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Foi poucos meses depois da morte do Don que Astorre decidiu tornar a procurar Rosie. Tinha a certeza de que era exclusivamente para que ela o ajudasse nos seus planos. Disse a si mesmo que lhe conhecia os truques e que não voltaria a deixar-se deslumbrar. Ela devia-lhe um favor, e ele conhecia o seu segredo fatal.

Sabia também que, num certo sentido, ela era amoral. Que se punha a si mesma e ao seu prazer num domínio exaltado, quase uma crença religiosa. Acreditava com todo o coração que tinha o direito de ser feliz, e que isto tinha precedência sobre tudo o mais.

Mais do que qualquer outra coisa, porém, queria vê-la outra vez. Como acontecia com tantos homens, a passagem do tempo minorara a traição e engrandecera os encantos. Os pecados dela pareciam-lhe cada vez mais o resultado de uma inconsciência juvenil, e não uma prova de que não o amava. Lembrou-se dos seios dela, de como se cobriam de manchas rosadas quando faziam amor; do modo como baixava timidamente a cabeça; da sua alegria contagiosa; do seu delicado bom humor. Do modo como caminhava tão sem esforço, das suas pernas finas e elegantes, do calor incrível da sua boca e dos seus lábios. A despeito de tudo isto, Astorre convenceu-se a si mesmo de que aquela visita tinha estritamente a ver com negócios.

Rosie preparava-se para entrar no prédio onde morava quando ele parou à sua frente, sorriu e disse olá. Deixou cair os livros que levava debaixo do braço direito, corou intensamente de prazer, os olhos brilharam-lhe. Deitou-lhe os braços ao pescoço e beijou-o nos lábios.

― Eu sabia que havia de voltar a ver-te ― disse. ― Sabia que havias de perdoar-me.

Então, puxou-o para dentro do edifício e quase o arrastou por um lanço de escadas até ao apartamento.

Serviu bebidas, vinho para ela, brande para ele. Sentaram-se os dois no sofá. A sala estava luxuosamente mobilada, e Astorre sabia de onde tinha vindo o dinheiro.

― Por que demoraste tanto tempo? ― perguntou Rosie, e enquanto falava tirava os anéis dos dedos, os brincos das orelhas, puxando pelos lobos. Fez deslizar pela mão as três pulseiras de ouro e diamantes que usava no braço esquerdo.

― Estive ocupado ― respondeu Astorre. ― E levei muito tempo a encontrar-te.

Rosie dirigiu-lhe um olhar cheio de ternura.

― Continuas a cantar? Continuas a montar com aquela ridícula fatiota vermelha? ― Voltou a beijá-lo, e Astorre sentiu um calor no cérebro, uma resposta incontrolável.

― Não ― disse. ― Rosie, não podemos voltar atrás.

Ela fê-lo levantar-se. ― Foi a época mais feliz da minha vida ― murmurou.

E então estavam no quarto, e segundos depois estavam ambos nus. Rosie tirou num frasco de perfume da mesa de cabeceira e aspergiu-se primeiro a si mesma, depois a ele.

― Não há tempo para um banho ― disse, rindo.

No instante seguinte estavam os dois na cama, e ele viu as manchas rosadas espalharem-se-lhe lentamente pelos seios.

Para Astorre, foi uma experiência extra-corporal. Apreciou o sexo, mas não conseguiu apreciar Rosie. No seu espírito, via-a a vigiar o cadáver do professor de História durante uma noite e um dia. Se estivesse vivo, poderia ter sido ajudado a viver? Que fizera Rosie sozinha com a morte e o professor?

Estendida de costas, Rosie estendeu as mãos para lhe tocar no peito. Baixou a cabeça e murmurou suavemente: ― A velha magia negra já não resulta.

Estava a brincar com o medalhão de ouro que ele usava ao pescoço, viu a feia cicatriz cor de púrpura e beijou-a.

― Foi muito bom - afirmou Astorre.

Rosie sentou-se na cama, inclinando o tronco nu para cima dele.

― Não consegues perdoar-me pelo professor, por tê-lo deixado morrer e ficado junto dele, não é isso?

Astorre não respondeu. Nunca lhe diria o que agora sabia a respeito dela. Que ela nunca mudara.

Rosie levantou-se e começou a vestir-se. Ele fez o mesmo.

― És uma pessoa muito terrível ― disse ela. ― O sobrinho adotado de Don Aprile. E o teu amigo de Londres que ajudou a resolver o meu problema. Fez um trabalho muito profissional para um banqueiro inglês, mas não quando se sabe que tinha imigrado de Itália. Não foi muito difícil somar dois e dois.

Estavam na sala, e ela serviu-lhe outra bebida. Olhou-o intensamente nos olhos.

― Sei o que tu és. E não me importo, palavra que não. Na realidade, somos almas gêmeas. Não é perfeito?

Astorre riu-se.

― A última coisa que quero encontrar é uma alma gémea ― disse. ― Mas vim ver-te para te falar de negócios.

Rosie adotou imediatamente uma expressão impassível. Todo o encanto tinha desaparecido do seu rosto. Começou a enfiar os anéis nos dedos.

― O meu preço para uma rapidinha são quinhentos dólares ― declarou. ― Aceito cheques.

Sorriu-lhe maliciosamente. Estava a brincar. Astorre sabia que ela só aceitava presentes nas Festas e nos aniversários, e que esses presentes eram sempre muito mais substanciais. O apartamento onde se encontravam, por exemplo, fora uma prenda de anos de um admirador.

― Não, a sério ― disse. ― E então falou-lhe dos irmãos Sturzo e do que queria que ela fizesse. E rematou : ― Dou-te já vinte mil dólares para as despesas, e mais cem mil quando estiver feito.

Rosie olhou para ele, pensativamente.

― O que é que acontece depois? ― perguntou.

― Não tens de preocupar-te com isso.

― Estou a ver. E se eu disser que não?

Astorre encolheu os ombros. Não queria pensar nisso. ― Nada ― disse.

― Não me denuncias às autoridades inglesas.

― Nunca faria uma coisa dessas ― protestou Astorre, e Rosie não podia duvidar da sinceridade na voz dele.

― OK. ― disse ela, com um suspiro. E então os olhos brilharam-lhe. Sorriu-lhe. ― Outra aventura! ― exclamou.

Agora, atravessando de noite os campos de Westchester, Astorre foi acordado pela pressão da mão de Aldo Monza na sua perna.

― Mais meia hora. Tem de preparar-se para os irmãos Sturzo. Olhou pela janela do carro. A neve continuava a cair. A toda a volta, os campos estavam totalmente desertos, com exceção de algumas árvores nuas cujos ramos se estendiam como varinhas de condão. O manto de neve luminescente fazia as pedras parecerem estrelas refulgentes. Nesse momento, sentiu uma fria desolação invadir-lhe o peito. Depois daquela noite, o seu mundo ia mudar, ele ia mudar, e, de certa maneira, a sua verdadeira vida ia começar.

Chegaram à casa às três da madrugada, no meio de uma paisagem fantasmagoricamente branca, povoada por grandes montes de neve.

Lá dentro, os irmãos Sturzo estavam algemados, com grilhetas nos pés e os troncos cingidos por coletes especiais que lhes tolhiam os braços. Jaziam no chão de um dos quartos, vigiados por dois homens armados.

Astorre olhou-os com simpatia.

― É um elogio ― disse-lhes. ― Sabemos como são perigosos.

Os dois irmãos eram completamente diferentes nas suas atitudes. Stace parecia calmo, resignado, mas Franky olhava-os com uma expressão de ódio que transformava o seu rosto habitualmente amável no de uma górgona.

Astorre sentou-se na cama.

― Suponho que já perceberam ― disse.

― Rosie foi a isca ― respondeu Stace, tranqüilamente. ― Foi muito boa, certo, Franky?

― Excepcional ― respondeu Franky. Estava a fazer um esforço enorme para que a voz não lhe saísse histericamente alta,