Mexendo no anel no terceiro dedo da mão esquerda, Elayne disparou, quase correndo, os olhos focados bem à frente para poder alegar não ter visto qualquer outra pessoa que tentasse pará-la para lhe parabenizar. Talvez funcionasse, talvez significasse uma visita a Tiana — indulgências pelo bom trabalho tinham seus limites. Naquele exato instante, preferiria que fosse Tiana a lhe fazer elogios desmerecidos.
O anel de ouro era uma serpente mordendo a própria cauda, a Grande Serpente, símbolo das Aes Sedai, mas também usado pelas Aceitas. Quando vestisse o xale com franjas nas cores da Ajah que escolhesse, usaria o anel no dedo que quisesse. Escolheria a Ajah Verde por necessidade — apenas as irmãs Verdes tinham mais de um Guardião, e ela queria Rand. Ou quanto dele fosse possível, ao menos. A dificuldade era que já fizera um elo com Birgitte, a primeira mulher a se tornar Guardiã. Por isso conseguia sentir as sensações de Birgitte — sabia que a mulher cortara a mão naquela manhã. Só Nynaeve sabia sobre o elo. Guardiões eram reservados para as Aes Sedai completas, e se uma Aceita desobedecesse essa proibição não haveria indulgência no mundo que lhe salvasse a pele. Aquilo fora obra da necessidade, não um capricho — do contrário, Birgitte teria morrido —, mas Elayne não achava que faria diferença. Infringir uma regra com o Poder poderia ser fatal para si mesma e para os outros — para deixar isso bem claro, as Aes Sedai raramente deixavam alguém escapar ao infringir uma regra, pelo motivo que fosse.
Havia tantos subterfúgios ali em Salidar. Não apenas Birgitte e Moghedien. Um dos Juramentos proibia as Aes Sedai de mentir, mas as coisas não ditas não eram necessariamente mentiras. Moiraine aprendera a urdir um manto de invisibilidade, talvez o mesmo que haviam aprendido com Moghedien. Nynaeve vira Moiraine fazer isso uma vez, antes de aprender qualquer coisa sobre o Poder. No entanto, ninguém mais em Salidar aprendera. Ou admitia ter aprendido, de todo modo. Birgitte confirmara o que Elayne começara a suspeitar: a maioria das Aes Sedai, talvez todas, guardava para si pelo menos parte do que aprendia, e a maioria possuía seus truques secretos. Esses truques poderiam ser ensinados às noviças ou às Aceitas e tornar-se de conhecimento geral, se fossem aprendidos por um número suficiente de Aes Sedai… ou poderiam morrer com quem as descobrira. Por duas ou três vezes, Elayne pensou ter visto um leve brilho nos olhos de uma das mulheres ao demonstrar algo que descobrira. Carenna aprendera o truque da bisbilhotagem com rapidez surpreendente. Mas esse não era bem o tipo de acusação que uma Aceita podia fazer contra uma Aes Sedai.
Esse conhecimento não deixava seus próprios fingimentos mais palatáveis, mas talvez ajudasse um pouco. Isso e também se lembrar da necessidade. Se pelo menos parassem de elogiá-la pelo que não tinha feito…
Tinha certeza de onde encontraria Min. O rio Eldar ficava menos de três milhas a oeste de Salidar, e um pequeno córrego margeava a beirada da aldeia, abrindo caminho pela floresta até o rio. A maioria das árvores que crescera na cidade havia sido derrubada depois que as Aes Sedai começaram a chegar, mas ainda havia um pequeno trecho na ribanceira atrás de algumas casas, em um pedaço de terra estreito demais para ter qualquer utilidade. Min dizia gostar mais das cidades, porém ainda assim tinha o costume de se sentar entre essas árvores. Era uma forma de escapar da companhia de Aes Sedai e Guardiões por um tempo, e para Min isso era quase essencial.
Como esperado, tão logo Elayne virou a curva de uma casa de pedras em direção à estreita faixa de terra, avançando ao lado de um filete de água igualmente estreito, encontrou Min sentada, recostada em uma árvore, observando o pequeno córrego borbulhar por sobre as pedras. Ou o que restava dele: o riacho gotejava por um leito de lama seca com o dobro de sua largura. As árvores daquela área ainda tinham algumas folhas, mas a maior parte da floresta ao redor começava a desfolhar. Até os carvalhos.
