Para os Estados Unidos, o problema tinha duas soluções possíveis. A primeira era, se Israel corresse de fato esse perigo, alinhar a seu lado antes que se visse na necessidade de chegar a tal extremo. A segunda, se no momento crucial Israel não pudesse ser salvo, aniquilar a sua capacidade nuclear.
A França e a Inglaterra não eram vistas como problemas; nunca arriscariam uma guerra nuclear. A índia não tinha ambições, e o Paquistão podia ser instantaneamente eliminado. A China não se atreveria: não dispunha, nem disporia a curto prazo, da capacidade industrial necessária.
O perigo mais imediato vinha de pequenos países como o Iraque, o Irã e a Líbia, que tinham líderes instáveis. Pelo menos, era o que os cenários afirmavam. Nestes casos, a solução encarada era quase unânime. Esses países seriam totalmente aniquilados por um ataque nuclear.
O maior perigo a curto prazo era, porém, a possibilidade de uma organização terrorista financiada e apoiada por uma potência estrangeira introduzir uma arma nuclear nos Estados Unidos e fazê-la deflagrar numa grande cidade. Provavelmente Washington D. C., ou Nova Iorque. Uma situação impossível de evitar. A solução proposta era a criação de grupos-tarefa especializados em contra-espionagem e, como passo seguinte, medidas punitivas absolutamente radicais contra esses terroristas e quem os apoiasse. O que exigiria leis especiais que cortassem os direitos dos cidadãos americanos. Os cenários admitiam a impossibilidade de fazer aprovar essas leis até que alguém conseguisse finalmente mandar pelos ares uma boa parte de uma metrópole americana. Nessa altura, as leis passariam sem a menor dificuldade. Mas até então, como um dos cenários comentava lugubremente, “era uma loteria”.
Poucos cenários previam o uso criminoso de engenhos nucleares. A possibilidade era quase totalmente afastada com base na assunção de que a capacidade técnica, a angariação de materiais e a quantidade de pessoas envolvidas dariam inevitavelmente origem ao aparecimento de informadores. Uma solução proposta era o Supremo Tribunal autorizar a aplicação da pena capital sem julgamento a qualquer grupo criminoso que engendrasse semelhante plano. Mas era uma fantasia, pensou Cilke. Mera especulação. O país teria de esperar até que alguma coisa acontecesse.
Agora, passados anos, Cilke apercebeu-se de que estava a acontecer. Inzio Tulippa queria ter a sua bombazinha nuclear. Estava a levar cientistas americanos para a América do Sul, a construir-lhes laboratórios, a dar-lhes dinheiro para as suas pesquisas. E era Tulippa quem queria ganhar acesso aos bancos de Don Aprile a fim de estabelecer um tesouro de guerra de mil milhões de dólares destinados à compra de equipamento e material. Fôra a conclusão a que chegara graças à sua própria investigação. Que devia fazer agora?
Ia em breve discutir o assunto com o diretor quando da sua próxima visita ao quartel-general do FBI em Washington. Mas duvidava que pudessem resolver o problema. E um homem como Inzio Tulippa nunca desistiria.
Inzio Tulippa chegou aos Estados Unidos para um encontro com Timmona Portella e para tentar fazer avançar a compra dos bancos de Don Aprile. No mesmo dia, o chefe da cosca Corleonesi da Sicília, Michael Grazziella, aterrou em Nova Iorque para organizar com Tulippa e Portella a distribuição de drogas ilegais por todo o mundo. As chegadas de ambos foram muito diferentes.
Tulippa fez-se transportar no seu jato particular, no qual viajaram igualmente cinqüenta acompanhantes e guarda-costas. Todos usavam uma espécie de uniforme: ternos brancos, camisas azuis, gravatas cor-de-rosa e Panamás amarelos na cabeça. Passariam perfeitamente por uma banda de rumba sul-americana. Todos eram portadores de passaportes porto-riquenhos; o de Tulippa, evidentemente, conferia-lhe imunidade diplomática.
