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Num dos cursos de representação, conheceu uma rapariga da sua idade, Rosie Connor. Era extremamente bonita, como esse ar de inocência que arrasa completamente os jovens e é irresistivelmente provocador para os homens mais velhos. Era, além disso, muito talentosa, e desempenhava sempre os principais papéis nas várias peças montadas pela turma. Astorre, em contrapartida, via-se invariavelmente relegado para os papéis secundários. Era muito bem-parecido, e tudo isso, mas havia qualquer coisa na sua personalidade que o impedia de partilhar-se com um público. Rosie não tinha esse problema. Era como se convidasse todos e cada um dos membros do público a seduzi-la.

Também tinham lições de canto, e Rosie admirava a voz de Astorre. Tornou-se no entanto evidente que o professor não partilhava este entusiasmo; na realidade, aconselhou-o a abandonar o curso. Além de a sua voz não ser mais do que simplesmente agradável, não tinha, e isso é que era verdadeiramente grave, a mínima compreensão musical.

Ao cabo de apenas duas semanas, Astorre e Rosie tornaram-se amantes. A iniciativa partira mais dela do que dele, embora por essa altura estivesse loucamente apaixonado ― tão loucamente apaixonado como se pode estar quando se tem dezesseis anos. Quase esqueceu completamente Nicole. Rosie parecia mais divertida do que apaixonada. Mas era tão vibrantemente viva, adorava-o quando estava com ele e era sempre generosa de todas as maneiras. Uma semana depois de se terem tornado amantes, comprou-lhe um presente caríssimo: um casaco de montar vermelho, um chapéu de caça preto e um pinguim de couro. Ofereceu-lhe tudo aquilo como uma espécie de brincadeira.

Como todos os jovens apaixonados fazem, contaram um ao outro a história das suas vidas. Rosie disse-lhe que os pais tinham um enorme rancho no Dakota do Sul e que passara a infância numa horrorosa cidadezinha das Planícies. Conseguira finalmente escapar dizendo que queria ir estudar teatro para Inglaterra. Em todo o caso, a sua meninice não fora uma perda total. Aprendera a montar, a caçar, a esquiar, e no liceu fora uma estrela tanto no grupo de teatro como na equipe de tênis.

Astorre abriu-lhe o coração. Disse-lhe como ansiava ser cantor, como adorava o estilo de vida inglês, com as suas velhas estruturas medievais, o seu fausto real, os seus jogos de pólo e as suas caçadas à raposa. Mas nunca lhe falou do tio, Don Raymonde Aprille, nem das suas visitas à Sicília. quando criança.

Ela obrigou-o a vestir a indumentária de caça, e depois despiu-o.

― És tão bonito ― disse. ― Talvez tenhas sido um lorde inglês, numa outra vida.

Era esta a única parte dela que o deixava pouco à-vontade. Rosie acreditava piamente na reencarnação. Mas então faziam amor, e ele esquecia tudo o mais. Parecia-lhe que nunca tinha sido tão feliz, exceto na Sicília.

No final desse ano, porém, o Sr. Pryor chamou-o ao seu gabinete e tinha algumas más notícias. Usava umas calças largas e uma camisola de malha de camponês, e cobria a cabeça com um boné de pala axadrezado cuja sombra lhe escondia os olhos.

― Tens aproveitado a tua estada conosco ― disse a Astorre. ― A minha mulher adora ouvir-te cantar, mas agora, infelizmente, temos de despedir-nos. Don Raymonde enviou ordens. Irás para a Sicília viver com o seu bom amigo Bianco. Há certas coisas que precisas de aprender. Quer que cresças como um siciliano. Sabes o que isso significa.

Astorre ficou chocado pelas notícias, mas nem por um instante lhe passou pela cabeça a possibilidade de desobedecer. E embora ansiasse rever a Sicília, não suportava a idéia de não voltar a ver Rosie.

― Se vier a Londres uma vez por mês, posso ficar em sua casa? ― perguntou.

― Sentir-me-ia insultado se não ficasses ― respondeu o Sr. Pryor. ― Mas por que razão?

Astorre explicou-lhe a respeito de Rosie, falou-lhe do seu amor por ela. ― Ah! ― exclamou o Sr. Pryor, com um suspiro de prazer. - Que felicidade a tua, seres separado da mulher que amas. Um verdadeiro êxtase. E essa pobre rapariga, como vai sofrer. Mas não te preocupes. Deixa-me o nome e a morada, para que eu possa velar por ela.

