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Claro que Georgette o desprezaria. Por isso era preciso que nunca soubesse. Ao fim e ao cabo, vivia num mundo completamente diferente do dele. Agora, porém, tinha de voltar a encontrar-se com Portella. Havia a questão dos pastores alemães mortos e de quem estava por detrás daquilo. Começaria por Portella.

Timmona Portella era uma raridade entre os italianos bem sucedidos: com cinqüenta e tal anos, continuava solteiro. O que não significava que fizesse uma vida de celibato monacal. Nem de longe. Todas as sextas-feiras, passava a maior parte da noite com uma bela rapariga de um dos “serviços de acompanhantes” dirigidos pelos seus subordinados. Os requisitos eram que a rapariga fosse jovem, não estivesse há muito tempo naquela vida, fosse bonita e com feições delicadas. Que fosse alegre e divertida, não uma espertalhona chata. E que não fosse dada a especialidades exóticas. Em questões de sexo, Timmona era estritamente conservador. Tinha as suas pequenas manias, todas perfeitamente inocentes. Uma delas era que as raparigas tivessem simples nomes anglo-saxônicos, como Jane, ou Susan; ainda aceitava qualquer coisa como Tiffanny, ou mesmo Merle, mas nada mais étnico do que isso. Raramente ficava com a mesma mulher duas vezes.

Estes encontros ocorriam sempre num hotel do East Side relativamente pequeno que era propriedade de uma das suas empresas e onde dispunha de todo um andar, consistindo de duas suítes interligadas. Uma delas tinha uma cozinha completamente equipada, pois Timmona era um chef amador muito dotado, curiosamente especializado na cozinha do Norte de Itália, apesar de os pais terem nascido na Sicília. E adorava cozinhar.

Nessa noite, a rapariga foi levada até à suíte pelo gerente do serviço de acompanhantes, que se demorou apenas o tempo suficiente para tomar uma bebida e depois desapareceu. Portella preparou então um jantar para dois, enquanto conversavam e travavam conhecimento. Ela chamava-se Janet. Portella cozinhava com rápida eficiência. Nessa noite, fez a sua especialidade: vitela à milanesa, spaghetti com molho e queijo Gruyère, pequenas beringelas assadas servidas à parte e uma salada de verdes com tomate. A sobremesa era um sortido de bolos de uma famosa pastelaria francesa da vizinhança.

Serviu Janet com uma cortesia que contrastava com o seu aspecto; era um homem grande e peludo, com uma cabeça enorme e uma pele áspera, mas comia sempre de camisa, casaco e gravata. Durante o jantar, interessou -se pela vida de Janet com uma solicitude inesperada num indivíduo tão brutal. Deliciou-se com o relato dos seus infortúnios, de como fora traída pelo pai, pelos irmãos, pelos amantes e pelos homens poderosos que a tinham empurrado para uma vida de pecado através de pressões econômicas e gravidezes indesejadas, tudo num esforço de salvar a família da mais extrema miséria. Ficou espantado pela variedade de comportamentos desonrosos de que eram capazes outros homens e maravilhado pela bondade com que ele próprio tratava as mulheres. Porque era extremamente generoso para com elas, e não apenas dando-lhes enormes quantias em dinheiro.

Terminada a refeição, levou o vinho para a sala de estar e mostrou a Janet seis caixas de jóias: um relógio de ouro, um anel de rubis, brincos de diamantes, um colar de jade, uma pulseira de ouro e um colar de pérolas. Disse-lhe que podia escolher uma, como prenda. Qualquer delas valia alguns milhares de dólares ― as raparigas mandavam geralmente avaliá-las.

Anos antes, uma das suas equipes assaltara a caminhonete de uma joalharia, e ele resolvera guardar o produto do roubo em vez de vendê-lo a receptadores, de modo que nada daquilo lhe custara um centavo.

Enquanto Janet ponderava o que queria, e finalmente se decidia pelo relógio, ele preparou-lhe um banho, verificando cuidadosamente a temperatura da água e oferecendo-lhe os perfumes e os sais de que mais gostava.