Instalaram-se num pequeno hotel particular de que era proprietário em nome do governo do seu país, o cônsul do Peru. E Tulippa não estava interessado em passar despercebido como qualquer obscuro traficante de droga ― Era, ao fim e ao cabo, o Vacinador, e os representantes das maiores empresas americanas rivalizavam em esforços para tornar a sua estada o mais agradável possível.
Assistiu às estreias da Broadway, a um espectáculo de bailado no Lincoln Center, esteve na Metropolitan Opera e em vários concertos dados por famosos artistas sul-americanos. Apareceu inclusivamente em entrevistas na televisão, na sua qualidade de presidente da Confederação Sul-Americana de Trabalhadores Agrícolas, e aproveitou a ocasião para defender o uso de drogas ilegais. Uma dessas entrevistas ― com Charlie Rose, da PBS ― ficou famosa.
Tulippa afirmou que a luta dos Estados Unidos contra o uso de cocaína, heroína e marijuana em todo o mundo era uma vergonhosa forma de Colonialismo. Os agricultores da América do Sul dependiam das plantações de droga para se manterem vivos. Quem poderia censurar um homem que até nos seus sonhos era pobre por comprar algumas horas de alívio consumindo drogas? Era um julgamento desumano. E então o tabaco? E o álcool? Os seus efeitos eram infinitamente mais perniciosos.
Neste ponto, cinqüenta espectadores presentes no estúdio, com os panamás amarelos pousados nos joelhos, irromperam em aplausos. Quando Charle Rose fez um comentário sobre os malefícios das drogas, Tulippa foi particularmente sincero. A sua organização estava a gastar milhões de dólares em investigação científica destinada a modificar as drogas de modo que deixassem de ser nocivas; em suma, passariam a ser vendidas nas farmácias. Os programas seriam geridos por médicos de renome, e não pelos paus-mandados da American Medical Association, que eram todos irracionalmente anti-narcóticos e viviam no pavor da DU. Não, os narcóticos podiam ser a próxima grande bênção da humanidade.
Os cinqüenta panamás amarelos voaram pelos ares.
Michael Grazziella, chefe da cosca Corleonesi, entrou no país sem dar nas vistas, acompanhado apenas por dois guarda-costas. Era um homem pequeno e magro, com a cicatriz de uma navalhada a atravessar-lhe a boca. Caminhava apoiado numa bengala, reminiscência de uma bala que lhe esfacelara o joelho quando ainda não passava de um picciotto de Palermo. Tinha fama de ser diabolicamente astuto, e dizia-se que fora ele quem planeara o assassínio dos dois mais importantes magistrados anti-Máfia da Sicília.
Instalou-se como convidado em casa de Timmona Portella. Não estava preocupado com a sua própria segurança, uma vez que todo o negócio de Portella, na área das drogas, dependia inteiramente dele.
O objetivo do encontro era delinear uma estratégia que lhes permitisse tomar posse dos bancos Aprile, uma medida de importância crucial para a lavagem dos bilhões de dólares gerados pelo tráfico da droga e também para estabelecer uma base de poder no mundo financeiro de Nova Iorque. Para Inzio Tulippa, seria igualmente uma fonte imprescindível de financiamento para o seu arsenal nuclear. Além disso, tornaria mais fácil e seguro o seu papel de Vacinador.
Reuniram-se no consulado peruano, que, além de perfeitamente protegido contra possíveis escutas, garantia a segurança adicional da imunidade diplomática. O cônsul-geral, Marriano Rubio, foi um anfitrião generoso. Uma vez que recebia uma percentagem das receitas de todos eles e encabeçava os seus interesses legítimos nos Estados Unidos, mostrou-se cheio de boa vontade
Sentados à volta da pequena mesa oval, compunham uma cena interessante.
Grazziella parecia um cangalheiro, com o seu terno preto brilhante, camisa branca e gravata preta ― Estava ainda de luto pela mãe, falecida seis meses antes. Falava numa voz baixa, dolorida, com um sotaque muito forte, mas todos o entendiam perfeitamente. Quem o visse diria que era impossível um homem tão tímido e bem-educado ter sido responsável pela morte de mais de cem agentes da polícia sicilianos.