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E o farol do lado direito rachado.

Antes mesmo de conseguir ver bem a matrícula, já sei que é o mesmo carro que me tem andado a seguir nos últimos meses. O mesmo que ia atrás de mim esta tarde quando estava a conduzir com a Wendy. E agora apanhou-me sozinha. Numa esquina deserta. A meio da noite.

O Mazda encosta à berma da estrada. Consigo apenas distinguir a vaga silhueta de um homem no lugar do condutor. O motor desliga-se, mas deixa os faróis a brilhar na minha direção, suficientemente intensos para eu ter de me virar.

E, então, a porta do veículo abre-se.

31

Não vou cair sem dar luta.

Freneticamente, vasculho a minha bolsa à procura da minha lata de gás-pimenta. Ainda me resta algum, depois de ter atingido o Xavier naquela primeira vez. Se for o Douglas, não deixarei que me arranque qualquer informação. E, se for o Xavier, já o venci uma vez e posso voltar a fazê-lo. Não tenho medo.

Ainda que o meu coração esteja a palpitar com bastante violência enquanto o homem sai do carro.

Os meus dedos estabelecem contacto com a lata de gás-pimenta. Tiro-a, de dedo no bocal.

– Não se aproxime! – silvo à sombra escura.

Lentamente, a sombra ergue as mãos no ar. Oiço uma voz familiar.

– Não dispares, Millie.

Levo uma fração de segundo a reconhecer a voz. De repente, invade-me uma sensação de calor e o meu rosto abre-se involuntariamente num sorriso. Baixo a lata de gás-pimenta e atiro-me ao homem ainda de mãos no ar.

– Enzo! – exclamo, envolvendo-o nos meus braços. –Oh, meu Deus!

Ele retribui o abraço e, por um momento, não sinto mais nada a não ser pura alegria, envolta nos braços confortantes do meu ex-namorado. Costumava sentir-me sempre tão segura quando me abraçava assim, e não sabia se alguma vez voltaria a estar nos seus braços. E agora aqui está ele. Os seus ombros largos, o denso cabelo preto, o seu olhar penetrante. E a minha característica preferida nele – o sorriso, que me faz sentir como se achasse que sou a pessoa mais incrível que alguma vez conheceu.

– Millie – sussurra aos meus cabelos. – Estou tão feliz por estar de volta.

– Quando regressaste?

Hesita fugazmente.

– Há pouco mais de três meses.

Se houvesse um disco a tocar uma bela música de reencontro, este é o momento em que o disco teria parado abruptamente. Afasto-me do Enzo, de queixo caído.

-Três meses?

A expressão acanhada diz-me tudo o que precisava de saber – e, infelizmente, tudo faz terrível e perfeito sentido. Nos últimos meses, tenho tido a sensação de que havia alguém a seguir-me – a observar-me. Pus as culpas no Xavier ou no Douglas, mas nenhum tinha nada a ver com isso. Foi o Enzo o tempo todo. É o Enzo o proprietário do Mazda preto com o farol direito rachado. Fiquei tão entusiasmada por o ver que estava a ignorar o que tinha mesmo à frente dos olhos.

– Andavas a perseguir-me! – Dou-lhe uma palmada no braço. – És inacreditável! Por que haverias de fazer isso?

– Perseguir não – diz, cerrando os maxilares. Céus, tinha-me esquecido de como é atraente. É uma distração, e não me posso deixar distrair, pois estou legitimamente furiosa com este homem. – Perseguir não... sou guarda-costas.

– Guarda-costas? – Cruza os braços sobre o peito. – É uma desculpa bastante fraca. Por que não vieste simplesmente ter comigo e dizer olá em vez de me andares a seguir por aí durante três meses?

– Porque... – Baixa os seus olhos muito negros. – Pensei que estavas zangada comigo por não ter voltado quando querias.

– Certo. E estava zangada. Perguntei-te quando regressavas e nem sequer foste capaz de me dar uma resposta.

– Mas, Millie, não podia. A minha mãe... estava tão doente e eu era tudo o que ela tinha. Como podia deixá-la?

– Deixaste-a agora – saliento.

– Sim – concorda, franzindo o sobrolho. – Isso é porque morreu.