Só então, depois de ela ter relaxado, se retiraram ambos para o quarto, onde fizeram decorosamente amor, como qualquer decente casal americano feliz no seu matrimônio.

Quando se sentia particularmente amoroso, Portella podia reter a rapariga até as quatro ou cinco da madrugada, mas nunca dormia enquanto ela ainda estivesse na suíte. Nessa noite, mandou Janet embora bastante cedo.

Fazia tudo aquilo por uma questão de saúde. Sabia que tinha um temperamento tempestuoso e que isso podia causar-lhe problemas. Aqueles encontros semanais acalmavam-no. As mulheres em geral tinham nele um efeito tranqüilizante. Provava a eficácia desta estratégia visitando o seu médico todos os sábados e tendo invariavelmente a satisfação de ouvi-lo dizer que a sua pressão arterial voltara aos valores normais. Quando falara disto ao médico, o homem limitara-se a dizer: “Muito interessante.” Portella ficara profundamente decepcionado com ele.

O esquema tinha uma outra vantagem. Os guarda-costas ficavam isolados na primeira suíte. Mas esta comunicava com a segunda, que por sua vez dava para um outro corredor, e era para aí que Portella combinava aqueles encontros que desejava ocultar até aos seus colaboradores mais chegados. Porque era muito perigoso para um chefe da Máfia reunir-se em segredo com um agente especial do FBI. Poderiam julgá-lo um informador, e o Bureau poderia suspeitar que Cilke aceitava subornos.

Era Portella que indicava os números de telefone a pôr sob escuta, que apontava os elementos fracos que poderiam ceder sob pressão, que fornecia pistas para certos assassínios, e explicava como funcionavam certos negócios. E era Portella que se encarregava de certos trabalhos sujos que o FBI não podia legalmente fazer.

Ao longo dos anos, tinham desenvolvido um código para combinarem os seus encontros. Cilke tinha a chave da suíte que dava para o outro corredor, de modo que podia entrar sem ser detectado pelos guarda-costas de Portella e aguardar. Portella desembaraçava-se da rapariga, e então conversavam. Naquela noite, Portella estava à espera de Cilke.

Cilke sentia-se sempre um pouco nervoso durante aqueles encontros. Sabia que nem mesmo Portella se atreveria a atacar um agente do FBI, mas o homem tinha um temperamento que raiava a loucura. Ia armado, evidentemente, mas, para proteger a identidade do seu informador, não podia levar guarda-costas.

Portella tinha um copo de vinho na mão, e as primeiras palavras que disse foram “Que raio de merda se passa agora?”, mas sorria amistosamente e deu a Cilke um meio abraço. Tinha vestido, por cima do pijama branco, um elegante roupão chinês que lhe disfarçava o ventre enorme.

Cilke recusou uma bebida, sentou-se no sofá e disse calmamente:

― Há umas semanas, cheguei a casa do trabalho e encontrei os meus dois cães com os corações arrancados. Pensei que talvez tivesse alguma pista. E ficou a espiar atentamente a reação de Portella.

A surpresa dele pareceu genuína. Saltou do sofá onde estava sentado como se tivesse sido empurrado por uma mola, com uma expressão de fúria no rosto. Cilke não se deixou impressionar; a sua experiência dizia-lhe que os culpados eram capazes de portar-se como o mais puro dos inocentes.

― Se está a tentar avisar-me de qualquer coisa, por que não mo diz diretamente? ― acrescentou

Ao ouvir isto, Portella protestou, quase com lágrimas nos olhos:

― Kurt, vem aqui armado; senti a sua arma. Eu não estou armado. Podia matar-me e dizer que resisti à prisão. Confio em si. Depositei mais de um milhão de dólares na sua conta das ilhas Cayman. Somos sócios. Que razões teria eu para recorrer a esse velho truque siciliano? Alguém está a tentar dividir-nos. Tem de ver isso.

― Quem? - perguntou Cilke.

Portella ficou pensativo.

― Só consigo lembrar-me desse garoto, o Astorre. Está cheio de ilusões de grandeza porque conseguiu escapar-me uma vez. ― Veja o que consegue descobrir, que eu entretanto ponho-lhe a cabeça a prêmio. Finalmente, Cilke ficou convencido.