― Mas está disposto a vender? ― perguntou Tulippa.
― Certamente ― respondeu Valerius. ― Quero lavar as mãos de tudo isto.
Portella começou a falar, mas Rubio interrompeu-o:
― Marcantonio, o que acha da oferta? Agrada-lhe?
― Estou com o Val ― respondeu Marcantonio, num tom de resignação. ― Façamos o negócio definitivo, sem as percentagens. Depois podemos todos dizer adeus e boa sorte.
― Ótimo, podemos fazer o negócio desse modo.
― Mas nesse caso ― interveio Nicole, fria como gelo ―, teria evidentemente de haver um aumento do preço. Estão preparados para isso?
― Nenhum problema ― garantiu Tulippa. E dirigiu-lhe um sorriso deslumbrante.
Só Grazziella parecia preocupado.
― E o nosso querido amigo Astorre Viola? ― perguntou no seu tom delicado. ― Está de acordo?
Astorre teve um risinho embaraçado.
― Sabem uma coisa? Acabei por me afeiçoar a este negócio. E Don Aprile obrigou-me a prometer que nunca venderia. Detesto ter de ir contra a minha família, mas sou forçado a dizer não. E como detenho o controlo das ações votantes...
― Mas os filhos do Don são parte interessada ― interveio o cônsul-geral. ― Podem levar o caso a tribunal.
Astorre riu-se.
― Nunca faríamos semelhante coisa ― afirmou Nicole, secamente.
Valerius sorriu azedamente e Marcantonio pareceu achar a idéia hilariante.
― Para o diabo com isto ― resmungou Portella, e começou a levantar-se para sair.
― Seja paciente ― pediu Astorre, num tom conciliatório. ― Pode ser que eu me farte de ser banqueiro. Podemos voltar a encontrar-nos dentro de uns poucos meses.
― Com certeza ― disse Rubio. ― Mas é possível que não possamos manter o pacote financeiro durante tanto tempo. O preço é bem capaz de descer.
Não houve apertos de mãos quando se separaram.
Depois de os Aprile terem saído com Astorre, Michael Grazziella disse aos seus colegas:
― Está a empatar. Nunca venderá.
Tulippa suspirou:
― Um homem tão simpático. Podíamos ter sido amigos. Talvez devesse convidá-lo para a minha plantação na Costa Rica. Havia de divertir-se como nunca se divertiu em toda a sua vida.
Os outros riram-se. Portella disse, rudemente:
― Esse tipo não vai em luas-de-mel contigo, Inzio. Vou ter de tratar dele aqui mesmo.
― Com mais êxito do que da última vez, espero ― comentou Tulippa.
― Subestimei-o ― admitiu Portella. ― Como é que havia de saber? Um tipo que canta em casamentos? O serviço com o Don foi perfeito. Aí não houve razões de queixa.
― Um trabalho magnífico, Timmona ― interveio o cônsul-geral, com uma calorosa expressão de apreço no belo rosto. ― Temos toda a confiança em ti, mas este novo serviço tem de ser feito com a máxima rapidez possível.
À saída da reunião, os irmãos Aprile e Astorre optaram por um jantar tardio no restaurante Partinico, que tinha salas privadas e era propriedade de um velho amigo do Don.
― Portaram-se todos muito bem ― disse-lhes Astorre. ― Convenceram-nos de que estão contra mim.
― Mas nós estamos contra ti ― replicou Val.
― Por que é que temos de fazer este jogo? ― perguntou Nicole. ― Não me agrada nada.
― Aqueles homens podem estar envolvidos na morte do teu pai respondeu Astorre. ― Não quero que pensem que podem obter alguma vantagem matando um de vocês.
― E estás convencido de que serás capaz de lidar com seja o que for que eles te atirem para cima? ― inquiriu Marcantonio.
― Não, não! ― protestou Astorre. ― Mas posso desaparecer da circulação sem arruinar a minha vida. Que diabo, vou para os montes Dakota. e eles nunca mais me encontram. ― O seu sorriso era tão amplo e convincente que teria enganado qualquer pessoa que não os filhos de Don Aprile ― Ora bem - continuou ―, avisem-me se eles os contatarem diretamente.