Bem, agora sinto-me uma verdadeira idiota.

– Lamento muito, Enzo.

Por um momento, fica calado.

– Sim.

– Teria... – Engulo o pequeno nó que se formou na minha garganta. – Se me tivesses dito, podia ter estado lá para ti. Mas tu simplesmente... descartaste-me. Sabes disso.

– Não podia voltar – diz, cerrando os dentes. – Foi só isso que te disse. Nunca disse que já não te amava. – Lança-me um olhar. – Foste tu quem quis acabar com o que tínhamos. Tu é que começaste a namorar com esse tal Brócolo.

Reviro os olhos.

– O nome dele é Brock.

– Estou só a dizer que foste tu quem quis seguir em frente. Não eu. Eu ainda... Eu nunca deixei de sentir amor por ti.

Resfolego.

– Sim, pois. Esperas que acredite que não estiveste com nenhuma outra mulher depois de mim.

– Não. Nenhuma outra mulher.

Os seus olhos encontram os meus – está a falar a sério. Algo que o Enzo não faz é mentir. Não a mim, pelo menos. Por outro lado, posso estar enganada. Também não o tomava por um perseguidor.

– Não devias ter começado a seguir-me daquela maneira – digo com severidade. – Foi sinistro. Devias ter-me dito que estavas de volta.

– Para me poderes mandar passear? – As suas sobrancelhas negras arqueiam-se. – Enfim, como disse, sou guarda-costas. Precisas de um guarda-costas.

– Não preciso nada. Sei tomar conta de mim mesma.

Agora é a vez do Enzo resfolegar.

– Oh, a sério Vives naquele bairro terrível do sul do Bronx. Achas que não precisas que vele por ti? Pois deixa-me jurar-te que houve pelo menos um dia em que não terias chegado da estação de comboios ao teu prédio, se eu não tivesse estado atrás de ti, a fazer de guarda-costas.

Todos os pelos na parte de trás do meu pescoço se eriçam. Estará a dizer a verdade? Haveria perigos à espreita nas sombras atrás de mim que derrotou antes que eu sequer percebesse?

– Como disseste, tenho namorado – digo baixinho. – E, se eu precisar, pode proteger-me, muito obrigada.

– Como te protegeu do Xavier Marin?

Ouvir o nome desse homem dos lábios do Enzo é como um murro no rosto.

– O que queres dizer com isso?

Mesmo no escuro, posso ver as mãos do Enzo cerrar-se em punhos.

– Aquele homem... atacou-te. Não pude fazer nada para o impedir porque foi no teu próprio prédio. E depois deixa-

ramno simplesmente livre. E esse teu Brócolo...

Sinto o rosto a arder.

– Brock.

– Desculpa. Brock. – A sua voz está eivada de fúria. – Não fez nada. Nada. Não se importa que o homem que lhe atacou a namorada continue por aí. Sem castigo! Saiu impune! Mas eu... eu importo-me. – Bate com um punho no peito. – Por isso assegurei que tem o que merece, de que nunca mais te volta a incomodar.

Subitamente, sinto a cabeça à roda. Lembro-me do Xavier a ser levado do meu prédio algemado, a gritar que as drogas encontradas não lhe pertenciam. A Sra. Randall disse que todos tinham ficado surpreendidos ao saber que andava a traficar droga.

– Foste tu que...

Encolhe um ombro.

– Conheço um tipo.

É devido ao Enzo que o Xavier está na prisão. Se não fosse por ele, aquele homem ainda andaria nas ruas. O Enzo tem razão – o Brock não fez nada.

Subitamente, já não sei o que pensar.

– Anda – diz, acenando com uma mão na direção do seu Mazda. – Dou-te boleia para casa. Tu, pensa se me odeias ou não.

É justo.

Subo para o carro ao lado do Enzo, que se senta no lugar do condutor. Tem o seu cheiro. Aquele cheiro amadeirado que sempre o acompanha. Fecho os olhos, perdida no passado. Por que teve de partir? Agora as coisas são tão complicadas. Fez demasiadas coisas erradas. Não posso simplesmente perdoar-lhe.

Pois não?

– Então – diz, ao começarmos a dirigir-nos à zona alta da cidade. – Para onde ias hoje com tanta pressa?