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Os dois chefes foram autorizados a levar quatro guarda-costas cada. Além disso, pagaram a meias os honorários do Leão por ter arranjado e ir presidir ao encontro, além, naturalmente, de alugar a sua própria casa.

Com a grande juba de cabelos brancos que quase lhe escondia o rosto, O Leão era a imagem perfeita da mais respeitável jurisprudência.

Astorre chefiava o grupo de guarda-costas de Bianco, e ficou impressionado pelas demonstrações de amizade entre os dois chefes de cosca. Limona e Bianco abraçaram-se, beijaram-se nas faces e trocaram calorosos apertos de mão. Riram-se e conversaram intimamente um com o outro durante o luxuoso jantar com que o Leão os presenteou.

Por isso foi enorme a sua surpresa quando, terminado o repasto, ele e Bianco ficaram a sós, e Bianco lhe disse:

― Temos de ter muito cuidado. Esse filho-da-puta do Limona quer matar-nos a todos.

E tinha razão.

Uma semana mais tarde, um inspetor da polícia a soldo de Bianco foi morto a tiro quando saía da casa da amante. Passadas duas semanas, um dos pilares da sociedade de Palermo, um sócio de Bianco no negócio da construção civil, foi abatido por um grupo de mascarados que lhe invadiram a casa e o crivaram de balas.

Bianco respondeu aumentando o número de guarda-costas e mandando examinar com o mais meticuloso cuidado qualquer veículo em que tivesse de deslocar-se. Os Corleonesi eram famosos pela sua perícia com explosivos. Por isso Bianco nunca se afastava muito da Villa.

Chegou, porém, o dia em que teve de ir a Palermo pagar a dois altos funcionários municipais, e resolveu então jantar no seu restaurante preferido. Escolheu um Mercedes e o seu melhor motorista-guarda-costas. Astorre tomou lugar no banco traseiro, a seu lado. Eram precedidos por um carro e seguidos por outro, ambos com dois homens armados, além dos condutores.

Percorriam uma larga, avenida quando, subitamente, dois homens numa moto surgiram de uma rua transversal. O “pendura” empunhava uma Kalashnikov e começou a disparar contra o Mercedes. Mas nessa altura já Astorre tinha empurrado Bianco para o chão e respondia ao fogo enquanto os dois atacantes passavam por eles a toda a velocidade. A moto meteu por outra rua transversal e desapareceu.

Três semanas mais tarde, a coberto da noite, cinco homens foram capturados, levados para a Villa de Bianco, amarrados e encerrados na cave.

― São Corleonesi ― disse Bianco a Astorre. ― Vem comigo à cave.

Os homens estavam amarrados ao velho estilo camponês de Bianco, com os membros entrelaçados. Vários guardas vigiavam-nos. Bianco pegou na espingarda de um dos guardas e, sem dizer uma palavra, matou todos os cinco com um tiro na cabeça.

― Larguem-nos nas ruas de Palermo ― ordenou. Voltou-se então para Astorre e disse. ― Depois de teres decidido matar um homem, nunca fales com ele. Torna a situação embaraçosa para ambos.

― Eram os motociclistas? ― perguntou Astorre.

― Não ― respondeu Bianco. ― Mas servem.

E serviram. A partir desse momento, reinou a paz entre a cosca de Palermo e a de Corleone.

Havia quase dois meses que Astorre não ia a Londres ver Rosie. Certa Manhã, muito cedo, recebeu um telefonema dela. Tinha-lhe dado o número, para ser usado em caso de emergência ― Astorre ― disse ela, com uma voz muito calma ―, podes vir imediatamente? Estou metida num terrível sarilho.

― Diz-me o que se passa ― pediu Astorre.

― Não posso, pelo telefone ― respondeu Rosie. ― Mas se realmente me amas, virás.

Quando Astorre pediu a Bianco autorização para ausentar-se, este disse-lhe: ― Traz dinheiro.