― Tive uma porção de telefonemas do detetive Di Benedetto ― informou Valerius.
Astorre ficou surpreendido.
― Por que diabo te telefonou ele?
Valerius sorriu.
― Quando estava na área da informação, recebíamos muito aquilo a que chamávamos telefonemas “o que é que vocês sabem”. Alguém queria dar informações ou ajudar num caso qualquer. Mas o que na realidade pretendia era saber em que ponto estava a nossa própria investigação. Esse tal Di Benedetto telefona-me por uma questão de cortesia, para me manter a par do caso. Entretanto, tenta sacar informações a teu respeito, Astorre. Está muito interessado em ti.
― Isso é muito lisonjeiro ― respondeu Astorre, com um sorriso. Deve ter-me ouvido cantar em qualquer lugar.
― Nem penses ― interveio Marcantonio, secamente. ― Também telefonou pra mim. Diz que tem uma idéia para uma série policial. Há sempre espaço para mais uma série policial na TV, de modo que o encorajei a ir em frente. Mas o material que me mandou é pura trampa. O que o tipo quer é saber o que andamos a fazer.
― Ótimo ― disse Astorre.
― Astorre, queres que eles se concentrem em ti e não em nós? ― perguntou Nicole. ― Isso não será demasiado perigoso? Aquele sujeito, o Grazziella, faz-me arrepios.
― Oh, conheço-o bem ― afirmou Astorre ― É um homem muito razoável. E o teu cônsul-geral é um verdadeiro diplomata; julgo-o perfeitamente capaz de controlar o Tulippa. O único com que tenho de preocupar-me, de momento, é o Portella. O homem é suficientemente estúpido para arranjar sarilhos sérios.
Dissera tudo isto como se estivesse a falar de uma simples questão de negócios.
― Mas quanto tempo é que isto vai durar? ― perguntou Nicole.
―Dêem-me mais uns meses ― pediu Astorre. ― Prometo que até lá estaremos todos de acordo.
Valerius lançou-lhe um olhar de desdém.
― Astorre, sempre foste um otimista. Se fosses um oficial de informações sob o meu comando, transferia-te para a infantaria só para te sacudir.
Não foi um jantar feliz. Nicole não tirava os olhos de Astorre, como se estivesse a tentar adivinhar algum segredo. Valerius não tinha obviamente a mínima confiança no primo e Marcantonio mostrava-se reservado. Por fim, Astorre ergueu o seu copo de vinho e declarou, jovialmente:
― Vocês são um grupo sombrio que se farta, mas eu não me importo. Vou divertir-me à grande. Ao vosso pai.
― Ao grande Don Aprile ― brindou Nicole, irônica.
Astorre sorriu-lhe e disse: ― Sim, ao grande Don.
Astorre montava a cavalo sempre ao fim da tarde. Descontraía-o, abria o apetite para o jantar. Se acaso andava a cortejar uma mulher, fazia os seus passeios com ela. Se a mulher não sabia montar, dava-lhe lições. E se ela não gostava de cavalos, nunca mais a procurava.
Mandara abrir na sua propriedade um trilho especial que atravessava o bosque. Gostava de ouvir o chilrear das aves, o restolhar dos pequenos animais, de avistar, de longe em longe, um veado. Mas, acima de tudo, gostava de vestir-se para montar. O casaco vermelho, as botas castanhas, o pingalim de couro que nunca usava, o chapéu de caça de camurça preta. Sorria a si mesmo no espelho, imaginando-se um lorde inglês no seu solar.
Dirigiu-se às cavalariças, onde mantinha seis cavalos, e ficou contente ao verificar que o tratador, Aldo Monza, já preparara um dos garanhões. Montou e seguiu a trote curto para o trilho da floresta. Pouco depois, galopava sob o dossel de folhas vermelhas e douradas que opunham uma cortina rendada à luz do Sol poente. Só alguns finos raios de luz chegavam ao chão. Os cascos do cavalo levantavam as folhas, espalhando no ar o seu cheiro a húmus. Viu o fragrante monte de estrume e fez a montada saltar-lhe por cima. Depois, meteu por uma bifurcação no trilho, que lhe daria um caminho diferente para regressar a casa. Os feixes de luz dourada desapareceram.