— Não tem como a gente partir assim tão rápido. Precisaremos de tempo para organizar uma comitiva decente.
Perrin estreitou os olhos.
— A gente? Você não vai! Vai ser… — Ele tossiu, então prosseguiu em um tom mais moderado. — Vai ser melhor se um de nós ficar aqui. Quando o lorde viaja, a lady precisa ficar para cuidar das coisas. Faz sentido. Chegam mais refugiados a cada dia. Tem um monte de problemas para resolver. Se você também for, a situação por aqui vai ficar pior do que com a invasão dos Trollocs.
Ele realmente acreditava que ela não repararia que ele tinha se corrigido no meio da frase? Perrin estava prestes a dizer que seria perigoso. Como será que essa mania dele de querer protegê-la dos perigos a fazia se derreter por dentro e ao mesmo tempo a deixava tão irritada?
— Nós vamos fazer o que você achar melhor — respondeu a jovem, em um tom brando, e Perrin piscou, desconfiado, então coçou a barba e assentiu.
Só restava fazê-lo enxergar o que realmente era melhor. Pelo menos ele não declarara logo de início que ela não podia ir. Quando Perrin fincava a pata, era mais fácil arredar um celeiro de grãos, mas, tomando o devido cuidado, era possível evitar uma situação dessas. Na maioria das vezes.
Faile o abraçou de repente e enterrou o rosto em seu peito largo. As mãos fortes de Perrin acariciaram seus cabelos com suavidade — ele decerto pensava que Faile estava preocupada com sua partida iminente. Bem, de certa forma, ela estava. Só que não era por ele estar partindo sem ela. Perrin ainda não aprendera o que significava ter uma esposa de Saldaea. Os dois estavam tão longe de Rand al’Thor… Por que é que o Dragão Renascido precisava de Perrin justo naquele momento, e com tanta força que seu marido podia sentir a centenas de léguas de distância? Por que havia tão pouco tempo? Por quê? A camisa de Perrin estava colada ao corpo suado, e o calor anormal também fazia Faile transpirar, mas ela tremia.
Com uma das mãos no punho da espada, Gawyn Trakand usava a mão livre para jogar uma pedrinha para o alto e pegá-la em seguida enquanto circulava mais uma vez ao redor de seus homens, conferindo as posições nos entornos da colina encimada de árvores. Um vento quente e seco levantava a terra pela pastagem marrom cheia de ondulações e fazia drapejar o manto verde e simples pendurado às suas costas. Não se via nada além de grama morta, moitas isoladas e arbustos mirrados. Teria de cobrir muitas frentes com os homens que comandava, caso uma luta fosse travada ali. Ele os reunira em grupos de cinco espadachins a pé, com arqueiros cinquenta passadas atrás, colina acima. Outros cinquenta homens aguardavam com lanças e cavalos a postos, no cume, próximos ao acampamento, prontos para avançar para onde fosse necessário. Gawyn torcia para que não fosse preciso.
No início, havia menos rapazes da Jovem Guarda, mas sua reputação atraiu recrutas. O aumento dos números seria de grande ajuda, e nenhum recruta tinha permissão para sair de Tar Valon antes de estar à altura de certos padrões. Não que ele esperasse que fosse haver luta naquele dia, não mais do que em qualquer outro, a questão é que aprendera que a hora da batalha muitas vezes vinha quando menos se esperava. Só as Aes Sedai esperariam até o último minuto para revelar a um homem que algo tão importante estava para acontecer.
— Tudo certo? — perguntou, parando junto a um grupo de espadachins. Apesar do calor, alguns usavam os mantos verdes, exibindo símbolo de Gawyn no peito, o javali branco em disparada.
Jisao Hamora era o mais jovem, ainda com sorriso de garoto, mas também o único dos cinco com uma pequena torre prateada na gola, enfeite que o marcava como veterano na batalha da Torre Branca. Foi ele quem respondeu.
— Tudo certo, milorde.
