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Ergo a mão, prestes a bater à porta, e um calafrio percorre-me. Não posso deixar de me lembrar do aviso de Wendy da última vez que falámos:

Se sabe o que é bom para si, tem de fechar esta porta e sair daqui.

Engulo as minhas dúvidas. Não, eu nunca me afasto. Com determinação renovada, bato com o punho na porta.

Estou totalmente preparada para lhe implorar de novo que abra, mas desta vez oiço passos atrás da porta. Passado um momento, a porta entreabre-se. Mais uma vez, fito o rosto maltratado de Wendy, embora seja certo que parece melhor do que há alguns dias.

– O que foi? – Há um tom de resignação na sua voz. –Estava a tentar dormir.

Os meus olhos descem para a sua camisa de noite amarelo-clara, que felizmente não parece ter sangue desta vez.

– É uma camisa de noite bonita. Eu durmo sempre simplesmente com a minha T-shirt dos Mets.

Ela cruza os braços sobre o peito.

– Foi para me dizer isso que me acordou?

– Não... não foi. Na verdade, preciso de lhe fazer uma pergunta.

Wendy muda o seu peso de um chinelo para o outro.

Não tinha percebido até agora o quão magra está. A mulher está flagrantemente emaciada. Suponho que possa ser devido à sua doença, mas não sei se alguma vez tinha visto uma mulher tão magra. As suas clavículas projetam-se dolorosamente e, quando puxa a camisa de noite, consigo distinguir cada osso na sua mão raiada por veias azuis. Os seus olhos parecem enormes no seu rosto magro.

– O que quer?

– Quero saber como obteve o meu número.

Começa a brincar com uma madeixa do seu cabelo acobreado e eu reconheço a pulseira que lhe pende do braço. É a mesma que Douglas lhe ofereceu recentemente.

– Como assim?

– Douglas disse-me que lhe deu o meu número para me ligar por causa das limpezas. Mas como o conseguiu?

– Pôs um anúncio, não foi? Deve ter sido assim que obtive o número. – Solta um longo suspiro. – Agora, se não se importa, vou voltar para a cama. Foi um longo dia.

– Na verdade, descobri que o anúncio nunca foi publicado. Portanto, como disse, como conseguiu o meu número?

Quase consigo ver as engrenagens a rodar no cérebro de Wendy.

– Diga-me a verdade – interrompo, antes que possa congeminar outra mentira.

Wendy baixa os olhos.

– Por favor. Não quero fazer isto. Simplesmente esqueça.

– Diga-me – insisto, por entre dentes cerrados.

– Por que nunca faz o que eu lhe peço? – exclama, erguendo as mãos. – Muito bem. Obtive o seu número da Ginger Howell.

E, agora, sinto-me como se alguém tivesse acabado de me dar um murro. Sei quem é a Ginger Howell, mas não a vejo há anos. Dois anos, para ser mais exata. Foi uma das últimas mulheres para quem trabalhei antes de o Enzo partir para Itália. Arranjámos-lhe um advogado disposto a trabalhar numa base de contingência para a ajudar a divorciar-se do monstro do marido. Ele lutou com unhas e dentes, e estávamos à beira de lhe tentar arranjar um passaporte e uma identidade novos, mas acabou por a deixar ir.

Espero que esteja bem. A Ginger parecia boa pessoa. Não merecia o que o marido lhe andava a fazer.

Mas se Wendy soube de mim pela Ginger, então...

– Por que disse ao Douglas para me ligar, Wendy? – pergunto. – Preciso que me diga a verdadeira razão – acrescento, ao vê-la começar a abrir a boca.

Continua a recusar-se a olhar para mim, olhando antes fixamente para a alcatifa.

– Acho que sabe porquê.

Um repique surdo ecoa ao fundo da minha cabeça. Mal aqui entrei, suspeitei que havia algo de estranho nesta casa. Sempre que tentava aproximar-me de Wendy, contudo, ela não parecia interessada em falar comigo.

– Parti o pulso – diz com amargura. – Ele empurrou-me e partiu, mas, quando fui ao médico, recusou-se a sair da sala. Tive de lhes dizer que escorreguei no gelo e caí. Foi a única razão para me ter deixado arranjar alguma ajuda para a casa. De outro modo, nunca deixa ninguém entrar aqui.

