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de gala ainda não acabaram, elas não foram convidadas, mas eles foram.

Já sabem o que os “perfumes” vão dizer, porque é sempre a mesma coisa, mas fi ngem acreditar:

a) “Eu posso mudar sua vida.”

b) “Várias mulheres gostariam de estar no seu lugar.”

c) “No momento você ainda é jovem, mas pense daqui a alguns anos. É hora de fazer um investimento mais a longo prazo.”

d) “Sou casado, mas minha esposa...” (aqui a frase pode ter diferentes fi nais: “está doente”, “prometeu suicidar-se se eu a deixar”, etc.)

e) “Você é uma princesa e merece ser tratada como tal. Sem que eu mesmo soubesse, eu a esperava. Não acredito em coincidências, e acho que devemos dar uma oportunidade a esta relação.”

A conversa não varia. O que varia é conseguir o máximo de presentes possíveis (de preferência jóias, que podem ser vendidas), ser convidada para algumas festas em alguns iates, pegar o maior nú-

mero de cartões de visita, escutar de novo a mesma conversa, achar um jeito de ser convidada para as corridas de Fórmula 1, nas quais o mesmo tipo de gente aparece, e nas quais talvez a grande chance estará esperando.

“Perfume” também é como os jovens atores se referem às velhas milionárias, com plástica e botox, mais inteligentes que os homens.

Elas jamais perdem tempo: chegam também nos últimos dias, sabendo que todo o poder de sedução está no dinheiro.

Os “perfumes” masculinos se enganam: acham que as longas pernas e os rostos juvenis se deixaram seduzir, e agora podem ser manipuladas à vontade. Os “perfumes” femininos confi am no poder de seus brilhantes, e apenas nisso.

Igor não conhece nenhum desses detalhes: é sua primeira vez ali.

E acaba de confi rmar, para sua surpresa, que ninguém parece muito 2 1

interessado em fi lmes — exceto as pessoas daquele bar. Folheou algumas revistas, abriu o envelope onde sua companhia havia colocado os convites para as festas mais importantes, e absolutamente nenhum deles mencionava uma estréia. Antes de desembarcar na França, procurou saber quais os fi lmes que concorriam — teve imensa difi culdade em conseguir esta informação. Até que um amigo comentou:

— Esqueça os fi lmes. Cannes é um festival de moda.

Moda. O que as pessoas estão pensando? Acham que moda é aquilo que muda com a estação do ano? Vieram de todos os cantos do mundo para mostrar seus vestidos, suas jóias, sua coleção de sapatos? Não sabem o que isso signifi ca. “Moda” é apenas uma maneira de dizer: eu pertenço ao seu mundo. Uso o mesmo uniforme do seu exército, não atire nesta direção.

Desde que grupos de homens e mulheres começaram a conviver nas cavernas, a moda é a única maneira de dizer algo que todos entendam, mesmo sem se conhecerem: nos vestimos da mesma maneira, sou da sua tribo, nos unimos contra os mais fracos e assim sobrevivemos.

Mas ali está gente que acredita que “moda” é tudo. A cada seis meses gastam uma fortuna para mudar um pequeno detalhe e continuar na exclusiva tribo dos ricos. Se fi zessem agora uma visita ao Silicon Valley, onde bilionários das indústrias de informática usam relógios de plástico e calças surradas, entenderiam que o mundo já não é o mesmo, todos parecem ter o mesmo nível social, ninguém está dando a menor atenção para o tamanho do diamante, a marca da gravata, o modelo da pasta de couro. Por sinal, gravatas e pastas de couro são inexistentes naquela região do mundo, mas ali perto está Hollywood, uma máquina relativamente mais poderosa — embora decadente — que ainda consegue fazer com que os ingênuos acreditem nos vestidos de alta-costura, nos colares de esmeralda, nas limusines gigantescas. E como é isso que ainda aparece nas revistas, quem tem interesse em destruir uma indústria de bilhões de dólares 2 2

de anúncios, vendas de objetos inúteis, troca de tendências desnecessárias, criação de cremes repetitivos mas com rótulos diferentes?