E entregou-lhe um enorme maço de libras inglesas.

Quando Astorre chegou ao apartamento, ela deixou-o entrar e fechou rapidamente a porta.

Estava mortalmente pálida, embrulhada num felpudo roupão que ele nunca lhe tinha visto. Rosie beijou-o e disse, com uma voz muito triste: ― Vais zangar-te comigo.

Nesse momento, Astorre pensou que ela estava grávida, e declarou imediatamente: ― Querida, nunca poderei zangar-me contigo.

Ela abraçou-o com muita força.

― Foste-te embora há mais de um ano, sabes? Tentei ser fiel. Mas tanto tempo...

Subitamente, o espírito de Astorre ficou claro, gelidamente claro. Havia ali traição, mais uma vez. Mas havia também mais qualquer coisa. Por que lhe pedira ela para vir tão depressa?

―K, ― disse. ― Porque é que estou aqui?

― Tens de ajudar-me ― disse Rosie, e levou-o até ao quarto.

Havia qualquer coisa em cima da cama. Astorre puxou o lençol e viu um homem de meia-idade, deitado de costas, completamente nu, mas apesar disso com um aspecto digno. O que se devia em parte à pequena barbicha prateada, ou talvez às feições finamente cinzeladas. O corpo era seco e esguio, com uma densa mata de pêlos no peito; o mais estranho de tudo eram os óculos de aros de ouro por cima dos olhos abertos. Apesar de a cabeça ser um pouco demasiado grande para o corpo, era um homem bem-parecido. Estava o mais morto que se pode estar, embora não houvesse ferimentos visíveis. Tinha os óculos descaídos para um lado, e Astorre estendeu a mão para lhos endireitar.

― Estávamos a fazer amor e ele teve um espasmo horrível ― murmurou Rosie. ― Acho que foi um ataque de coração.

― Quando foi que isto aconteceu? ― perguntou Astorre. Estava num ligeiro estado de choque.

― À noite passada ― disse Rosie.

― Por que não chamaste uma ambulância? A culpa não foi tua.

― É casado, e talvez a culpa tenha sido minha. Usamos nitrato de amilo. Ele tinha dificuldade em acabar ― explicou Rosie, sem a mais pequena sombra de embaraço.

Astorre estava verdadeiramente espantado com o autodomínio dela. Olhando para o corpo, teve a estranha sensação de que devia vestir o homem e tirar-lhe os óculos. Era demasiado velho para estar nu ― pelo menos cinqüenta anos ― e aquilo não lhe parecia bem.

― O que foi que viste neste tipo? ― perguntou a Rosie, sem malícia mas com a incredulidade dos muito jovens.

― Era meu professor de História ― respondeu ela. ― Muito simpático, muito gentil. Foi um daqueles impulsos do momento. Era só a segunda vez. Sentia-me tão só. ― Interrompeu-se por um instante e então, olhando-o diretamente nos olhos, acrescentou ―: Tens de ajudar-me.

― Alguém sabia que andavas com ele?

― Não.

― Continuo a pensar que devíamos chamar a polícia.

― Não ― respondeu Rosie. ― Se tens medo, trato eu disto sozinha.

― Veste-te ― disse-lhe Astorre, com uma expressão dura. E puxou o lençol para cobrir o corpo.

Uma hora mais tarde, estavam em casa do Sr. Pryor; foi ele próprio quem lhes abriu a porta. Sem uma palavra, levou-os para o escritório e ouviu a história que tinham para contar. Foi muito simpático para Rosie, dando-lhe palmadinhas na mão para a confortar, o que a levou a desfazer-se em lágrimas. O Sr. Pryor pegou no chapéu e pigarreou, emocionado, antes de dizer, dirigindo-se a Rosie:

― Dê-me a chave do seu apartamento. Fique aqui esta noite. Amanhã poderá regressar a casa e estará tudo em ordem. O seu amigo terá desaparecido. Depois continuará em Londres mais uma semana antes de regressar à América.