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Não, isso não está acontecendo. Melhor demonstrar também um pouco de calma.

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— Vamos conversar. O senhor comprou toda a mercadoria, e vamos conversar. Eu não me levantei para ir embora.

Ele encosta discretamente o cano da arma nas costelas da moça.

O casal de velhos passa, olhando para os dois sem nada perceber.

Ali está a fi lha do português, como sempre tentando impressionar os homens com suas sobrancelhas cerradas e seu sorriso infantil. Não era a primeira vez que a viam com um estranho, que pela roupa parecia ser rico.

Olivia os olha fi xamente, como se o olhar pudesse dizer qualquer coisa. O homem ao seu lado diz com uma voz alegre:

— Bom dia!

O casal se afasta sem dizer palavra — não costumavam falar com estranhos, ou cumprimentar vendedoras ambulantes.

— Sim, vamos conversar — o russo quebrou o silêncio. — Não vou fazer nada disso com o trânsito, estava dando apenas um exemplo. Minha mulher vai saber que estou aqui quando começar a receber os recados. Não vou fazer o mais óbvio, que é procurar encontrá-la — preciso que venha até mim.

Ali está uma saída.

— Posso dar os recados, se quiser. Basta me dizer em que hotel está hospedada.

O homem ri.

— Você tem o vício de todas as pessoas de sua idade: achar-se mais esperta que o resto dos seres humanos. No momento em que sair daqui, irá imediatamente até a polícia.

O sangue gelou. Então, iriam fi car ali naquele banco o dia inteiro?

Ele iria atirar de qualquer maneira, já que ela conhecia seu rosto?

— O senhor disse que não iria atirar.

— Prometi que não farei isso, se você se comportar como alguém mais adulta, que respeita a minha inteligência.

Sim, ele tem razão. E ser mais adulta é falar um pouco de si mesma. Quem sabe, aproveitar-se da compaixão que sempre existe na 3 4

mente de um louco. Explicar que vive uma situação semelhante, embora não seja verdade.

Um rapaz passa correndo, com seu iPod nos ouvidos. Nem sequer se dá ao trabalho de olhar para o lado.

— Moro com um homem que faz da minha vida um inferno, e mesmo assim não consigo me libertar dele.

Os olhos de Igor mudam.

Olivia acredita que encontrou uma maneira de sair daquela armadilha. “Seja inteligente. Não se ofereça, procure pensar na mulher do homem que está ao seu lado.”

Seja verdadeira.

— Ele me isolou de meus amigos. Vive com ciúmes, embora tenha todas as mulheres que deseja. Critica tudo que faço, diz que não tenho ambição nenhuma. Controla o pouco dinheiro que ganho como comissão na venda das bijuterias.

O homem está em silêncio, olhando o mar. A calçada se enche de gente; o que aconteceria se simplesmente se levantasse e fugisse? Ele seria capaz de atirar? A arma era de verdade?

Mas sabe que havia tocado em um assunto que parecia deixá-lo mais à vontade. Melhor não correr o risco de fazer uma loucura

— ela se lembra do olhar e da voz de minutos antes.

— Mesmo assim, não consigo deixá-lo. Mesmo que aparecesse o melhor, mais rico, mais generoso ser humano da face da terra, eu não trocaria meu namorado por nada. Não sou masoquista, não tenho prazer em ser constantemente humilhada — mas eu o amo.

Sentiu o cano da arma pressionar de novo suas costelas. Havia dito algo errado.

— Eu não sou igual a este canalha do seu namorado — a voz agora era puro ódio. — Trabalhei muito para construir tudo que tenho.

Trabalhei duro, recebi muitos golpes, sobrevivi a todos eles, lutei com honestidade, embora às vezes precisasse ser duro e implacável.

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Sempre fui um bom cristão. Tenho amigos infl uentes, e jamais fui ingrato. Enfi m, fi z tudo certo.