Ridículos. Igor não consegue esconder seu ódio por aqueles cujas decisões afetam a vida de milhões de homens e mulheres trabalhadores, honestos, que levam seu cotidiano com dignidade porque têm saúde, um lugar para morar, e o amor de sua família.

Perversos. Quando tudo parece estar em ordem, quando as famí-

lias se reúnem em torno da mesa para jantar, o fantasma da Superclasse aparece, vendendo sonhos impossíveis: luxo, beleza, poder. E

a família se desagrega.

O pai passa horas em claro em trabalho extra para poder comprar o novo modelo de tênis para o fi lho, ou ele será olhado na escola como um marginal. A esposa chora em silêncio porque suas amigas vestem roupas de marca, e ela não tem dinheiro. Os adolescentes, em vez de conhecerem os verdadeiros valores da fé e da esperança, sonham em virar artistas. As moças do interior perdem a identidade própria, começam a considerar a possibilidade de ir para a cidade grande e aceitar qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa, desde que possam ter determinada jóia. Um mundo que devia caminhar em direção à justiça passa a girar em torno da matéria, que em seis meses já não serve para nada, precisa ser renovada, e só assim o circo pode continuar mantendo no topo do mundo aquelas criaturas desprezí-

veis que agora se encontram em Cannes.

Claro, Igor não se deixa infl uenciar por este poder destruidor.

Continua com um dos mais invejáveis trabalhos do mundo. Continua ganhando muito mais dinheiro por dia do que poderia gastar em um ano, mesmo que resolvesse se permitir todos os prazeres possíveis — legais ou ilegais. Não tem difi culdades em seduzir uma mulher, mesmo antes que ela saiba se é ou não um homem rico — já testou muitas vezes, e sempre deu resultado. Acaba de fazer 40 anos, está em plena forma, fez o check-up anual e não descobriu nenhum problema de saúde. Não tem dívidas. Não precisa vestir determinada 2 3

marca de roupa, freqüentar tal restaurante, passar as férias na praia aonde “todo mundo irá”, comprar um modelo de relógio só porque tal esportista bem-sucedido recomendou. Pode assinar importantes contratos com uma caneta de alguns centavos, usar casacos confortáveis e elegantes, feitos à mão em uma pequena loja ao lado do seu escritório, sem nenhuma etiqueta visível. Pode fazer o que deseja, sem precisar provar a ninguém que é rico, tem um trabalho interessante, e é entusiasmado pelo que faz.

Talvez aí esteja o problema: sempre entusiasmado pelo que faz.

Está convencido de que esta é a razão pela qual a mulher que horas atrás entrou no bar não esteja sentada à sua mesa.

Tenta continuar pensando, passando o tempo. Pede a Kristelle mais uma dose de bebida — sabe o nome da garçonete porque há uma hora, quando o movimento era menor (as pessoas estavam nos jantares), pediu um copo de uísque, e ela comentou que ele parecia triste, que devia comer alguma coisa e levantar seu ânimo. Ele agradeceu a preocupação, e fi cou contente que alguém realmente se incomodasse com seu estado de espírito.

Talvez ele seja o único que sabe como se chama a pessoa que o está servindo; o resto quer saber o nome — e se possível, o cargo

— das pessoas que estão sentadas às mesas e nas poltronas.

Tenta continuar pensando, mas já passa das três horas da manhã, a bela mulher e o homem educado — por sinal, muito parecido fi -

sicamente com ele — não apareceram de novo. Talvez tenham ido diretamente para o quarto e agora estão fazendo amor, talvez ainda estejam bebendo champagne em um dos iates que começam suas festas quando todas as outras já estavam chegando ao fi nal. Talvez estejam deitados, lendo revistas, sem olhar um para o outro.