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— Acho que devemos ir embora daqui.

Pelo visto, Ewa está incomodada com as perguntas dos jornalistas.

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— Esqueça isso. Não tenho o coração de pedra, como sabe, mas tampouco posso começar a sofrer por algo que na verdade só fez confi rmar aquilo que você me dissera antes: afaste-se do cinema.

Estamos em uma festa, e vamos fi car aqui até que termine.

Sua voz saiu mais dura do que imaginava, mas Ewa pareceu não se incomodar — como se seu amor ou seu ódio lhe fossem absolutamente indiferentes. Continua, já desta vez usando um tom mais apropriado:

— Veja a perfeição de festas como essa. Nosso anfi trião deve estar gastando uma quantia altíssima pela sua presença em Cannes, as despesas de passagens e hospedagem de celebridades escolhidas para participar com exclusividade deste caríssimo jantar de gala. Pode ter certeza de que terá dez a doze vezes mais lucro com a visibilidade gratuita que isso proporcionará: páginas inteiras de revistas, jornais, espaços em canais de televisão, horas nas TVs a cabo que não têm nada para mostrar além de grandes acontecimentos sociais. Mulheres vão associar suas jóias ao glamour e ao brilho, homens usarão seus relógios como demonstração de poder e dinheiro. Jovens irão abrir as páginas de moda e pensar: “Um dia quero estar ali, usando exatamente a mesma coisa.”

— Vamos embora. Tenho um pressentimento.

Aquilo era a gota d’água. Passara o dia inteiro aturando o mau humor da mulher, sem reclamar um segundo. A toda hora ela abria seu telefone para ver se havia chegado outra mensagem, e agora co-meçava a desconfi ar seriamente que algo muito estranho se passava. Outro homem? Seu ex-marido, que vira no bar do hotel, e que queria marcar de qualquer maneira um encontro? Se fosse assim, por que não falava diretamente o que estava sentindo, em vez de se trancar em si mesma?

— Não me venha com pressentimentos. Estou tentando carinho-samente explicar por que fazem uma festa como essa. Se deseja voltar a ser a mulher de negócios que sempre sonhou, se deseja voltar 3 5 7

a trabalhar com venda de alta-costura, procure prestar atenção no que digo. Por sinal, eu comentei que vi seu ex-marido no bar ontem à noite, e você me disse que era impossível. É por causa dele que está com seu celular ligado?

— Ele não tem o que fazer aqui.

Sentia vontade de dizer: “Eu sei quem tentou e conseguiu destruir seu projeto de cinema. E sei que é capaz de ir muito mais além disso.

Entenda que estamos correndo perigo, vamos embora.”

— Você não respondeu minha pergunta.

— A resposta é: sim. É por isso que estou com meu celular ligado.

Porque eu o conheço, sei que ele está por perto, e estou com medo.

Hamid ri.

— Eu também estou por perto.

Ewa pega uma taça de champagne e bebe de uma só vez. Ele não faz qualquer comentário: aquilo era apenas mais uma provocação.

Olha à sua volta, procurando esquecer as notícias que tinham surgi-do na tela do seu telefone, e aguardando a possibilidade de tirar fotos com Jasmine antes que todos fossem chamados para o salão onde o jantar seria servido, e onde os fotógrafos estavam proibidos de entrar.

O envenenamento do ator famoso não podia ter acontecido em pior momento: ninguém havia perguntado sobre o grande contrato que assinara com a modelo desconhecida. Meia hora atrás, era a única coisa que queriam saber; agora isso não interessava mais à imprensa.

Apesar de tantos anos trabalhando com luxo e glamour, ainda tem muito o que aprender: enquanto o contrato milionário tinha sido esquecido rapidamente, seu anfi trião conseguira manter o interesse na festa perfeita. Nenhum dos fotógrafos e jornalistas presentes havia deixado o local para ir até a delegacia ou ao hospital, apurar direito o que havia acontecido. Claro, eram todos especializados em moda, mas mesmo assim seus editores não ousaram deslocá-los dali por uma simples razão: crimes não freqüentam as mesmas páginas de eventos sociais.