“Nunca destruí ninguém no meu caminho. Sempre que pude, esti-mulei minha mulher a fazer o que queria, e o resultado foi esse: estou agora sozinho. Sim, já matei seres humanos durante uma guerra idiota, mas não perdi o senso da realidade. Não sou um veterano de guerra traumatizado, que entra em um restaurante e dispara sua metralhado-ra a esmo. Não sou um terrorista. Podia achar que a vida foi injusta comigo, que me roubou o que há de mais importante: o amor. Mas existem outras mulheres, e as dores do amor sempre passam. Preciso agir, cansei de ser um sapo que ia sendo cozinhado aos poucos.”

— Se sabe que existem outras mulheres, se sabe que as dores passam, por que então sofrer tanto?

Sim, estava se comportando como adulta — surpresa com a calma com que tentava controlar o louco ao seu lado.

Ele pareceu vacilar.

— Não sei responder direito. Talvez porque já fui abandonado muitas vezes. Talvez porque precise provar a mim mesmo do que sou capaz. Talvez porque tenha mentido, e não existam outras mulheres

— apenas uma. Tenho um plano.

— Qual é seu plano?

— Já lhe disse. Destruir alguns mundos, até que ela se dê conta de que é importante para mim. De que sou capaz de correr qualquer risco para tê-la de volta.

A polícia!

Ambos notaram que um carro de polícia se aproximava.

— Desculpe — disse o homem. — Eu pretendia conversar um pouco mais, a vida também não é justa com você.

Olivia entende a sentença de morte. E como agora não tinha mais nada a perder, faz menção de se levantar de novo. Entretanto, a mão daquele estrangeiro toca o seu ombro direito, como se a abraçasse com carinho.

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Samozashchita Bez Orujiya, ou Sambo, como é mais conhecido entre os russos, é a arte de matar rapidamente com as mãos, sem que a vítima se dê conta do que está acontecendo. Foi desenvolvida ao longo dos séculos, quando povos ou tribos precisavam enfrentar invasores sem a ajuda de qualquer arma. Foi amplamente utilizada pelo aparelho soviético para eliminar alguém sem deixar vestígios.

Tentaram introduzi-la como arte marcial nas Olimpíadas de 1980

em Moscou, mas foi descartada por ser perigosa demais — apesar de todos os esforços dos comunistas de então para incluir nos Jogos um esporte que só eles sabiam praticar.

Ótimo. Desta maneira, só mesmo algumas poucas pessoas conhecem seus golpes.

O polegar direito de Igor pressiona a jugular de Olivia, e o sangue deixa de circular até o cérebro. Enquanto isso, sua outra mão pressiona determinado ponto perto das axilas, provocando a paralisia dos músculos. Não há contrações; agora é apenas uma questão de esperar dois minutos.

Olivia parece ter adormecido em seus braços. O carro policial cruza por detrás deles, usando a via preferencial e fechada para o trânsito. Nem sequer notam o casal abraçado — têm outras coisas com que se preocupar naquela manhã: precisam fazer o máximo para que a circulação de automóveis não seja interrompida, o que é uma tarefa absolutamente impossível de ser cumprida à risca. Acabam de receber uma chamada pelo rádio, parece que um milionário bêbado havia batido com sua limusine a três quilômetros dali.

Sem retirar o braço que apóia a garota, Igor abaixa-se e usa a outra mão para recolher a toalha diante do banco, onde estavam expostas aquelas coisas de mau gosto. Dobra o tecido com agilidade, fazendo um travesseiro improvisado.

Quando vê que não há ninguém por perto, com todo carinho deita o corpo inerte no banco; a moça parece dormir — e, em seus 3 7

sonhos, devia estar se lembrando de um lindo dia, ou tendo pesadelos com o namorado violento.

Somente o casal de velhos havia notado que estavam juntos. E

caso se descobrisse um crime — o que Igor achava difícil, porque não havia marcas visíveis — iriam descrevê-lo para a polícia como alguém louro, ou negro, mais velho ou mais jovem do que realmente parecia; não havia a menor razão para se preocupar, as pessoas jamais prestam atenção ao que está ocorrendo no mundo.

Antes de partir, deu um beijo na testa da bela adormecida, e murmurou: