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― Por que é que os Sicilianos veneram a Virgem e não Jesus? ― perguntou a Bianco.

Bianco encolheu os ombros.

― Jesus, ao fim e ao cabo, era apenas um homem, de modo que não se pode confiar inteiramente nele. Seja como for, esquece tudo isso. Antes de regressares à América, vais passar um ano em Londres com o sr. Pryor, para aprenderes o negócio bancário. Ordens do teu tio. E há outra coisa. O Nello tem de morrer.

Astorre tinha pensado muito em todo aquele caso e sabia que Nello era culpado. Mas, porquê? Tinham sido amigos durante tanto tempo, e fora uma amizade genuína. Mas então houvera aquilo da morte de Limona.

Nello devia estar ligado de alguma maneira à costa Corleonesi, e fôra obrigado a fazer o que fizera. E havia o fato de Nello nunca ter ido visitá-lo ao hospital. Na realidade, desaparecera de Palermo. Deixara de tocar no clube. Mesmo assim, Astorre ainda tinha a esperança de estar enganado.

― Tem a certeza de que foi o Nello? ― perguntou. ― Era o meu melhor amigo.

― Quem querias tu que eles usassem? ― respondeu Bianco. ― O teu pior inimigo? O teu amigo, evidentemente. Seja como for, terás de ser tu a castigá-lo pessoalmente, como homem de respeito. Por isso vê lá se te pões bom.

Na próxima visita de Bianco, Astorre disse-lhe:

― Não temos provas contra o Nello. Deixa as coisas como estão e faz as pazes com os Corleonesi. Que toda a gente pense que morri.

Bianco começou por discutir acaloradamente, mas acabou por aceitar a sensatez da sugestão de Astorre e achou-o um homem muito astuto. Podia fazer as pazes com os Corleonesi, e as contas ficariam saldadas. Quanto a Nello, era apenas um peão que nem valia a pena matar.

Até outro dia.

Os preparativos demoraram uma semana. Astorre regressaria aos Estados Unidos depois de passar por Londres, onde seria instruído pelo sr. Pryor. Bianco disse-lhe que Aldo Monza seguiria diretamente para a América. Ficaria com Don Aprile e esperaria por ele em Nova Iorque.

Astorre passou um ano em Londres com o sr. Pryor. Foi uma experiência fascinante, e enriquecedora.

No seu escritório, enquanto bebiam vinho com limão, o sr. Pryor explicou-lhe que havia projetos extraordinários para ele. Que a sua estada na Sicília fizera parte de um plano do Don que visava prepará-lo para desempenhar um certo e importante papel.

Astorre perguntou-lhe por Rosie. Nunca a esquecera ― a sua graça, a sua alegria de viver, a sua generosidade em tudo o que fazia, incluindo o amor. Tinha saudades dela.

O sr. Pryor arqueou as sobrancelhas.

― A jovem mafiosa ― disse. ― Sabia que não te esquecerias dela.

― Sabe onde está?

― Claro. Em Nova Iorque.

― Tenho pensado nela ― disse Astorre, hesitantemente. ― Ao fim e ao cabo, eu estive ausente muito tempo, e ela era tão nova. O que aconteceu foi muito natural. Gostava de voltar a vê-la.

― Com certeza ― respondeu o sr. Pryor. ― Por que não? Depois do jantar, dou-te toda a informação de que necessitas.

Foi assim que, mais tarde nessa noite, no gabinete do sr. Pryor, Astorre ficou a saber toda a história de Rosie. O sr. Pryor passou gravações de telefonemas que revelavam os encontros dela com homens no seu apartamento. Aquelas gravações deixavam bem claro que tinha relações sexuais com eles, e que eles lhe ofereciam prendas caras e dinheiro. Foi um choque para Astorre ouvir a voz dela a usar tonalidades que julgava reservadas só para si ― o riso cristalino, as respostas prontas e espirituosas, as fiares de afeto. Era extremamente encantadora, nunca ordinária ou vulgar. Conseguia parecer uma liceal a combinar a ida ao baile de fim de curso. A sua inocência era uma obra de gênio.

O sr. Pryor tinha a pala do boné puxada para os olhos, mas estava a vigiá-lo.

― É muito boa, não é? ― perguntou Astorre. ― Uma artista nata.

― Estas gravações foram feitas quando eu ainda andava com ela?

O sr. Pryor fez um gesto vago com a mão.

― Era meu dever proteger-te. Sim.

― E nunca me dissesse nada?

― Estavas loucamente apaixonado. Para quê estragar-te o prazer? Ela não era gananciosa, tratava-te bem. Também eu já fui jovem e, acredita no que te digo, no amor a verdade não tem a mais pequena importância. Além disso, e apesar de tudo, é uma rapariga maravilhosa.

― Uma pega de luxo ― disse Astorre, quase com amargura.

― Não exatamente ― respondeu o sr. Pryor. ― Tinha de fazer pela vida. Fugiu de casa com catorze anos, mas era altamente inteligente e queria estudar. Também queria ter uma boa vida. Tudo perfeitamente natural. Sabia fazer os homens felizes, o que é um talento raro. É no mínimo justo que eles pagassem por isso.

Astorre riu-se.

― Vejo que é um siciliano muito progressista. Mas, e aquilo de ter passado vinte e quatro horas em casa com um cadáver?

O sr. Pryor lançou uma gargalhada de puro gozo.

― Essa é a melhor parte dela. Puro mafioso. Tem um coração quente, mas uma cabeça fria. Que combinação. Magnífica. Em todo o caso, tem muito cuidado com ela. As pessoas assim são sempre perigosas.

― E o nitrato de amilo? ― perguntou Astorre.

― Nesse ponto, está inocente. O caso com o professor já vinha de antes de vocês se conhecerem, e foi ele que insistiu em usar a droga. Não, o que aqui temos é uma rapariga que pensa apenas na sua própria felicidade, com exclusão de tudo o mais. Não tem quaisquer inibições sociais. O meu conselho é que te mantenhas em contato. Pode ser que venha a ter uso para os seus talentos.

― Concordo ― disse Astorre. Surpreendia-o o fato de não estar zangado com Rosie, e de o encanto dela ser quanto bastava para que tudo lhe fosse perdoado. Deixaria as coisas como estavam, prometeu ao sr. Pryor.

― Ótimo. Mais um ano aqui, e voltarás para junto de Don Aprile.

― E o que vai acontecer ao Bianco?

O sr. Pryor abanou a cabeça e suspirou.

― O Bianco terá de ceder. A cosca Corleonesi é demasiado forte. Não te perseguirão. O Don tratou de estabelecer a paz. A verdade é que o êxito tornou o Bianco demasiado civilizado.

Astorre manteve-se a par da vida de Rosie. Em parte por uma questão de prudência, em parte em nome da recordação do grande amor da sua vida. Soube que ela tinha voltado aos estudos e estava a fazer uma licenciatura em Filosofia na Universidade de Nova Iorque, que vivia num apartamento próximo da faculdade e que finalmente se tornara mais profissional com homens mais velhos e mais ricos.

Era muito esperta. Mantinha três ligações ao mesmo tempo e distribuía as suas recompensas entre prendas caras, dinheiro, jóias e férias nas estâncias freqüentadas pelos ricos ― onde fazia novos contatos. Ninguém poderia chamar-lhe uma prostituta profissional, uma vez que nunca pedia fosse o que fosse, mas nunca recusava uma prenda.

Claro que muitos daqueles homens se apaixonavam por ela. Mas Rosie recusava todas as propostas de casamento. Insistia em que eram amigos que se amavam, que o casamento não lhes quadrava a eles, ou a ela. A maior parte dos homens aceitava esta decisão com um alívio agradecido. Não era uma caça-fortunas, nunca pedia dinheiro e nunca mostrava o menor indício de ganância. Tudo o que queria era viver uma vida de luxo, livre de problemas. Mas o instinto dizia-lhe que pusesse alguma coisa de lado, para o futuro. Por isso tinha cinco contas bancárias diferentes e dois cofres de depósito.