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Especialistas em jóias de luxo não se metem em aventuras cinematográfi cas. Grandes promotores de eventos sabem que, indepen dente de todo o sangue que estiver correndo no mundo naquele exato momento, as pessoas sempre vão procurar as fotos que representam um mundo perfeito, inatingível, exuberante.

Assassinatos podem acontecer na casa ao lado, ou na rua adiante.

Festas como aquela, só no topo do mundo. O que é mais interessante para os mortais?

A festa perfeita.

Cuja promoção começara meses antes, com notas na imprensa, afi rmando que mais uma vez a joalheria iria realizar o seu evento anual em Cannes, mas que os convites já estavam todos distribuídos.

Não era bem assim; àquela altura, metade dos convidados estava recebendo uma espécie de memorando, pedindo gentilmente que reservassem a data.

Como tinham lido as notícias, claro que respondiam de ime-diato. Reservavam a data. Compravam seus bilhetes de avião e pagavam os hotéis por 12 dias, mesmo que fossem fi car apenas por 48 horas. Precisavam mostrar a todos que ainda continuavam na Superclasse, e isso terminaria por facilitar negócios, abrir portas, alimentar o ego.

Dois meses depois, chegava o luxuoso convite. As mulheres co-meçavam a fi car nervosas porque não conseguiam decidir qual o melhor vestido para a ocasião, e os homens mandavam suas secretárias ligarem para alguns conhecidos, perguntando se havia possibilidade de tomarem um champagne do bar e discutirem determinado assunto profi ssional antes que o jantar começasse. Era a maneira masculina de dizer: “Fui convidado para a festa. Você também foi?” Mesmo que o outro alegasse que estava ocupado e que difi cilmente poderia viajar para Cannes naquela época, o recado estava dado: a tal “agenda completa” era uma desculpa para o fato de ainda não ter recebido nenhuma comunicação a respeito.

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Minutos depois, o “homem ocupado” começava a mobilizar amigos, assessores, sócios, até conseguir o convite. Desta maneira, o an-fi trião podia selecionar qual seria a outra metade a ser convidada, baseando-se em três coisas: poder, dinheiro, contatos.

A festa perfeita.

Uma equipe profi ssional é contratada. Quando chega o dia, a ordem é servir o máximo de bebida alcoólica, de preferência a mítica e insuperável champagne francesa. Convidados de outros países não se davam conta de que nesse caso estavam servindo uma bebida produzida no próprio país, e portanto bem mais barata do que imaginavam. As mulheres — como Ewa fazia naquele momento

— achavam que a taça com o líquido dourado era o melhor com-plemento para o vestido, os sapatos e a bolsa. Os homens também tinham uma taça nas mãos, mas bebiam muito menos; estavam ali para encontrar o concorrente com quem deviam fazer as pazes, o fornecedor com quem precisavam melhorar as relações, o potencial cliente que seria capaz de distribuir seus produtos. Centenas de cartões de visitas eram trocados em uma noite como essa — a grande parte entre profi ssionais. Alguns poucos, claro, eram dirigidos a mulheres bonitas, mas todos sabiam que era um desperdício de papeclass="underline" ninguém estava ali para encontrar o homem ou a mulher da sua vida.

E sim para fazer negócios, brilhar, e eventualmente, divertir-se um pouco. A diversão era opcional, e a coisa menos importante.

As pessoas que estão ali naquela noite vêm de três pontas de um triângulo imaginário. De um lado, estão os que já conseguiram tudo, passam seus dias nos campos de golfe, nos intermináveis almoços, nos clubes exclusivos — e quando entram em uma loja têm bastante dinheiro para comprar sem perguntar o preço. Chegaram ao topo e se dão conta de algo em que nunca tinham pensado antes: não podem viver sozinhos. Não suportam a companhia do marido ou da esposa, precisam estar em movimento, acreditando que ainda fazem 3 6 0