A Jovem Guarda fazia jus ao nome. O próprio Gawyn, com pouco mais de vinte anos, estava entre os mais velhos. Era regra não aceitar ninguém que já tivesse feito parte de algum exército, empunhado armas para um lorde ou lady ou mesmo trabalhado como guarda de mercadores. Os primeiros integrantes haviam chegado à Torre ainda meninos ou jovens para serem treinados pelos Guardiões, os mais exímios espadachins e combatentes do mundo, e continuavam parte da tradição, embora os Guardiões não os treinassem mais. A juventude não era uma falha. Apenas uma semana antes, o grupo conduzira uma pequena cerimônia para os primeiros pelos de bigode que Benji Dalfor raspara, e em seu rosto havia uma cicatriz que ganhara na batalha da Torre. As Aes Sedai estavam ocupadas demais para Curar nos dias seguintes à deposição de Siuan Sanche. A mulher talvez ainda fosse Amyrlin, caso a Jovem Guarda não tivesse enfrentado e vencido muitos de seus antigos instrutores nos corredores da Torre.
— Isso tem algum propósito, milorde? — perguntou Hal Moir. O sujeito era dois anos mais velho que Jisao e, como muitos que não ostentavam a torre de prata, lamentava-se por não ter estado presente no conflito. Ele logo amadureceria. — Não vejo o menor sinal de Aiel.
— Ah, não vê? — Sem qualquer indicativo, Gawyn arremessou a pedra com toda a força no único arbusto que havia por perto, uma moita irregular. O único som que se ouviu foi o farfalhar das folhas mortas, mas o arbusto se remexeu um tantinho mais do que o esperado, como se um homem escondido ali tivesse sido atingido em um ponto sensível. Os mais novos exclamaram, mas Jisao apenas afrouxou a espada na bainha. — Um Aiel, Hal, é capaz de se esconder até em um buraco no chão onde você não teria nem tropeçado. — Não que Gawyn soubesse sobre os Aiel muito além do que havia nos livros, mas lera cada volume que encontrara na biblioteca da Torre Branca, todos escritos pelos homens que de fato haviam enfrentado Aiel. Lera todos os livros que encontrara com relatos de soldados entendidos no assunto. Um homem precisava estar preparado para o futuro, e, ao que parecia, o futuro do mundo era a guerra. — Mas, se aprouver à Luz, não haverá luta hoje.
— Milorde! — gritou uma voz do alto da colina, quando o sentinela avistou o que ele acabara de ver: três mulheres emergindo de uma moitinha algumas centenas de passadas a oeste, vindo em direção à colina. Oeste, que surpresa. Mas os Aiel gostavam de surpresas.
Lera a respeito das mulheres Aiel que lutavam ao lado dos homens, porém aquelas não tinham a menor condição de lutar: usavam volumosas saias escuras e blusas brancas. Apesar do calor, tinham xales enrolados nos ombros. Por outro lado, como haviam chegado àquela moita sem serem notadas?
— Mantenham os olhos atentos, e não nelas — mandou, desobedecendo a própria ordem e encarando com interesse as três Sábias, emissárias dos Aiel Shaido. Ali, não poderiam ser outra coisa.
As mulheres avançavam, imponentes, nem parecendo estar se aproximando de um grupo de homens armados. Os cabelos iam até a cintura — Gawyn lera que os Aiel usavam cabelos curtos — e estavam presos por lenços dobrados. Usavam tantos braceletes e colares compridos de ouro, prata e marfim que o brilho as teria denunciado a uma milha de distância.
Empertigadas e com o semblante orgulhoso, as três passaram pelos espadachins a passos firmes, sem olhá-los, e começaram a subir a colina. A líder era uma loura cuja blusa solta revelava a pele consideravelmente bronzeada sob o decote aberto. As outras duas eram grisalhas, de rostos bronzeados. A loura deveria ter menos da metade da idade das outras.
— Não seria má ideia chamar essa aí para uma dança — comentou um dos rapazes, admirado, depois que as mulheres passaram. Era pelo menos dez anos mais jovem do que a loura.
— Eu não faria isso se fosse você, Arwin — retrucou Gawyn, em um tom seco. — Pode ser que haja um mal-entendido. — Lera que os Aiel chamavam a batalha de “dança”. — Além do mais, ela comeria o seu fígado no jantar. — Avistara de relance os olhos verde-claros da mulher, e nunca vira olhar mais duro.