Rand não teria sido capaz de explicar o que fez em seguida, embora Lews Therin tivesse dado uma explicação enquanto emergia por alguns instantes das suas próprias fantasias loucas, entre imensos rompantes de fúria e as lamúrias por sua Ilyena perdida, entre as algaravias de que merecia morrer e os gritos de que não permitiria que o apartassem da Fonte. Era como se ele flexionasse o que tinha estendido por dentro do nó, flexionasse o máximo que pudesse. O nó resistiu. Tremeu. E então, explodiu. Só havia cinco. A blindagem se afinou. Ele conseguia senti-la diminuir. Uma parede invisível de apenas cinco tijolos, não seis. As duas Aes Sedai também deviam ter sentido, apesar de talvez não terem entendido bem o que aconteceu, ou como. Por favor, Luz, não agora. Ainda não.
Bem depressa, de modo quase frenético, ele foi atacando um dos nós restantes de cada vez. O segundo se dissipou e a blindagem se enfraqueceu. Àquela altura, o processo ficava mais rápido a cada nó, como se ele estivesse pegando o jeito, embora esse jeito fosse diferente a cada nó. O terceiro se foi. E um terceiro ponto macio apareceu. Talvez as Aes Sedai não soubessem o que ele estava fazendo, mas não ficariam de braços cruzados enquanto a blindagem se enfraquecia. Em um ritmo verdadeiramente frenético, Rand se pôs a desatar o quarto nó. Precisava desatá-lo antes que uma quarta irmã viesse ajudar na blindagem. Quatro poderiam dar conta de mantê-la, não importando o que ele fizesse. Quase aos prantos, ele se esforçou para vencer as curvas complexas enquanto deslizava entre o nada. Enlouquecido, flexionou-se e arrebentou o nó. A blindagem ainda resistia, mas era mantida apenas por três pontos. Se ele conseguisse se mover rápido o bastante…
Quando Rand agarrou saidin, a barreira invisível ainda estava lá, mas já não parecia feita de pedra ou tijolo. A blindagem foi cedendo à medida que ele forçou, curvando-se com a pressão dele, curvando-se, curvando-se. De repente, rompeu-se diante dele feito tecido apodrecido. O Poder o preencheu e, enquanto fazia isso, ele agarrou aqueles três pontos macios e os estraçalhou sem piedade com punhos de Espírito. Com exceção daquilo, ele continuava sendo capaz de canalizar só onde enxergava, e tudo o que conseguia enxergar, e mal, era o interior do baú, e só o que ele conseguia ver dele com a cabeça presa entre os joelhos. Antes mesmo que terminasse de usar os punhos de Espírito, canalizou Ar. O baú explodiu para longe dele com um ruidoso estrondo.
Livre, Lews Therin suspirou aliviado em um eco do pensamento de Rand. Livre. Ou talvez fosse ao contrário.
Elas vão me pagar, grunhiu Lews Therin. Eu sou o Senhor da Manhã.
Rand sabia que precisava se mover ainda mais rápido, mais rápido e com mais violência, porém, de início, nem conseguiu se mexer. Músculos surrados duas vezes por dia por sabia-se lá quanto tempo, e presos dentro de um baú todos os dias, eram músculos que gritavam quando ele rangeu os dentes e, bem devagar, se ergueu até se apoiar nas mãos e nos joelhos. Era um grito distante, o corpo de uma outra pessoa doendo, mas ele não era capaz de fazer aquele corpo se mover mais depressa independentemente de quão mais forte saidin o fazia se sentir. A vaziez embotava a emoção, mas algo próximo do pânico tentava se espalhar pelo Vazio como trepadeiras.
Ele se viu num grande amontoado de árvores esparsas, com fachos largos de luz do sol passando por entre galhos quase desfolhados, e ficou chocado ao ver que ainda estava claro, e talvez fosse até meio-dia. Ele precisava se mexer. Mais Aes Sedai estariam a caminho. Duas encontravam-se caídas no solo perto dele, aparentemente inconscientes, uma delas com um corte sério na testa. A terceira, uma mulher magra, estava ajoelhada olhando para o nada, agarrando a cabeça com as mãos e gritando a plenos pulmões. Parecia ter escapado ilesa dos estilhaços e dos pedaços do baú. Rand não reconheceu nenhuma das três. Um instante de arrependimento por não ter sido nem Galina nem Erian que ele estancara — não tinha certeza de que tivera a intenção de fazer aquilo, já que Lews Therin falara em detalhes a respeito de como pretendia apartar permanentemente cada uma das que o haviam aprisionado. Rand esperava que tivesse sido ideia dele mesmo, ainda que precipitada — apenas um instante, e ele avistou um outro vulto estirado no chão, coberto por pedaços do baú. Trajava calças e casaco cor-de-rosa.
