Acompanhou-os até ao antigo quarto de Astorre, como que assumindo que nada acontecera que lhes estragasse o romance, e saiu para tratar do assunto.
Astorre sempre recordaria aquela noite. Ficou deitado na cama ao lado de Rosie, confortando-a, limpando-lhe as lágrimas.
― Era só a segunda vez ― murmurava ela. ― Não significava nada, e nós éramos tão amigos. Tinha saudades tuas. Admirava a inteligência dele, e então uma noite aconteceu. Ele não era capaz de acabar e, detesto dizer isto, nem sequer era capaz de manter uma ereção. Por isso pediu para usar o nitrato.
Parecia tão vulnerável, tão magoada, tão desfeita pela sua tragédia que Astorre fazia tudo o que podia para consolá-la. Uma coisa, porém estava a intrigá-lo. Rosie ficara em casa sozinha com um cadáver durante vinte e quatro horas até ele chegar. Era um mistério. E onde havia um mistério, podia haver outros. Continuou, no entanto, a limpar-lhe as lágrimas e a beijar-lhe as faces, para consolá-la.
― Alguma vez voltarás a querer ver-me? ― perguntou ela, enterrando o rosto no ombro dele e fazendo-o sentir a macieza do seu corpo.
― Claro que vou ― respondeu Astorre. Mas, no segredo do seu coração, não tinha tanto a certeza.
Na manhã seguinte, o Sr. Pryor reapareceu e disse a Rosie que podia regressar a casa. Rosie deu-lhe um grande abraço de gratidão, que ele aceitou calorosamente. Tinha um carro à espera dela. Depois de Rosie ter partido, o Sr. Pryor, muito correto de coco e chapéu-de-chuva, levou Astorre ao aeroporto.
― Não te preocupes com ela ― disse. ― Nós tratamos de tudo.
― Diga-me qualquer coisa - pediu Astorre.
― Fica descansado. Ela é uma rapariga maravilhosa, uma verdadeira mafiosa. Deves perdoar-lhe esta pequena falta.
Capítulo 8
Durante os anos que passou na Sicília, Astorre foi treinado para se tornar um Homem Qualificado. Chefiou inclusivamente um grupo de seis homens da cosca de Bianco numa incursão a Corleone para executar o seu primeiro “bombardeiro”, um homem que fizera ir pelos ares um general do Exército italiano e dois dos mais capazes juízes anti-Máfia da Sicília Uma ação audaciosa, que firmou a sua reputação entre os escalões superiores da cosca de Palermo liderada por Bianco.
Além disso, fazia uma vida social ativa, freqüentando os cafés e os clubes noturnos da cidade ― sobretudo para conhecer mulheres bonitas. Palermo estava cheia de jovens picciotti ― os soldados da Máfia, todos muito ciosos da sua virilidade, todos muito decididos a fazer boa figura com os seus ternos cortados por medida, as suas unhas arranjadas e os cabelos penteados para trás e colados ao crânio como uma pele, à custa de brilhantina. Todos desejosos de deixarem a sua marca ― de serem temidos ou amados. Os mais jovens não passavam de adolescentes, ostentando finos bigodes meticulosamente cuidados e lábios vermelhos como coral. Nunca cediam um milímetro a qualquer outro homem, e Astorre evitava-os. Totalmente imprevisíveis, matavam até os de mais alta condição no seu mundo, garantindo deste modo a sua própria eliminação quase imediata. Porque matar um companheiro da Máfia era, como seduzir-lhe a mulher, um crime punível com a morte. Para lhes satisfazer o orgulho, Astorre mostrava sempre a estes picciotti uma amável deferência. E gozava de uma certa popularidade entre eles. O fato de se ter semi-apaixonado por uma dançarina de clube noturno chamada Buji ajudou bastante, evitando-lhe más vontades em questões de coração.
Astorre foi durante vários anos o braço direito de Bianco contra a cosca Corleonesi. Periodicamente, recebia instruções de Don Aprile, que deixara de fazer as suas visitas anuais à Sicília.
