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Craxxi encolheu os ombros. Estava a descascar cuidadosamente uma pêra.

― Não sei ― disse. ― Mas não sejas demasiado orgulhoso para pedir-lhes ajuda. Tu mesmo, meu rapaz, estás sem a mínima dúvida em perigo. Manda vir o teu Sr. Pryor de Londres, para gerir os bancos. um homem extremamente competente em todos os aspectos.

― E o Bianco da Sicília? ― perguntou Astorre.

― Deixa-o onde está. Quando tiveres adiantado mais alguma coisa, voltaremos a falar.

Craxxi deitou-lhe um pouco de anisette no café. Astorre suspirou.

― Parece-me tão estranho ― disse. ― Nunca sonhei que teria de agir em nome do Dom, o grande Don Aprile.

― Ah, pois ― respondeu Craxxi. ― A vida é dura e cruel para com os jovens.

Durante vinte anos, Valerius vivera no mundo dos serviços secretos matares, não num mundo de ficção, como o irmão. Deu a impressão de ter previsto tudo o que Astorre lhe disse e reagiu sem a mínima surpresa.

― Preciso da tua ajuda ― anunciou Astorre. ― É possível que tenhas de quebrar algumas das tuas estritas regras de conduta.

― Mostras finalmente a tua verdadeira cor ― observou Valerius, secamente. ― Perguntava a mim mesmo quanto tempo ia demorar.

― Não sei o que queres dizer com isso ― afirmou Astorre, um tudo nada desconcertado. ― Estou convencido de que a morte do teu pai foi uma conspiração que envolveu a polícia e o FBI. Podes pensar que estou a fantasiar, mas foi o que me disseram.

― Não é impossível ― admitiu Valerius. ― Mas no trabalho que faço aqui não tenho acesso a documentos secretos.

― Mas hás de ter amigos ― insistiu Astorre. ― Nos serviços de informações. Podes fazer-lhes certas perguntas.

― Não preciso de fazer perguntas ― declarou Valerius, sorrindo. ― Esses tipos palram como gralhas. Essa história de “necessidade de saber” é uma treta. Tens alguma idéia daquilo que queres?

― Qualquer informação a respeito dos assassinos do teu pai

Valerius recostou-se no cadeirão e inalou o fumo do charuto, o seu único vício.

― Não me venhas com histórias, Astorre. Deixa-me dizer-te uma coisa. Fiz uma análise dos fatos. Pode ter sido um ato de retaliação ou de vingança entre gangster. E pensei um bocado nisso de teres sido tu a ficar com o controle dos bancos. O velho sempre teve um plano. Em minha opinião, foi o seguinte. O Don fez de ti o ponta de lança da família. O que se segue daí? Que foste treinado, que eras uma toupeira, um agente adormecido destinado a só ser ativado num dado momento crucial. Há um buraco de onze anos na tua vida, e a tua cobertura é demasiado boa para ser verdadeira... Cantor amador e cavaleiro desportivo? E essa gargantilha de ouro que nunca tiras é muito suspeita. ― Fez uma pausa, inspirou fundo e perguntou Que tal a minha análise?

― Bastante boa - admitiu Astorre. - Espero que a guardes para ti.

― Claro ― disse Valerius. ― Mas nesse caso segue-se que és um homem perigoso. E portanto que, chegada a altura tomarás uma medida extrema. Um conselho: a tua cobertura é fraca, não tarda a estalar. Quanto à minha ajuda, tenho uma boa vida e oponho-me a tudo o que penso que tu és. Por isso a minha resposta, de momento, é não. Não vou ajudar-te. Se alguma coisa mudar, entro em contato contigo.

Uma mulher conduziu Astorre até ao gabinete de Nicole, que o recebeu com um beijo e um abraço. Continuava a ser amiga dele; o romance de adolescência que tinham vivido não deixara cicatrizes amargas.

Nicole voltou-se para a guarda-costas.

― Importas-te de deixar-nos sozinhos, Helene? pediu. ― Com ele estou segura.