Um galho seco se partiu sob a sandália de Elayne, e Min levantou-se de um salto. Como de costume, usava roupas masculinas — casaco cinza e calças —, mas tinha mandado bordar pequenas flores azuis nas lapelas e nas laterais das calças confortáveis. Por estranho que fosse para alguém que dizia ter sido criada por três tias costureiras, Min parecia não saber distinguir as duas pontas de uma agulha. A jovem encarou Elayne, fez uma careta e passou os dedos pelos cabelos escuros na altura do ombro.
— Você sabe. — Foi tudo o que disse.
— Achei que devíamos conversar.
Min passou as mãos pelos cabelos outra vez.
— Siuan só me contou hoje de manhã. Desde então venho tentando criar coragem para contar a você. Ela quer que eu o espione, Elayne. Por causa da missão diplomática. E me deu nomes de pessoas em Caemlyn que podem mandar recados de volta para ela.
— Você não vai, claro — respondeu Elayne, sem o menor tom de pergunta, e Min lhe devolveu um olhar de gratidão. — Por que estava com medo de vir falar comigo? Nós somos amigas, Min. Prometemos não deixar homem nenhum ficar entre nós. Mesmo que seja amado pelas duas.
A risada de Min era um pouco rouca, e Elayne supunha que muitos homens achassem atraente. E a jovem era bonita, mas de uma forma meio travessa. Além de alguns anos mais velha — o que seria vantagem ou desvantagem?
— Ah, Elayne, dissemos isso quando estávamos a salvo, com ele bem longe de nós duas. Perder você seria como perder uma irmã, mas e se uma de nós mudar de ideia?
Era melhor não perguntar qual das duas seria. Elayne tentava não pensar no fato de que se amarrasse e amordaçasse Min com o Poder e invertesse a trama, poderia escondê-la em um porão até que a missão diplomática estivesse bem distante.
— Não vamos — respondeu, simplesmente. Não, não poderia fazer isso com Min. Queria Rand todo para si, mas não podia magoar a amiga. Talvez pudesse só pedir que a outra não fosse até que ambas pudessem ir. Em vez disso, disse: — Gareth está liberando você do juramento?
Desta vez a risada de Min foi curta, quase uma tosse.
— Até parece. Ele diz que vai me cobrar isso mais cedo ou mais tarde. Siuan é a única que realmente quer manter, sabe a Luz por quê. — Uma leve tensão em seu rosto fez Elayne pensar que havia alguma visão envolvida, mas ela não perguntou. Min nunca falava a respeito de suas visões, a não ser que envolvesse diretamente a pessoa.
A jovem tinha uma habilidade conhecida por poucas em Salidar. Elayne e Nynaeve, Siuan e Leane, só. Birgitte não sabia, mas, por outro lado, Min não sabia a respeito de Birgitte. Ou Moghedien. Tantos segredos. Mas o de Min era só dela. A jovem às vezes via imagens ou auras ao redor dos outros, e às vezes sabia o que significavam. Quando sabia, estava sempre certa — por exemplo, se dizia que um homem e uma mulher iriam se casar, então cedo ou tarde eles se casavam, mesmo que os dois claramente se odiassem no momento. Leane chamava isso de “ler o Padrão”, mas não tinha nada a ver com o Poder. A maioria das pessoas só exibia imagens de vez em quando, mas Aes Sedai e Guardiões, sempre. As fugas de Min para aquele lugar eram uma forma de escapar dessa torrente de informações.
— Você pode levar uma carta a Rand para mim?
— Claro. — A mulher aquiesceu tão depressa, a expressão tão sincera, que Elayne corou e prosseguiu depressa. Não sabia se teria concordado caso fosse a situação inversa. — Você não pode deixar que ele saiba das suas visões, Min. Em relação à gente. — Uma coisa que a jovem vira a respeito de Rand era que três mulheres se apaixonariam perdidamente por ele e se uniriam a ele para sempre, e que uma dessas mulheres seria ela própria. A segunda ficou claro que seria Elayne. — Se ele souber de alguma coisa sobre a visão, pode decidir que não é o que queremos, apenas um capricho do Padrão ou do fato de ele ser ta’veren. Rand poderia decidir agir com nobreza e nos salvar, impedindo que qualquer uma de nós se aproxime dele.