– O Douglas não desconfiou de nada, então? – pergunto eu à Wendy.
Ela empurra os óculos de sol para a ponte do seu nariz de botão.
– Acho que não. Entrou para se despedir antes de partir e eu fingi que estava a dormir na cama. – Olha para o relógio. – E, neste momento, está provavelmente a apanhar um avião para Los Angeles.
– Ótimo.
Ela ergue os óculos de sol para me fitar.
– Não falou a ninguém de nada disto, pois não?
– De modo algum. Nem a uma alma.
Ela parece ficar aliviada.
– Mal posso esperar para sair daqui. Quase não consegui dormir esta noite.
– Não se preocupe. Sou uma condutora super-rápida. Quando der por isso, já estaremos no motel.
No momento em que digo isto, travo bruscamente num sinal vermelho, evitando por pouco um peão, que me mostra graciosamente o dedo do meio. Pronto, está bem, temos de chegar depressa, mas, acima de tudo, temos de chegar inteiras.
Enquanto espero que o semáforo mude, lanço um olhar ao retrovisor e não posso deixar de reparar num carro atrás de mim. É um veículo familiar preto.
E tem o farol dianteiro do lado direito rachado.
Ou será o esquerdo? Estico o pescoço para olhar para trás, pois confundo sempre a esquerda e a direita no espelho. Não, é definitivamente o farol dianteiro do lado direito que está rachado.
Estico ainda mais o pescoço para ver a grelha da frente, que tem um pequeno círculo que é o logótipo da Mazda. Sinto um aperto no coração. É um Mazda preto com o farol dianteiro do lado direito rachado. O mesmo carro que tenho visto múltiplas vezes nos últimos meses.
Tento captar um vislumbre da matrícula, mas, antes que consiga ver seja o que for com clareza, ouve-se uma explosão de buzinas atrás de mim. Tenho de me pôr de novo em movimento antes que alguém saque de uma arma e me dê um tiro.
– Sente-se bem? – A Wendy tem a testa franzida sobre os seus óculos de sol. – O que se passa?
Pergunto-me quanto lhe devo dizer. Não há maneira de eu conseguir ver bem aquela matrícula enquanto conduzo, mas, ao mesmo tempo, ela já está extremamente nervosa. Não quero assustá-la e dizer-lhe que acho que pode estar alguém a seguir-me.
Especialmente se esse alguém for o seu marido.
Não tem de ser o Douglas. Apesar do que a Sra. Randall disse, é perfeitamente possível que o Xavier Marin tenha saído da prisão. E agora esteja a atormentar-me.
Mas isso não faz muito sentido. Esteja ou não na prisão, o Xavier tem agora certamente os seus próprios problemas. Não andará a perder o seu tempo a seguir-me até Manhattan, e muito menos até Albany.
Enquanto me dirijo à autoestrada, tento conduzir de forma criativa. Sempre que mudo de faixa, mantenho o Mazda na minha linha de visão, tentando ver se muda de faixa comigo. Nem sempre o faz, mas sempre que olho pelos retrovisores, vejo-o atrás de mim. E, a dada altura, consigo vislumbrar os três primeiros caracteres da matrícula: 58F.
Os mesmos do carro que me tem andado a seguir.
– Millie! – arqueja a Wendy, quando quase embato num SUV verde. – Abrande, por favor! Não quero ter um acidente.
– Desculpe – murmuro. – É que já há algum tempo que não agarrava num volante.
Chegamos finalmente à FDR Drive, e eu vou com um olho no retrovisor. Aquele Mazda preto veio atrás de mim o tempo todo. E será muito mais fácil ao carro continuar a seguir-me quando eu estiver na autoestrada. Ainda não chegámos ao trânsito da hora de ponta, pelo que as faixas devem estar bem abertas.
Mas isso também significa que posso ir o mais rápido que quiser e evitá-lo.
Ao entrar na FDR, ponho o pé no acelerador, preparando-me para meter prego a fundo. Vejamos se aquele velho e desconjuntado Mazda chega aos cento e trinta. Mas, então, Olho para o retrovisor.
O Mazda desapareceu. Não virou para a autoestrada comigo.
Solto uma exalação, simultaneamente aliviada e confusa. Tinha a certeza de que o carro me estava a seguir. Teria apostado a minha vida nisso. Mas, afinal, foi tudo apenas uma coincidência. Não há ninguém a seguir-me.
