eu, de repente.

O Brock para a meio de uma frase. Tem uma pequena gota de molho de tahini ao canto da boca.

– O quê?

– Acho que estamos prontos – replico. É outra mentira. Não me sinto preparada para ir viver com o Brock, mas também não tenho a menor intenção de voltar para o meu apartamento no sul do Bronx enquanto o Xavier ainda lá morar, e não sei se me sentirei mais segura noutro lugar qualquer desse bairro. Nem sequer tenho a certeza de me sentir segura aqui, quanto mais no Bronx.

Em todo o caso, é a coisa certa a dizer. Um enorme sorriso ilumina o rosto do meu namorado.

– Está bem. Parece-me bem. – Do outro lado da mesa, estende uma mão para agarrar a minha. – Amo-te, Millie.

Abro a boca, ciente de que cheguei a um ponto crítico em que tenho de lho dizer de volta. Mas, nesse momento, a sensação arrepiante na minha nuca torna-se insuportável. Uma vez mais, viro a cabeça, certa de que vou ver o Xavier a poucos metros de mim, a fitar-me.

Semicerro os olhos enquanto perscruto a rua atrás de mim. Onde está aquele cretino?

Mas não vejo o Xavier em lado algum. Ou se escondeu atrás de uma caixa do correio ou não está aqui.

Vejo, no entanto, alguém que não esperava.

Douglas Garrick.

17

Douglas Garrick está atrás de mim.

Mais especificamente, está a atravessar a rua. O sinal está vermelho e precipita-se para a passadeira enquanto um táxi amarelo faz soar fortemente a sua buzina. Observo-o por um momento, com o coração a palpitar. De alguma forma, tinha partido do princípio que era o Xavier quem me andava a seguir, mas agora já não tenho assim tanta certeza. Terá sido Douglas o tempo todo?

– Espera um minuto – digo ao Brock. – Volto já.

– Mas que...

Não lhe dou hipótese de terminar o seu pensamento antes de me lançar pela rua atrás de Douglas, obrigando um carro azul a travar bruscamente. O condutor roga-me pragas, mas eu ignoro-o e continuo a andar.

O que faz Douglas na East Village? Vive no Upper West Side e trabalha em Wall Street.

Se me estava a observar, já não está. E outro aspeto interessante é que não está sozinho. Parece estar a caminhar com uma mulher de cabelo louro e que segura uma bolsa de tiracolo castanha, pendurada ao ombro direito.