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Compreendeu que não se tratava apenas de uma questão sexual. Quando uma mulher trai o marido com um amante, deixa entrar um possível inimigo na estrutura política da cosca. Pode revelar segredos que minam as defesas; confere ao amante poder sobre a Família do marido. É uma espia numa guerra. O amor não é desculpa para tão grande traição.

A cosca reuniu-se, pois, no domingo de manhã, ao pequeno-almoço em casa de Aldo Monza, e depois as mulheres saíram para ir à missa com as crianças. Três homens da cosca levaram o irmão de Fissolini para os campos... e para a morte. Os outros ficaram a ouvir Fissolini discursar. Só Aldo Monza não riu das suas piadas. Astorre, como convidado de honra, estava sentado ao lado do chefe.

― Aldo ― disse Fissolini ao sobrinho, com um sorriso trocista ― estás a ficar tão azedo como a tua cara.

Monza olhou-o diretamente nos olhos.

― Não posso estar tão contente como tu, tio ― respondeu. ― Ao fim e ao cabo, não partilho a tua mulher, pois não?

Nesse instante, três homens da cosca agarraram Fissolini e amarraram-no à cadeira. Monza foi à cozinha e voltou com a sua maleta de instrumentos. ―Tio ― disse.. ― Vou ensinar aquilo que esqueceste.

Astorre desviou a cabeça.

Sob a luz ofuscante do Sol daquela manhã de domingo, pela estrada de terra que levava à famosa igreja da Sagrada Virgem Maria, um grande cavalo branco avançava lentamente a passo. Montado nesse cavalo ia Fissolini. Estava amarrado à sela com arames, e tinha as costas apoiadas num tosco crucifixo de madeira. Parecia quase vivo. Mas sobre a sua cabeça, como uma coroa de espinhos, havia um ninho de gravetos cheio de erva verde, e dentro desse ninho, em cima da erva, estavam o seu pênis e os seus testículos, dos quais escorriam finos fios de sangue que lhe deslizavam pela testa e pela cara.

Aldo Monza e a sua bela esposa esperavam de pé nos degraus da igreja. Ela começou a benzer-se, mas ele agarrou-lhe o braço e manteve-lhe a cabeça levantada, obrigando-a a ver. Depois empurrou-a para a estrada, para que seguisse o cadáver.

Astorre aproximou-se e enfiou-a no carro, para levá-la para Palermo. Monza deu um passo na direção dele e da mulher, com uma máscara de ódio na face. Astorre olhou-o calmamente nos olhos e levantou um dedo, num gesto de aviso. Monza deixou-os ir.

Seis meses depois da morte de Limona, Nello convidou Astorre para um fim-de-semana na sua vilã Jogariam tênis e nadariam no mar. Deliciar-se-iam com os magníficos peixes que ali se pescavam e teriam a companhia de duas das raparigas mais bonitas do clube, Buji e Stella. E dessa vez teriam a casa só para eles. A família inteira ia a um casamento, algures no campo. Estava um belo tempo siciliano, com esse sol velado tão especial que impede que o calor se torne insuportável e transforma o céu numa espécie de dossel refulgente suspenso sobre a ilha. Astorre e Nello jogaram tênis com as raparigas, que nunca tinham visto uma raqueta em toda a sua vida mas batiam as bolas com excitado entusiasmo e as faziam voar por cima da vedação. Finalmente, Nello sugeriu um passeio pela praia e um mergulho no mar. Os quatro guarda-costas divertiam-se à sombra do alpendre, onde os criados da casa lhes serviam comida e bebida. O que os não fazia descurar a vigilância, até porque gostavam de ver os corpos esbeltos das duas mulheres nos seus maiôs, especulando a respeito de qual das duas seria melhor na cama, e concordando todos que devia ser Buji, cuja vivacidade e alegria pareciam dar testemunho de um elevado potencial de excitação. Por isso se prepararam para o passeio na praia de bom humor, chegando inclusivamente a arregaçar as pernas das calças.

Astorre, porém, fez-lhes sinal para que ficassem.

― Manter-nos-emos à vista ― disse-lhes. ― Saboreiem as vossas bebidas.

