Puxou as rédeas. Nesse instante, surgiram dois homens à sua frente. Vestiam as roupas largas dos trabalhadores agrícolas. Mas usavam máscaras e tinham nas mãos objetos que refletiam um brilho metálico. Astorre esporeou o cavalo e deitou-se para a frente, colando a cabeça ao pescoço do animal. A floresta encheu-se com os clarões e o estrondo dos disparos. Os dois homens estavam muito perto, e Astorre sentiu as balas atingirem-no no flanco e nas costas. O cavalo assustou-se e partiu à desfilada, enquanto Astorre concentrava todos os seus esforços em manter-se no selim. Galopou pelo trilho, e então apareceram dois outros homens. Não tinham máscaras nem estavam armados. Astorre perdeu a consciência e deslizou do cavalo para os braços deles.
Uma hora mais tarde, Kurt Cilke recebeu o relatório da equipe de vigilância que salvara Astorre Viola. O que realmente o surpreendeu foi o fato de, por baixo da sua extravagante indumentária, ele usar um colete à prova de bala que lhe cobria o tronco até às coxas. E não se tratava de um vulgar Kevlar, mas de uma peça especialmente feita por medida. Por que raio haveria um tipo como Astorre de usar uma proteção daquelas? Um importador de macaron, um cantor de baladas, um cavaleiro excêntrico. O impacto dos projéteis atordoara-o, claro, mas as balas não tinham atravessado o colete. Já tivera alta do hospital.
Cilke começou a redigir um memorando a pedir uma investigação à vida de Astorre desde a infância. O homem podia ser a chave de todo aquele enigma. Mas de uma coisa tinha a certeza: sabia quem tentara assassinar Astorre Viola.
Astorre encontrou-se com os primos em casa de Valerius. Falou-lhes do ataque de que fôra vítima.
― Pedi a vossa ajuda ― disse. ― Vocês recusaram e eu compreendi. Mas agora penso que devem reconsiderar. Há aqui uma ameaça para todos vós. Penso que podíamos resolver o assunto vendendo os bancos. Seria o tipo de situação em que se ganha sempre. Toda a gente consegue aquilo que quer. Ou podemos ir para uma situação de ganhar-ou-perder. Conservamos os bancos e enfrentamos e destruímos os nossos inimigos, sejam eles quem forem. Claro que há também a situação em que se perde sempre... e é nessa que temos de ter o cuidado de não cair... em que enfrentamos os nossos inimigos mas no fim o governo trama-nos da mesma maneira.
― Uma escolha fácil ― declarou Valerius. ― Vendemos os bancos.
― Não somos sicilianos ― disse Marcantonio. ― Não queremos deitar tudo a perder por causa de uma vingança.
― Se vendermos os bancos, atiramos pela janela fora o nosso futuro ― interveio Nicole, calmamente. ― Marcantonio, um dia há de querer ter a própria rede de televisão. E tu, Val, se souberes usar bem o teu dinheiro, podes chegar a embaixador ou a secretário da Defesa. Quanto a ti, Astorre, podes vir a cantar com os Rolling Stones. ― Sorriu-lhe. Oh, talvez esteja a exagerar um pouco. ― E então, mudando de tom Deixemo-nos de brincadeiras. Será que matar o nosso pai nada significa para nós? Ainda os recompensamos por o terem assassinado? Penso que devíamos ajudar o Astorre o mais que pudermos.
― Compreendes o que estás a dizer? ― perguntou Valerius.
― Sim ― respondeu Nicole, simplesmente.
― O vosso pai ensinou-me que não podemos deixar os outros imporem-nos a sua vontade, ou a vida não merece ser vivida ― disse Astorre, com uma voz carregada de persuasão. ― Val, a guerra é isso mesmo, não é?
― A guerra é uma situação em que todos perdem ― interrompeu-o Nicole, secamente.
Valerius irritou-se.