O grande ponto de discórdia entre a cosca Corleonesi e a de Bianco era uma questão de estratégia a longo prazo. Os Corleonesi tinham optado por um reinado de terror contra as autoridades. Assassinavam magistrados e mandavam pelos ares os generais enviados para eliminar a Máfia na Sicília. Bianco estava convencido de que esta atitude acabaria por vir a revelar-se prejudicial a longo prazo, embora pudesse trazer algumas vantagens no imediato. Estas objeções levaram, porém, a que algum dos seus próprios amigos fossem assassinados. Bianco retaliou, e a carnificina foi tal que ambos os lados voltaram a procurar uma trégua.
Durante os seus anos na Sicília, Astorre fez um único amigo íntimo. Nello Sparra era cinco anos mais velho do que ele e tocava com um conjunto num clube de Palermo onde as “hospedeiras” eram muito bonitas e algumas trabalhavam como prostitutas de alto nível.
Nello nunca tinha falta de dinheiro ― aparentemente, dispunha de várias fontes de rendimento. Vestia elegantemente, ao estilo mafioso de Palermo. Estava sempre bem-disposto e pronto para uma aventura, e as raparigas do clube adoravam-no porque ele lhes dava pequenos presentes quando faziam anos e nas Festas. E também por suspeitarem que era um dos proprietários secretos do clube, um excelente lugar para se trabalhar graças à rigorosa proteção da cosca de Palermo, que controlava todos os locais de diversão da província. Por isso era com grande prazer que acompanhavam Nello e Astorre a festas particulares ou nas suas excursões ao campo.
Buji era uma morena alta, invulgarmente bonita e voluptuosa, que trabalhava no clube de Nello Sparra. Era famosa pelo seu temperamento explosivo e pela independência com que aceitava ou rejeitava amantes. Nunca encorajava um picciotti. Os homens que a cortejavam tinham de ter dinheiro e poder. Tinha fama de ser mercenária de uma forma franca e aberta que era considerada Mafiosa. Exigia presentes caros, mas a sua beleza e ardor tornavam os homens mais ricos de Palermo desejosos de lhe satisfazerem as necessidades.
Ao longo dos anos, Astorre e Buji criaram uma relação perigosamente próxima do verdadeiro amor. Buji preferia-o a todos os outros, embora não hesitasse em deixá-lo para ir passar um fim-de-semana particularmente lucrativo com um qualquer rico comerciante de Palermo. Da primeira vez que o fez, ele tentou recriminá-la, mas ela esmagou-o com uma dose maciça de senso comum.
― Tenho vinte e um anos ― disse. ― A minha beleza é o meu capital. Quando tiver trinta, posso ser uma dona de casa financeiramente independente com um monte de filhos e uma pequena loja. Claro que passamos uns bons momentos, mas tu hás-de regressar à América, para onde eu não tenho a mínima intenção de ir... e para onde tu não tens a menor intenção de me levar. Limitemo-nos a divertir-nos como dois seres humanos livres. Seja como for, hás de ter o melhor de mim antes que eu me farte de ti. Portanto, deixa-te de disparates. Tenho de cuidar da minha própria vida. ― E acrescentou, ironicamente. ― Além disso, dedicas-te a um ramo de atividade demasiado perigoso para que eu possa contar contigo.
Nello tinha uma enorme Villa fora de Palermo, junto à costa. Com dez quartos, acomodava facilmente as festas dos dois amigos. No exterior, havia uma piscina com a forma da Sicília e dois courts de ténis de terra que raramente eram usados.
Aos fins-de-semana, a casa era invadida pelos inúmeros familiares de Nello, que vinham da província visitá-lo. As crianças menores que não sabiam nadar eram “fechadas” nos courts com os seus brinquedos, velhas raquetas e montes de bolas de tênis, que jogavam ao pontapé como se fossem de futebol, até ficarem tão sujas de terra que pareciam pequenas avezinhas amarelas.
Astorre foi incluído nesta vida familiar e aceito como um sobrinho muito querido. Nello tornou-se como um irmão para ele. À noite, chegava a convidá-lo para o pequeno estrado onde a banda tocava e cantavam os dois baladas de amor sicilianas que enterneciam as empregadas e que o público aplaudia entusiasticamente.