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O Leão de Palermo, esse juiz tão eminentemente corruptível, voltou a oferecer a sua casa e os seus préstimos para novo encontro entre Bianco e Limona. Mais uma vez, foram ambos autorizados a levar quatro guarda-costas. Bianco estava inclusivamente disposto a abrir mão de uma pequena parte do seu império de construção civil em Palermo para assegurar a paz.

Astorre não quis correr riscos. Ele e os três guardas compareceram à reunião fortemente armados.

Limona e o seu séquito esperavam em casa do magistrado quando Bianco, Astorre e os guardas chegaram. Fôra preparado um luxuoso jantar. Nenhum dos guardas se sentou à mesa da refeição. Só o juiz ― com a sua “juba” branca presa por uma fita cor-de-rosa ―, Bianco e Limona.

Este comeu muito pouco, mas mostrou-se extremamente amável e receptivo às expressões de afeto de Bianco. Prometeu que não haveria mais assassínios de funcionários do governo, especialmente dos que estavam a soldo de Bianco.

Terminado o jantar, quando se preparavam para passar à sala de fumo Para acertar os últimos pormenores, o Leão pediu que o desculpassem por alguns instantes. Estaria de volta dentro de cinco minutos, disse, com o sorriso embaraçado de quem dava a entender que tinha de responder a um apelo da natureza.

Limona abriu uma nova garrafa de vinho e encheu o copo de Bianco. Astorre aproximou-se da janela e olhou para o espaçoso pátio fronteiro à casa. Só ali estava estacionado um carro e, nesse instante, a alva cabeça do Leão de Palermo surgiu à vista. O magistrado entrou no carro, que se afastou velozmente.

Astorre não teve a mais pequena hesitação. O seu cérebro reuniu instantaneamente as peças daquele quebra-cabeças. Já empunhara a arma ainda antes de acabar de pensar. Limona e Bianco tinham os braços entrelaçados, bebendo cada um pelo seu copo. Astorre deu dois passos em frente, levantou a arma e disparou. A bala atravessou o copo antes de entrar na boca de Limona, e lascas de vidro espalharam-se como diamantes sobre o tampo da mesa. No mesmo instante, Astorre voltou a arma para os guarda-costas de Limona e continuou a disparar. Os seus próprios homens imitaram-no uma fração de segundo mais tarde. Os corpos tombaram no chão.

Bianco olhou para ele, estupefato.

― O Leão foi-se embora ― disse Astorre, e Bianco compreendeu imediatamente que se tratara de uma armadilha.

― Tem muito cuidado ― aconselhou, apontando para o corpo ensangüentado de Limona. ― Os amigos dele vão andar atrás de ti.

É possível a um homem teimoso ser leal, mas já não lhe é tão fácil manter-se afastado de sarilhos. Foi o que aconteceu a Pietro Fissolini. Depois do excepcional gesto de misericórdia de Don Raymonde Aprile para com ele, Fissolini nunca traiu o Dom mas traiu a própria família. Seduziu a mulher do seu sobrinho Aldo Monza. Isto muito tempo depois da sua promessa ao Dom quando tinha já sessenta anos.

Foi um gesto de perfeita loucura. Ao seduzir a mulher do sobrinho, Fissolini destruiu a sua liderança da cosca. Porque na estrutura compartimentada da Máfia, para manter o poder, um homem tem de pôr a família acima de tudo. E depois, havia um pormenor que tornava a situação dez vezes mais explosiva: a esposa seduzida era sobrinha de Bianco, e Bianco nunca toleraria que o marido exercesse sobre ela o seu direito de vingança. Aldo tinha inevitavelmente de matar Fissolini, o seu tio preferido e chefe da cosca. Duas províncias iam envolver-se numa guerra sangrenta, haveria centenas de mortos. Astorre mandou recado ao Dom pedindo instruções.

A resposta que recebeu foi: “Salvaste-o uma vez; vais ter de decidir novamente.”

Aldo Monza era um dos membros mais apreciados da Cosca e da família. Era também um dos homens a quem o Don poupara a vida, tantos anos antes. Por isso, quando Astorre o chamou à casa do Dom compareceu prontamente. Astorre excluiu Bianco da reunião, dando-lhe a garantia de que protegeria a sobrinha.