― Digam os liberais o que disserem, a guerra é uma situação de ganhar-ou-perder. E quem ganha fica muito melhor. Perder é um horror impensável.
― O vosso pai tinha um passado ― continuou Astorre. ― Chegou o momento em que todos nós temos de enfrentá-lo. Por isso torno a pedir a vossa ajuda. Lembrem-se, recebi ordens do vosso pai, e a minha missão é proteger a família, o que significa não vender os bancos.
― Terei informações para ti dentro de um mês ― disse Valerius.
Marc? ― perguntou Astorre.
― Vou começar imediatamente a trabalhar no programa. Digamos dois, três meses ― respondeu Marcantonio.
Astorre voltou-se para a prima.
― Nicole, já acabaste de analisar o processo do FBI sobre o teu pai?
― Ainda não. ― Parecia perturbada. ― Não seria melhor pedir a ajuda do Cilke em toda esta trapalhada?
Astorre sorriu.
― O Cilke é um dos meus suspeitos ― disse. ― Quando dispuser de toda a informação, decidiremos o que fazer.
Um mês mais tarde, Valerius conseguira diversas informações, tão inesperadas como úteis. Através dos seus contatos na CIA, ficara a saber a verdade sobre Inzio Tulippa. Tinha contatos na Sicília, na Turquia, na índia, no Paquistão, na Colômbia e noutros países da América Latina. Estava inclusivamente relacionado com os Corleonesi da Sicília, sendo mais do que seu igual.
Segundo Valerius, era Tulippa quem financiava diversos laboratórios de investigação nuclear situados na América do Sul. O mesmo Tulippa que procurava desesperadamente estabelecer uma gigantesca base financeira nos Estados Unidos para comprar equipamento e material. Que, nos seus sonhos de grandeza, queria possuir uma terrível arma de defesa contra as autoridades se as coisas chegassem ao pior. De onde se seguia que Timmona Portella não passava de um testa-de-ferro de Inzio Tulippa. Astorre ficou satisfeito com as notícias. Era mais um jogador no jogo, mais uma frente em que teria de bater-se.
― O que o Tulippa planeia é possível? ― perguntou.
― Pelo menos, ele pensa que sim ― respondeu Valerius. ― E tem a proteção dos governos dos países onde montou os laboratórios.
― Obrigado, Val ― disse Astorre, dando uma amistosa palmada no ombro do primo.
― Pois sim ― resmungou Valerius. ― Mas não contes com mais ajuda da minha parte.
A equipe de jornalistas da estação precisou de seis semanas para traçar um perfil completo de Kurt Cilke. Marcantonio entregou ao primo o gordo dossiê. Astorre conservou-o em seu poder durante vinte e quatro horas, e depois devolveu-o.
Só Nicole o preocupava. Recebera dela uma cópia do processo do FBI sobre Don Aprile, mas toda uma seção tinha sido completamente obliterada. Quando a interrogara a este respeito, ela respondera:
― Foi assim que mo entregaram.
Astorre estudara cuidadosamente o documento. A parte obliterada parecia referir-se à época em que ele tinha apenas dois anos
― Não faz mal ― dissera. ― Foi há demasiado tempo para ser importante.
Astorre preparou-se para agir. Tinha agora informações suficientes para começar a sua guerra.
Nicole deixara-se fascinar por Marriano Rubio e pelas suas atenções. Nunca recuperara verdadeiramente da traição de Astorre quando eram ambos adolescentes e ele optara por obedecer ao tio. Embora tivesse tido um ou outro caso pouco importante com indivíduos poderosos, sabia que os homens conspirariam sempre contra as mulheres.
Rubio parecia, porém, ser a exceção. Nunca se zangava quando os problemas profissionais dela interferiam com os seus planos para estarem juntos. Compreendia que, para ela, a carreira estivesse em primeiro lugar. E nunca se permitia essa ridícula e insultuosa emoção de tantos homens que pensam que o ciúme é uma prova da sinceridade do seu amor.