Gawyn ficou olhando as Sábias até chegarem ao topo da colina, onde meia dúzia de Aes Sedai aguardava com seus Guardiões. As que os tinham: duas eram da Ajah Vermelha, portanto não tinham Guardiões. Quando as Aiel desapareceram no interior de uma das compridas tendas brancas, com os cinco Guardiões montando guarda em volta, ele retomou a ronda da colina.
A Jovem Guarda estava alerta desde que se espalhara a notícia da chegada dos Aiel, o que desagradara Gawyn. Deveriam estar alertas assim desde antes. Até a maioria dos que não exibiam o símbolo da torre prateada haviam sido vistos lutando nos arredores de Tar Valon. Eamon Valda, o Senhor Capitão dos Mantos-brancos em comando, arrastara quase todos os seus homens para o oeste mais de um mês antes, mas o grupinho deixado para trás tentou se juntar aos bandidos e capangas que Valda reunira. Pelo menos esses a Jovem Guarda conseguira afugentar. Gawyn queria poder acreditar que também tinham afugentado Valda — a Torre decerto mantivera seus próprios soldados bem longe das escaramuças, apesar de a única razão para a presença dos Mantos-brancos tivesse sido tentar causar problemas à Torre —, mas suspeitava de que o Senhor Capitão tivesse suas próprias razões para bater em retirada. Provavelmente recebera ordens de Pedron Niall, e Gawyn daria tudo para saber quais eram. Luz, como odiava não saber. Era como tatear no escuro.
A verdade era que estava irritado. Admitia. Não somente por conta dos Aiel, mas por só ter sido informado sobre essa reunião durante a manhã daquele mesmo dia. E também não havia sido informado sobre aonde estavam indo até ser chamado para uma conversa em particular com Coiren Sedai, a irmã Cinza que liderava as Aes Sedai. Elaida sempre fora reticente e arrogante quando conselheira de sua mãe em Caemlyn, mas depois de elevada ao Trono de Amyrlin, a nova Elaida fazia a antiga parecer aberta e afetuosa. Sem dúvida o pressionara para que ele organizasse aquela escolta com o intuito de afastá-lo de Tar Valon.
A Jovem Guarda aderira ao lado de Elaida durante a luta — a antiga Amyrlin fora destituída do Cajado e da Estola pelo Salão, e a tentativa subsequente de libertá-la havia sido pura e simplesmente uma rebelião contra a lei —, mas Gawyn já tinha suas dúvidas em relação a todas as Aes Sedai muito antes de ouvir a leitura das acusações contra Siuan Sanche. De tão frequentes que eram, ele já nem prestava mais atenção nas afirmações de que elas manipulavam os tronos feito marionetes, mas foi só então que viu os cordéis sendo puxados. Viu as consequências, ao menos, e foi sua irmã Elayne quem dançou: saiu dançando para bem longe de seus olhos, dançou tanto que, até onde ele sabia, cessou até de existir. Ela e a outra. Lutara para manter Siuan presa, depois virou as costas e a deixou fugir. Se Elaida algum dia descobrisse isso, nem mesmo a coroa de sua mãe poderia salvar sua vida.
Ainda assim, Gawyn escolhera ficar porque sua mãe sempre apoiara a Torre, porque sua irmã queria ser Aes Sedai. E porque havia outra mulher que também queria aquele destino. Egwene al’Vere. Não tinha sequer o direito de pensar nela, mas abandonar a Torre seria o mesmo que a abandonar. Como eram frívolos os motivos por que um homem escolhia o próprio destino. No entanto, saber que eram frívolos não mudava nada.
Encarava o gramado ressequido, fustigado pelo vento, enquanto avançava a passos largos de uma posição a outra. Lá estava ele, esperando que os Aiel não decidissem atacar, apesar — ou por causa — da conversa que as Sábias dos Shaido estavam travando com Coiren e as outras. Suspeitava de que houvesse Aiel o suficiente para aniquilá-lo, por ali, mesmo com a ajuda das Aes Sedai. Estava a caminho de Cairhien e não sabia o que sentia a respeito. Coiren o fizera jurar que manteria a missão em segredo, e, mesmo assim, parecia temerosa de suas palavras. Era para estar. Era sempre bom examinar com muito cuidado as palavras de uma Aes Sedai — aquelas mulheres não podiam mentir, mas maleavam a verdade feito massa de pão —, porém nem assim ele encontrou significados obscuros. As seis Aes Sedai pediriam ao Dragão Renascido que as acompanhasse até a Torre, junto com a Jovem Guarda como escolta de honra liderada pelo filho da Rainha de Andor. Só poderia haver uma razão, tão chocante para Coiren que a Cinza só conseguira fazer vagas alusões a ela. Gawyn também ficara chocado. Elaida pretendia anunciar ao mundo que a Torre Branca apoiava o Dragão Renascido.