Astorre e Rosie despediram-se num mar de lágrimas. Ele prometeu ir a Londres todos os meses para estar com ela. Ela jurou que nunca mais olharia para outro homem. Foi uma separação deliciosa. Astorre preocupar-se-ia por causa dela. A sua beleza, a sua alegria, o seu sorriso convidavam inevitavelmente à sedução. Todas as qualidades que o faziam amá-la eram precisamente o perigo. Vira-o vezes sem conta, como acontece a todos os amantes, convencido de que todos os homens do mundo deviam desejar a mulher que amava, de que também eles deviam sentir-se atraídos pela sua beleza. pela sua graça, pela sua vivacidade.

No dia seguinte, Astorre estava a bordo de um avião a caminho de Palermo. Bianco foi buscá-lo ao aeroporto, mas um Bianco radicalmente modificado. O gigantesco indivíduo usava agora um terno de seda feito por medida e um chapéu branco de aba larga. Vestia de acordo com a sua posição, pois a sua cosca controlava a maior parte da indústria de construção civil numa Palermo ainda devastada pela guerra. Tinha de pagar a todos os funcionários municipais da cidade, e aos dos ministérios de Roma, e de defender o seu território contra as coscas rivais, como a poderosa Corleonesi.

Octavius Bianco abraçou Astorre, recordou o rapto, tantos anos antes, e comunicou-lhe as instruções de Don Raymonde. Iria ser treinado como seu guarda-costas e seu discípulo na arte dos negócios. Isto demoraria pelo menos cinco anos, mas, ao fim desse tempo, Astorre seria um verdadeiro siciliano, e portanto digno da confiança do tio. Para já, tinha uma grande vantagem iniciaclass="underline" graças às suas visitas quando criança, falava o dialeto siciliano como um nativo.

Bianco vivia numa enorme Villa nos arredores de Palermo, com um enxame de criados e um exército de guardas. Graças à sua riqueza e poder, estava intimamente ligado à alta sociedade local.

Durante o dia, Astorre treinava tiro e o manejo de explosivos, e aprendia a usar a corda. À noite, Bianco levava-o a casa de amigos ou aos bares. Por vezes, iam a bailes da sociedade, onde Bianco era o ai-jesus das viúvas ricas e Astorre cantava doces canções de amor para as respectivas filhas.

O que mais espantava Astorre era o descarado suborno das mais altas entidades de Roma.

Certo domingo, o ministro da reconstrução apareceu para visitar Bianco, e com a maior das calmas, sem o menor rebuço, aceitou uma mala cheia de notas, agradecendo efusivamente. Explicou, quase como que a pedir desculpa, que metade daquele dinheiro tinha de ir para o primeiro-ministro em pessoa. Mais tarde, quando se encontravam sozinhos, Astorre perguntou a Bianco se aquilo era possível.

Bianco encolheu os ombros.

― Metade não, mas espero que pelo menos uma parte. É uma honra dar a Sua Excelência algum dinheiro para os seus gastos pessoais.

Durante o ano que se seguiu, Astorre visitou Rosie em Londres, ficando apenas um dia e uma noite de cada vez. Eram para eles noites de verdadeira delícia.

Foi também nesse ano que teve o seu batismo de fogo. Combinou-se uma trégua entre Bianco e a cosca Corleonesi. O chefe dos Corleonesi era um homem chamado Tosci Limona. Pequeno, constantemente sacudido por terríveis ataques de tosse, Limona tinha um perfil estranhamente adunco e olhos profundamente encovados nas órbitas. Até Bianco admitia ter medo dele.

O encontro entre os dois chefes iria decorrer em terreno neutro e na presença de um dos mais altos magistrados da Sicília.

Este juiz, conhecido como o Leão de Palermo orgulhava-se de ser absolutamente corrupto. Reduzia as sentenças dos membros da Máfia condenados por assassínio e opunha-se por todos os meios ao avanço das investigações. Não fazia segredo da sua amizade com a cosca Corleonesi e com a de Bianco. Tinha uma enorme propriedade e quinze quilômetros de Palermo e era para lá que o encontro estava marcado, com o objetivo de garantir que não haveria violência.