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Astorre descansou um pouco junto à lareira antes de voltar a subir para falar com Stace. O homem parecia exausto e resignado. Tinha pensado muito. Sabia que Franky nunca falaria ― Franky pensava que ainda havia esperança. Stace acreditava que Astorre tinha posto todas as cartas na mesa. E agora compreendia os medos de todos os homens que matara, as suas últimas, desesperadas e inúteis esperanças de qualquer coisa que os salvasse. Contra todas as probabilidades. E não queria que Franky morresse daquela maneira, pedaço a pedaço. Estudou o rosto de Astorre. Era duro, implacável, apesar da sua juventude. Tinha a gravidade de um juiz.

A neve que continuava a cair cobria os vidros da janela como uma pele branca. No outro quarto, Franky divagava a respeito de estar com Rosie na Europa, com a neve a cobrir os boulevards de Paris, a cair nos canais de Veneza. A neve era mágica. Roma era mágica.

Estendido na cama, Stace pensava em Franky. Tinham feito a sua jogada e perdido. E era o fim da história. Mas ainda podia ajudar Franky a pensar que estavam a perder só por vinte pontos.

― Tudo bem ― disse. ― Mas que o Franky não saiba o que se está a passar. OK?

― Prometo ― disse Astorre. ― Mas saberei se me mentires.

― Mentir para quê? O intermediário é um tipo chamado Heskow. Vive numa terra chamada Brightwaters, logo a seguir a Babylon. É divorciado, vive sozinho e tem um filho de dezesseis que é um excelente jogador de basquete. O Heskow contratou-nos para alguns serviços ao longo dos anos. Conhecemo-nos desde miúdos. O preço foi um milhão de dólares, mas mesmo assim eu e o Franky hesitamos. Era uma coisa demasiado grande. Aceitamos porque ele nos disse que não tínhamos de preocupar-nos com o FBI e não tínhamos de preocupar-nos com a polícia. Que estava tudo combinado. Também nos disse que o Don já não tinha poder nem contatos. Mas nisso estava obviamente enganado. Tu estás aqui. Era demasiada massa para recusar.

― Isso é muita informação para dar a um tipo que tu achas que é só conversa ― observou Astorre.

― Quero convencer-te de que estou a dizer a verdade. Já entendi. Acabou-se a história. Só não quero que o Franky saiba.

― Não te preocupes ― respondeu Astorre. ― Acredito em ti.

Saiu do quarto e foi à cozinha dar a Monza as suas instruções. Queria as cartas de condução, os cartões de crédito e tudo o mais que pudesse identificar os dois homens. Manteve a palavra que dera a Stace: Franky seria morto com um tiro na nuca, sem aviso. Também Stace seria executado de forma indolor.

Feito isto, preparou-se para regressar a Nova Iorque. A neve transformara-se em chuva, e a chuva estava a lavar os campos.

Era muito raro Monza desobedecer a uma ordem, mas como executor sentia que tinha o direito de proteger-se a si mesmo e aos seus homens. Não haveria tiros. Usaria a corda.

Primeiro, levou quatro guardas para o ajudarem a estrangular Stace. O homem nem sequer tentou resistir. Mas com Franky foi diferente. Durante vinte minutos, tentou fugir à corda. Durante vinte terríveis minutos, Franky Sturzo soube que estava a ser assassinado.

Depois, os dois corpos foram embrulhados em mantas e levados para a floresta por detrás da casa. Uma abertura numa moita extremamente densa serviu de esconderijo. Só seriam encontrados na primavera, se fossem. Por essa altura já teriam sido destruídos pela natureza e, esperava Monza, a causa da morte seria impossível de determinar.

Não fôra, porém, só por esta razão prática que Monza desobedecera ao chefe. Porque, como Don Aprile, estava profundamente convencido de que a misericórdia só podia vir de Deus. Desprezava a idéia de qualquer espécie de compaixão para com homens que se alugavam como assassinos de outros homens. Era presunção um homem perdoar a outro homem. Isso competia a Deus. Ter a pretensão de perdoar era, da parte dos homens, um orgulho ridículo e uma falta de respeito. Nunca desejaria para si mesmo tal misericórdia.