Helene lançou a Astorre um longo olhar. A intenção era impressioná-lo, e conseguiu-o. Como Cilke, Astorre apercebeu-se da sua extrema confiança ― o tipo de confiança do jogador que tem um ás na manga, ou de uma pessoa que traz consigo uma arma escondida. Tentou descobrir onde poderia estar. As calças justas e o casaco moldavam-lhe o físico impressionante ― não havia ali qualquer arma. Notou então a racha na perna das calças. Usava um coldre de tornozelo, o que não era na verdade muito inteligente. Sorriu-lhe, recorrendo a todo o seu charme. Ela devolveu-lhe um olhar vazio de expressão.

― Quem foi que a recrutou? ― perguntou Astorre.

― O meu pai ― respondeu Nicole. ― Tem funcionado às mil maravilhas. Nem imaginas como sabe lidar com assaltantes e conquistadores de pacotilha.

― Aposto que sim ― admitiu Astorre. ― Conseguiste que o FBI te entregasse o processo do velho?

― Sim. É a mais horrível lista de acusações que alguma vez li. Simplesmente inacreditável, e eles não conseguiram provar uma que fosse.

Astorre sabia que o Don havia de querer que ele negasse a verdade.

― Emprestas-me o dossiê por um par de dias? ― pediu.

Nicole presenteou-o com o seu olhar inexpressivo de advogada.

― Não me parece que devas vê-lo já. Quero escrever uma análise, sublinhar as partes mais importantes, e depois empresto-o. Na realidade, não há lá nada que te possa ajudar. Talvez o melhor seja nem tu nem os meus irmãos o verem.

Astorre olhou pensativamente para ela, e então sorriu.

― É assim tão mau?

― Deixa-me estudá-lo ― disse Nicole. ― Esses tipos do FBI são uns merdosos.

― Como quiseres, por mim tudo bem. Mas não te esqueças de que isto é um caso perigoso. Tem cuidado contigo.

― Terei ― prometeu Nicole. ― E tenho a Helene ― acrescentou.

― E eu estou aqui, se precisares de mim.

Pousou a mão no braço de Nicole, para tranqüilizá-la, e por um momento ela olhou-o com um desejo tão evidente que ele se sentiu pouco à vontade.

Nicole sorriu.

― Telefono. Mas eu estou OK., descansa.

Na realidade, estava a pensar no encontro que nessa noite ia ter com um diplomata incrivelmente charmoso e atraente.

No seu sofisticado gabinete praticamente forrado a ecrãs de televisão, Marcantonio Aprile conversava com o diretor de uma das mais poderosas agências de publicidade de Nova Iorque. Richard Harrison era um homem alto, de ar aristocrático, impecavelmente vestido, com a aparência de um ex-modelo mas a energia explosiva de um pára-quedista.

Tinha nas mãos uma pequena caixa com cassetes de vídeo. Seguro de si, sem se dar ao trabalho de pedir autorização, aproximou-se de um televisor e inseriu uma das cassetes.

― Vê-me bem isto ― disse. ― Não é um dos meus clientes, mas acho espantoso.

A fita mostrava o anúncio de uma rede de pizzarias americana, e a figura principal era Mikhail Gorbatchev, o ex-presidente da União Soviética. Gorbatchev vendia com sóbria dignidade, sem dizer uma palavra, limitando-se a dar pizza aos netos, enquanto a turba expressava a sua admiração.

Marcantonio sorriu.

― Uma vitória para o mundo livre ― ironizou. ― E depois?

― O antigo líder da União Soviética a fazer de palhaço num anúncio de televisão para uma pizzaria americana. Não é espantoso? E ouvi dizer que só lhe pagaram meio milhão.

― OK. ― disse Marcantonio. ― Mas porquê.

― Por que é que alguém faz uma coisa tão humilhante? ― respondeu Harrison. ― Porque precisa desesperadamente do dinheiro.

E subitamente, Marcantonio pensou no pai. O velho só sentiria desprezo por alguém que governara uma grande potência e não soubera sequer garantir a segurança financeira da sua própria família. Don Aprile considera-lo-ia o mais louco dos homens.