Era quase inacreditável. Elaida fora uma Vermelha antes de se tornar Amyrlin. As Vermelhas odiavam a mera ideia de um homem capaz de canalizar. Na verdade, elas em geral não pensavam muito nos homens. Mesmo assim, a queda da outrora invencível Pedra de Tear, cumprindo a profecia, confirmava que Rand al’Thor era o Dragão Renascido, e até Elaida dizia que a Última Batalha estava próxima. Gawyn não conseguia associar o fazendeiro assustado e abatido que encontrara no Palácio Real em Caemlyn ao homem dos boatos que corriam do Rio Erinin até Tar Valon. Dizia-se que ele enforcara Grão-lordes tairenos e permitira que os Aiel saqueassem a Pedra. Rand decerto trouxera os Aiel ao longo da Espinha do Mundo para assolar Cairhien pela segunda vez desde a Ruptura. Talvez fosse a loucura. Gawyn tinha gostado de Rand al’Thor e lamentava o que o homem havia se tornado.
Quando retornou ao grupo de Jisao, havia mais alguém à vista: um mascate com um chapéu molengo se aproximava pelo oeste, conduzindo uma mula de carga alta e magrela. O sujeito seguiu direto para a colina: avistara o grupo.
Jisao se remexeu, mas ficou imóvel quando Gawyn tocou seu braço. Este sabia o que o rapaz mais jovem estava pensando, mas, se os Aiel decidissem matar o tal sujeito, não haveria o que pudessem fazer. Coiren não ficaria nem um pouco contente se ele desse início a uma batalha com o povo com quem ela estava negociando.
O mascate prosseguiu, bamboleante, até o arbusto onde Gawyn atirara a pedra. A mula começou a abocanhar a grama marrom sem muito critério enquanto o homem tirava o chapéu, ensaiava uma mesura dirigida a todos e começava a secar o rosto grisalho com um lencinho encardido.
— Que a Luz brilhe sobre os senhores, milordes. Os senhores estão muito bem instalados para viajantes nesses tempos escassos, mas, se houver qualquer coisinha de que precisem, o velho Mil Tesen com certeza traz em suas trouxas. E ninguém faz preço melhor em dez milhas, milordes.
Gawyn duvidava de que houvesse uma fazenda sequer em um raio de dez milhas.
— Tempos escassos, de fato, Mestre Tesen. O senhor não tem medo dos Aiel?
— Aiel, milorde? Eles estão todos lá para baixo, em Cairhien. O velho Mil fareja os Aiel, ah se não. Na verdade, queria até que tivesse uns por aqui. É bom fazer negócio com os Aiel. Eles carregam um monte de ouro. De Cairhien. E não incomodam os mascates. Todo mundo sabe disso.
Gawyn absteve-se de perguntar por que o homem não estava rumando para o sul, se os Aiel em Cairhien rendiam tão bons negócios.
— Que notícias traz do mundo, Mestre Tesen? O senhor, vindo do sul, deve saber o que ainda não chegou até nós, no norte.
— Ah, muita coisa lá para o sul, milorde. Os senhores ouviram falar de Cairhien? Daquele sujeito que se diz Dragão e tudo o mais? — Gawyn assentiu, e o mascate prosseguiu. — Bom, ele tomou Andor. Quase tudo, pelo menos. A rainha morreu. Tem gente dizendo que ele vai dominar o mundo inteiro antes de…
O sujeito soltou um ganido abafado e parou de falar antes que Gawyn pudesse perceber que o agarrara pelo colarinho.
— A Rainha Morgase morreu? Responda, homem! Depressa!
Tesen revirou os olhos em busca de ajuda, mas respondeu, e depressa:
— É o que dizem por aí, milorde. O velho Mil não sabe, mas acha que sim. Todo mundo está dizendo, milorde. Todo mundo diz que foi obra desse Dragão. Milorde? Cuidado com o pescoço do velho Mil, milorde! Milorde!
Gawyn soltou as mãos com um movimento brusco, como se tivesse tocado em brasa. Queimava por dentro. Era outro pescoço que queria agarrar.