Capítulo 9

Kurt Cilke acreditava na lei, nas regras que o homem inventara para viver em paz. Sempre tentara evitar esses compromissos que minam uma sociedade justa, sempre combatera sem piedade os inimigos do Estado. Ao fim de vinte anos de luta, perdera uma grande parte dessa fé.

Só a mulher correspondia plenamente às suas expectativas. Os políticos eram mentirosos, os ricos implacáveis na sua ânsia de poder, os pobres cheios de maldade. E depois, havia os vigaristas natos, os trapaceiros, os brutos e os assassinos. Os encarregados de fazer respeitar a lei eram apenas um pouco melhores, mas Cilke acreditava com todo o seu coração que o Bureau estava acima de tudo e de todos.

Durante o último ano, tinha tido um sonho recorrente. Era um garoto de doze anos e tinha de fazer, na escola, um exame que ia durar o dia inteiro. Quando saía de casa, a mãe chorava desconsoladamente, e no seu sonho ele sabia porquê. Se não passasse no exame, nunca mais voltaria a vê-la.

No seu sonho, compreendia que o assassínio se tornara uma praga de tal modo alastrada que tinham sido instituídas, com a ajuda da comunidade psiquiátrica, leis para desenvolver um conjunto de testes psicológicos capazes de predizer que rapazinhos de doze anos cresceriam para se transformarem em assassinos. Os que não passavam no exame pura e simplesmente desapareciam. Porque a ciência médica provara que os assassinos matavam pelo prazer de matar. Os crimes políticos, a rebelião, o terrorismo, o ciúme, eram apenas desculpas de fachada. Por isso se tornara necessário eliminar os assassinos genéticos o mais cedo possível.

O sonho saltava para o seu regresso a casa depois do exame, e a mãe abraçava-o e beijava-o. Os tios e primos tinham preparado uma grande festa. E então estava sozinho no seu quarto, a tremer de medo. Porque sabia que houvera um engano. Nunca devia ter passado no exame, e agora, quando crescesse, ia tornar-se um assassino.

Já tivera aquele sonho duas vezes, mas nunca falara nisso a Georgette porque sabia o que ele significava, ou pensava que sabia.

A sua relação com Timmona durava agora havia seis anos. Começara quando Portella matara um dos seus próprios homens, num acesso de fúria cega. Cilke vira imediatamente as possibilidades. Conseguira que Portella se tornasse um informador sobre a Máfia a troco de não ser acusado de assassínio. O diretor aprovara o plano, e o resto era história. Com a ajuda de Portella, Cilke esmagara a Máfia de Nova Iorque, mas tivera de fechar os olhos às atividades de Timmona, incluindo a sua supervisão do tráfico de drogas.

Agora, novamente com a aprovação do diretor, Cilke preparava-se para abatê-lo. Portella tentara usar os bancos Aprile para branquear o dinheiro da droga, mas o Don recusara-se a colaborar. Numa fatídica reunião, Portella perguntara-lhe: “O FBI vai estar a vigiar Don Aprile quando ele assistir ao crisma do neto?” Cilke compreendera imediatamente, mas hesitara antes de responder. Então dissera, lentamente: “Posso garantir que não. Mas, e a polícia?” “Essa parte está tratada”, dissera Portella.

E Cilke soubera que ia ser cúmplice de um assassínio. Mas não era verdade que o Don o merecia? Fora um criminoso implacável durante a maior parte da sua vida. Retirara-se com uma fortuna imensa, sem que a lei tivesse conseguido tocar-lhe. E tudo o que havia a ganhar? Portella ia lançar-se de cabeça na armadilha ao adquirir os bancos Aprile. E, claro, havia sempre Inzio em segundo plano, com os seus sonhos de um arsenal nuclear. Cilke sabia que, com um pouco de sorte, podia resolver todo aquele caso de uma só vez, e o governo ficaria com os dez bilhões de dólares dos bancos Aprile, pois não tinha a menor dúvida de que os herdeiros do Don venderiam, chegariam a um acordo com os emissários secretos de Portella. E dez ou onze bilhões de dólares constituiriam uma arma poderosa contra o crime.