A mulher magra não olhou para ele e não parou de soltar seu grito esganiçado nem quando Rand, por acidente, empurrou-a por cima da borda baixa de pedra de um poço ao passar rastejando por ela. Desesperado, ficou se perguntando por que ninguém atendia aos gritos dela. Na metade do caminho até Min, ele reparou nos relâmpagos vindos do céu e nas bolas de fogo explodindo lá no alto. Conseguia sentir o cheiro da madeira queimando, ouvir os homens berrando, o ruído do metal, a cacofonia da batalha. Não se importava se já era Tarmon Gai’don. Se tivesse matado Min… Ele a virou com gentileza.
Grandes olhos escuros fitaram-no.
— Rand. — Ela suspirou. — Você está vivo. Eu estava com medo de olhar. Ouvi um barulho horroroso, vi pedaços de madeira voando por toda parte, então reconheci uma parte do baú e… — Lágrimas começaram a escorrer por suas bochechas. — Pensei que elas tinham… Fiquei com medo de que você… — Ela esfregou o rosto com as mãos atadas e respirou fundo. Os tornozelos também estavam amarrados. — Não vai me desamarrar, pastor de ovelhas, e abrir um dos seus portões para bem longe daqui? Aliás, não precisa perder tempo me desamarrando. Só me jogue por cima do seu ombro e vamos embora daqui.
Com destreza, Rand manejou Fogo e consumiu as cordas que a prendiam.
— Não é tão simples assim, Min. — Aquele local não era familiar. Um portão aberto ali poderia dar em qualquer lugar, isso caso se abrisse. Se ele conseguisse abrir um. A dor e a fadiga flutuavam nas extremidades do Vazio. Rand não tinha certeza de quanto Poder seria capaz de canalizar. De repente, notou que conseguia sentir saidin sendo canalizado em todas as direções. Por entre as árvores, depois dos carroções em chamas, podia ver os Aiel lutando contra Guardiões e os soldados de casaco verde de Gawyn, sendo empurrados para trás pelo fogo e pelos relâmpagos das Aes Sedai, mas, ainda assim, tornando a investir. De algum modo, Taim o encontrara e trouxera soldados Asha’man e Aiel. — Ainda não posso ir. Acho que alguns amigos vieram atrás de mim. Não se preocupe. Eu vou proteger você.
Uma labareda prateada pontuda rachou uma árvore ao meio no limiar do bosque, perto o bastante para fazer o cabelo de Rand balançar. Min tomou um susto.
— Amigos — murmurou ela, esfregando os pulsos.
Ele gesticulou para que ela permanecesse onde estava — exceto por aquele único raio perdido, o matagal parecia intacto —, mas, quando deu um jeito de se pôr de pé, lá estava ela, segurando-o pela lateral do corpo. Cambaleando até a linha de árvores esparsas, ele ficou grato pelo apoio dado por Min, mas obrigou-se a se endireitar e parou de se escorar nela. Como ela poderia acreditar que ele a protegeria se precisava dela para não cair de cara no chão? Apoiar a mão no tronco destroçado da árvore atingida pelo relâmpago ajudou. Filetes de fumaça subiam do local, que, mesmo assim, não se incendiara.
Os carroções formavam um grande círculo em torno das árvores. Alguns dos serviçais pareciam estar tentando manter os cavalos juntos — todas as parelhas ainda permaneciam atreladas —, mas a maior parte se escondia onde podia na esperança de evitar toda aquela fúria caindo do céu. Na verdade, tirando aquele único raio, parecia que todos os ataques visavam os carroções e os homens em batalha. Talvez as Aes Sedai também. Elas se mantinham sentadas em seus respectivos cavalos, um pouco afastadas da confusão de lanças, espadas e chamas, mas não tão longe assim, e, por vezes, se punham de pé nos estribos para enxergar melhor.