Monza era alto para um siciliano, quase um metro e oitenta. Tinha uma constituição magnífica, um corpo moldado pelo duro trabalho dos campos desde a infância. Mas tinha uns olhos cavernosos e a cara tão descarnada, com uma pele tão esticada, que a sua cabeça parecia uma caveira. Esta característica fazia-o parecer particularmente feio e perigoso. E, de certa maneira, trágico. Monza era o mais inteligente e o mais instruído dos membros da cosca de Fissolini. Estudara Veterinária em Palermo, e para onde quer que fosse levava a sua maleta de instrumentos. Tinha uma simpatia natural pelos animais, e os seus préstimos eram constantemente solicitados. O que o não impedia de ser tão intransigentemente fiel ao código de honra siciliano como qualquer camponês. A seguir a Fissolini, era o homem mais poderoso da cosca.

Astorre tomara a sua decisão.

― Não estou aqui para pedir pela vida do Fissolini. Sei que a cosca aprovou a tua vingança. Compreendo o teu desgosto. Mas estou aqui para pedir pela vida da mãe dos teus filhos.

Monza olhou para ele. ― Traiu-me a mim e aos meus filhos. Não posso deixá-la viver.

Escuta-me ― pediu Astorre. ― Ninguém tentará vingar o Fissolini. Mas a mulher é sobrinha do Bianco. E ele há de querer vingá-la. A cosca dele é mais forte do que a tua. Vai ser uma guerra sangrenta. Pensa nos teus filhos.

Monza fez um gesto de desdém com a mão.

― Quem sabe até se são meus? Ela é uma puta. ― Fez uma pausa. ― E terá uma morte de puta.

O fulgor da morte iluminou-lhe o rosto. Estava para lá da raiva. Estava disposto a destruir o mundo.

Astorre tentou imaginar a vida daquele homem na sua aldeia natal, a honra perdida, a sua dignidade destruída pelo próprio tio e pela mulher.

― Ouve-me com muita atenção ― disse. ― Há muitos anos, Don Aprile poupou-te a vida. Agora pede-te este favor. Vinga-te do Fissolini, como todos sabemos que deves. Mas poupa a tua mulher, e o Bianco mandá-la-á e aos filhos para junto de uns parentes que tem no Brasil. Quanto a ti, pessoalmente, faço-te esta oferta com a aprovação do Dom: ― Vem comigo como meu ajudante pessoal, como meu amigo. Viverás uma vida rica e interessante. E serás poupado à vergonha de viver na tua aldeia. Além disso, estarás a salvo da vingança dos amigos do Fissolini.

Astorre ficou satisfeito ao ver que Monza não fazia qualquer gesto de surpresa ou ira. Durante cinco minutos ficou imóvel, pensando intensamente. Então perguntou:

― Continuará a pagar à cosca da minha família? O meu irmão será o chefe.

― Certamente ― respondeu Astorre. ― São valiosos para nós.

― Então, depois de matar o Fissolini, irei consigo. Nem o senhor nem o Bianco interferirão eja de que maneira for. A minha mulher não vai para o Brasil antes de ver o cadáver do meu tio.

― De acordo ― disse Astorre. E, ao recordar o rosto rude e jovial de Fissolini, sentiu uma ponta de pena. ― Quando será?

― Domingo ― respondeu Monza. ― Na segunda-feira estarei consigo. E que Deus faça arder a Sicília e a minha mulher em mil infernos, para todo o sempre.

― Regressarei contigo à tua aldeia ― anunciou Astorre. ― A tua mulher ficará sob a minha proteção. Receio que te deixes arrastar.

Monza encolheu os ombros. ― Não posso consentir que a minha sorte seja decidida por aquilo que uma mulher mete dentro da vagina.

A cosca Fissolini reuniu muito cedo na manhã de domingo. Os sobrinhos e cunhados tinham de decidir se deviam ou não matar o irmão mais novo de Fissolini, para evitar a sua vingança. Com toda a certeza o irmão soubera da sedução e, não a denunciando, pactuara com ela. Astorre não participou na discussão. Limitou-se a deixar claro que a mulher e os filhos não seriam tocados. Mas a ferocidade daqueles homens por causa de um crime que não lhe parecia assim tão grave gelou-lhe o sangue. Apercebeu-se então de até que ponto o Don fora misericordioso para com ele.