Vai correr tudo bem.
28
Vamos parar no McDonald – sugere a Wendy.
Está obscenamente entusiasmada com a ideia de provar comida rápida. Cerca de metade da minha dieta consiste em comida rápida, pelo que não estou nem de longe tão excitada. Mas o Douglas é rigoroso quanto ao que a Wendy pode ou não comer, embora eu receie que, estando ela tão magra e privada de produtos gordos, se comer uma só batata frita do McDonald, isso a possa matar.
Felizmente, surge um sinal à beira da autoestrada com o logótipo do McDonald’s bem destacado. Assim, viro na saída seguinte. Em todo o caso, estava a precisar de pôr gasolina.
Entro no parque do estacionamento do McDonald’s e os olhos da Wendy iluminam-se. Quando abre a porta, o cheiro a comida a fritar invade-me as narinas. Estou prestes a segui-la para o exterior do carro quando o meu telemóvel toca. Agarro-o e o meu coração cai-me aos pés ao ver o nome do Brock.
Oh, não – estava tão absorta em salvar a Wendy que me esqueci por completo de cancelar o nosso jantar. Como fui capaz de lhe fazer isso outra vez? Sou tão louca pelo Brock. Por que insisto em sabotar a nossa relação?
Às vezes, pergunto-me se estou a fazer de propósito. Para que me deixe agora, antes de eu ter de lhe contar a verdade e me deixar por uma razão que provocará muito mais dor.
– Vá andando – crocito. – Encontro-me consigo lá dentro. Esta não vai ser uma conversa rápida. Ou, talvez, seja muito rápida.
Mal a Wendy sai do carro, atendo a chamada. Como seria de esperar, o Brock parece à beira da fúria.
– Onde estás? Pensava que vinhas cá às sete.
– Hã – digo. – Tive uma mudança de planos.
– Tudo bem. A que hora chegas, então?
Oxalá pudesse dizer que estou mesmo ao virar da esquina, mas a realidade é que estou a horas de distância. E não há uma forma fácil de lho dizer.
– Acho que não vou poder ir esta noite.
– Porque não?
Mais do que tudo, gostaria de lhe poder dizer. Seria um alívio partilhar isto com alguém, mas a Wendy fez-me jurar segredo por uma boa razão.
– Tenho trabalho para fazer. Estudar.
– Estás a falar a sério? – O Brock passou de à beira da fúria para absolutamente encolerizado. – Millie, tínhamos planos para esta noite. E não só não apareceste sem me avisar como agora dás uma desculpa da treta sobre estudar?
Não sei por que não é uma desculpa válida. Podia precisar de estudar esta noite!
– Escuta, Brock...
– Não, escuta tu – rosna. – Tenho sido paciente, mas a minha paciência está a esgotar-se. Preciso de saber o que sentes por mim e aonde vai esta relação. Porque eu estou pronto para algo mais e gostaria de saber que não ando a perder o meu tempo.
O Brock está tão pronto para assentar. Sei que isso se deve em parte ao seu coração fraco, e talvez outra parte seja apenas aquela ânsia indescritível por algo mais que tantas pessoas desenvolvem aos trinta. Não está a brincar. Tenho de o levar a sério ou então de o deixar ir. É o mais correto a fazer.
– Não estás a perder o teu tempo – murmuro para o telemóvel. – Prometo. As coisas estão apenas um pouco
loucas para mim, mas juro que gosto realmente de ti.
– Gostas? Às vezes não tenho a certeza de que isso seja verdade.
Sei o que procura. E sei que tenho duas opções. Ou lhe digo o que quer ouvir ou então tenho de acabar com tudo.
E eu não quero acabar. Embora não sinta o que estou prestes a dizer, o Brock é um homem realmente bom. A vida que imaginei com ele é o que sempre desejei. E não o quero perder.
– Gosto realmente de ti – respiro fundo. – Eu... eu amo-te.
Quase consigo ouvir a combatividade a esvair-se do meu namorado.
– Eu também te amo, Millie. A sério que sim.
– E precisamos realmente de ter uma conversa. – Tenho de lhe contar tudo sobre mim. E em breve. Não aguento ficar à espera do inevitável. Tenho de lhe explicar tudo e de me assegurar de que continua a querer estar comigo. – Assim que as coisas acalmarem, está bem? Na próxima semana.