Desceram os quatro até à praia e começaram a caminhar à beira d'água, Nello e Astorre à frente, as duas raparigas atrás. Quando se afastaram cinqüenta metros, Stella e Buji começaram a despir os maiôs. Buji baixou as alças para expor os seios, segurando-os com as mãos em concha e voltando-os para o Sol.

Saltaram todos para a água, que estava agradavelmente fresca. Nello, que era um excelente nadador, mergulhou e voltou à superfície entre as pernas de Stella, de modo que quando se pôs de pé, ficou com ela encavalitada nos ombros.

― Anda lá! ― gritou a Astorre.

E Astorre avançou até onde a profundidade era suficiente para poder nadar, com Buji a agarrá-lo pelas costas. Empurrou-a para baixo, mergulhando com ela, mas, em vez de assustar-se, Buji puxou-lhes os calções, quase o despindo.

Submerso, Astorre sentiu uma vibração nos ouvidos. Simultaneamente, viu os seios brancos de Buji suspensos na água verde por cima dele e a cara risonha dela muito perto da sua. Então, quando a vibração se tornou um rugido, subiu à superfície, com Buji ainda agarrada às suas ancas nuas.

A primeira coisa que viu foi a lancha rápida a voar na sua direção, o rugido do motor a rasgar o ar e a água. Nello e Stella estavam na praia. Como teriam lá chegado tão depressa? Muito ao longe, viu os quatro guarda-costas, com as pernas das calças arregaçadas, a correrem em direção à praia. Empurrou Buji para debaixo de água, afastando-a de si, e tentou avançar a pé para terra. Mas era demasiado tarde. A lancha estava muito perto, e viu o homem com a espingarda, a apontar cuidadosamente. O barulho dos tiros foi abafado pelo rugido do motor.

A primeira bala fê-lo rodopiar, ficando de frente para o atirador. O seu corpo pareceu saltar fora de água e depois desapareceu abaixo da superfície. Ouviu o barco afastar-se, e então sentiu Buji a puxá-lo, a arrastá-lo, a tentar carregá-lo para a areia.

Quando os guarda-costas chegaram, encontraram Astorre estendido de cara para baixo, com uma bala na garganta. De joelhos a seu lado, Buji soluçava.

Astorre demorou quatro meses a recuperar dos ferimentos. Bianco escondera-o num pequeno hospital particular de Palermo, onde podia estar sob vigilância armada e receber o melhor tratamento. Ia visitá-lo todos os dias, e Buji aparecia sempre que tinha folga no clube.

Foi perto do fim da sua estada no hospital que Buji lhe levou uma gargantilha de ouro com cinco centímetros de largura da qual pendia uma medalha com a imagem da Virgem Maria. Pôs-lha à volta do pescoço, como um colar, e posicionou a medalha sobre a cicatriz da ferida. Fora tratada com um material adesivo que a fez colar à pele. O disco tinha o tamanho de um dólar de prata, mas cobria a ferida e parecia um enfeite, sem no entanto ter fosse o que fosse de efeminado.

― Serve ― disse Buji, carinhosamente. ― Não suportava olhar para essa cicatriz. ― E beijou-o ao de leve.

― Tens de lavar o adesivo uma vez por dia ― aconselhou Bianco.

― Ainda alguém me corta a garganta por causa do ouro ― protestou Astorre, aborrecido. ― Será tudo isto realmente necessário?

― Sim ― respondeu Bianco. ― Um homem de respeito não pode ostentar uma ferida infligida por um inimigo. Além disso, a Buji tem razão. Essa cicatriz tem um aspecto horrível.

A única coisa que Astorre registou foi que Bianco lhe chamara um homem de respeito. Octavius Bianco, o mafioso perfeito, dera-lhe essa honra. Ficou surpreendido e lisonjeado.

Depois de Buji partir ― para um fim-de-semana com o comerciante de vinhos mais rico de Palermo ―, Bianco segurou um espelho para que Astorre pudesse ver-se. A fita de ouro era magnificamente trabalhada. A Virgem, pensou Astorre; estava por todo o lado, na Sicília; em oratórios à beira das estradas, nos carros e nas casas, nos brinquedos das crianças.