Cerro os punhos.

– Por que não disse nada?

– Porque foi uma ideia estúpida trazê-la aqui. – Os seus olhos raiados de sangue enchem-se de lágrimas. – Estava desesperada, mas soube assim que a vi que não podia ir avante com isto. Não conhece o Douglas. Não sabe como ele é. Fugir não é uma opção.

– Está enganada – digo.

Atira a cabeça para trás e solta uma risada eivada de ácido.

– Não faz ideia do que está a dizer. O Douglas está em toda a parte. Vê tudo.

Penso em todas as vezes na rua em que senti que alguém me observava.

– Está a ver-nos agora? Está a ouvir esta conversa?

– Eu... não sei. – Os seus olhos dardejam pelo corredor. – Não consegui encontrar nenhuma câmara na casa, mas isso não quer dizer que não existam. O Douglas tem acesso a tecnologia que não podemos imaginar. É um génio, sabe? – Desta vez, o seu riso é triste. – Costumava achar isso atraente nele.

– Não deixa de valer a pena tentar.

As suas maçãs do rosto pisadas coram ligeiramente.

– Não compreende. Ele gastaria até ao último cêntimo que tem para me localizar.

Está certa – e Douglas tem muitos cêntimos para gastar. Com um marido assim, seria difícil escapar – não faço realmente ideia do que é capaz. E não sei se posso ajudá-la. Sobretudo porque não tenho os recursos que o Enzo tinha... não conheço um «tipo» para tudo. Foi por isso que jurei deixar esta vida e concentrar-me em tirar a minha licenciatura, para poder ajudar mulheres de uma forma que não envolvesse vergar a lei. Mas cada molécula no meu corpo grita que tenho de tentar ajudar esta mulher – agora.

Jamais ignoraria um homem no metro que precisasse de ajuda. Ou uma mulher que estivesse a ser esfaqueada até à morte junto à minha janela. Não posso deixar que isto aconteça debaixo do meu nariz.

– Tem algum dinheiro? – pergunto. – Em numerário, quero eu dizer?

Hesitantemente, anui.

– Tenho andado a vender aos poucos algumas das minhas joias. Tenho tantas... Sempre que me bate, compra-me algo novo e caro. Tenho algum dinheiro escondido num sítio onde não creio que o vá encontrar. Não durará muito, mas talvez o suficiente.

A minha mente não para.

– Tem alguns amigos que a possam ajudar? Amigos que talvez não conheça? Do secundário ou da universidade ou...?

– Por favor, pare – crocita. – Não parece entender o que estou a tentar dizer-lhe. O Douglas é extremamente perigoso. Não pode subestimar este homem. Se tentar ajudar-me, não vai resultar e... vai arrepender-se. Acredite.

– Mas, Wendy...

– Não posso fazê-lo, está bem!

Olha para a pulseira no seu braço esquerdo – lembro-me de como o Douglas estava orgulhoso quando a exibiu. Com uma expressão desvairada nos olhos, ela atrapalha-se com o fecho até a fazer deslizar do seu pulso esguio.

– Odeio os presentes que me dá. – A sua voz escorre veneno. – Mal os consigo olhar, mas ele espera que os use.

Aperta a pulseira no punho, estendendo depois a mão para agarrar a minha. Enfia-me a pulseira na palma.

– Tire isto da minha vista. Já nem a posso ver. Se perguntar, digo... digo-lhe que a perdi.

Abro a mão para olhar para a pequena pulseira. Pergunto-me se estará manchada com o seu sangue.

– Não posso aceitar isto, Wendy.

– Então deite-a fora – cospe. – Não a quero mais em minha casa. Especialmente depois do que escreveu nela.

Aproximo a pulseira do rosto para examinar a inscrição. Leio as letras minúsculas:

Para W. És minha para sempre. Com amor, D.

– Sua para sempre – diz amargamente Wendy. – Sua propriedade.

A mensagem é inequívoca.

– Por favor, deixe-me ajudá-la. – Agarro-lhe no pulso, esquecendo-me que pode ser o partido. Ela estremece e eu solto-a. – Faço o que for preciso. Não tenho medo do seu marido. Podemos arranjar uma maneira de sair disto.