― OK. ― disse. ― Mas acho que devemos ser muito cuidadosos. Não subestime esse tipo.
― Não se preocupe ― declarou Portella. ― Eh, já jantou? Tenho vitela com spaghetti, uma salada e um bom vinho.
― Acredito ― respondeu Cilke, rindo. ― Mas não tenho tempo para jantar.
A verdade era que não queria partilhar uma refeição com um homem que em breve ia mandar para a prisão.
Astorre tinha agora informação suficiente para traçar o seu plano de batalha. Estava convencido de que o FBI estivera envolvido na morte do Don. E de que Cilke fora o encarregado da operação. Sabia quem fôra o intermediário. Sabia que o contrato fora ordenado por Timonna Portella.
Mas restavam ainda alguns mistérios. Marriano Rubio propusera, através de Nicole, comprar os bancos, juntamente com um grupo de investidores estrangeiros. Cilke fizera-lhe uma proposta para conduzir Portella a uma situação criminosa. Eram variações perturbadoras e perigosas. Decidiu ir a Chicago falar com Craxxi, e levar o sr. Pryor consigo.
Astorre pedira ao sr. Pryor que fosse para a América gerir os bancos Aprile. O sr. Pryor aceitara a oferta, e era extraordinária a rapidez com que se transformara de gentleman inglês num executivo americano. Usava um chapéu melão em vez do chapéu de coco, pusera de lado o guarda-chuva e passara a transportar na mão um jornal dobrado, e chegara com a mulher e dois sobrinhos.
A mulher, por sua vez, trocara o estilo matrona inglesa por roupas mais elegantes, muito na moda. Os dois sobrinhos eram sicilianos que falavam perfeitamente inglês e tinham licenciaturas em contabilidade. Eram ambos caçadores inveterados que conservavam todo o seu equipamento de caça no porta-bagagens de uma limusine que um deles guiava pessoalmente. Na realidade, funcionavam como guarda-costas do sr. Pryor.
Os Pryor instalaram-se numa urbanização do Upper West Side, protegida por patrulhas de segurança de uma agência privada. Nicole, que inicialmente se opusera à nomeação, não tardou a deixar-se seduzir pelo sr. Pryor, sobretudo quando ele lhe disse que eram primos afastados. O sr. Pryor tinha, não havia a mínima dúvida, um certo encanto paternal para as mulheres. Até Rosie o adorara. E também não havia a mínima dúvida de que sabia dirigir um banco ― até Nicole ficou impressionada pelo seu conhecimento da atividade bancária internacional. Só negociando em divisas, conseguira aumentar a margem de lucro. E Astorre sabia que fora um dos íntimos de Don Aprile. Na realidade, fora o sr. Pryor que convencera o Don a comprar os bancos, com ligações, de que ele próprio se encarregaria, em Inglaterra e Itália. Descrevera deste modo a sua relação com o Dom.
― Disse ao teu tio que os bancos são o caminho para conseguir mais riqueza com menos risco do que os negócios que ele tinha. Essas histórias de antigamente estão ultrapassadas; os governos são demasiado fortes e andam muito em cima da nossa gente. Era tempo de sair. Os bancos são a melhor maneira de ganhar dinheiro, para quem tenha a experiência, a mão-de-obra e os contatos políticos. Sem me gabar, posso afirmar que tenho a boa vontade dos políticos italianos. Comprei-a com dinheiro. Toda a gente enriquece, e ninguém se magoa ou vai parar à prisão. Aqui onde me vês, podia ser um professor universitário a ensinar às pessoas como ficarem ricas sem infringirem a lei ou recorrerem à violência. Basta conseguir que as leis convenientes sejam aprovadas. Ao fim e ao cabo, a instrução é a chave para uma civilização superior.
O sr. Pryor estava a brincar, mas também não deixava de falar a sério. Astorre sentiu uma profunda relação com ele e deu-lhe toda a sua confiança. Don Craxxi e o sr. Pryor eram os homens com quem podia realmente contar. Não apenas por uma questão de amizade: ambos ganhavam fortunas à custa dos bancos do Dom
Quando chegaram à casa de Craxxi, em Chicago, Astorre ficou surpreendido ao ver os dois homens abraçarem-se efusivamente. Era evidente que se conheciam.
Craxxi ofereceu-lhes uma refeição de fruta e queijo e conversou com o sr. Pryor enquanto comiam. Astorre escutou-os com intensa curiosidade; adorava ouvir os velhos contarem histórias. Craxxi e o sr. Pryor eram unânimes em afirmar que as antigas maneiras de fazer negócio estavam recheadas de perigos.
―Toda a gente tinha hipertensão, toda a gente tinha ataques de coração ― disse Craxxi. ― Era um modo de vida terrível. E os novos elementos não tem o sentido da honra. Ainda bem que estão a ser varridos.
― Ah! ― exclamou o sr. Pryor. ― Mas todos temos de começar por qualquer lado. Olha para nós agora.
Tudo isto fez Astorre hesitar em trazer à baila o assunto que o levara até ali. Que diabo pensariam aqueles dois velhotes que estavam a fazer agora? O sr. Pryor riu-se ao notar a expressão dele.
― Não te preocupes ― disse ―, não somos nenhuns santos. E esta situação ameaça os nossos interesses. Diz-nos o que precisas. Estamos prontos para agir.
― Preciso do vosso conselho, nada operacional ― respondeu Astorre. ― Essa parte é comigo.
― Se é apenas uma questão de vingança ― interveio Craxxi ―, aconselho-te a voltar às tuas cantigas. Mas eu reconheço, como espero que tu reconheças também, que o que está em causa é a proteção da tua família.
― Ambas as coisas ― disse Astorre. ― Qualquer das razões seria suficiente. Mas o meu tio treinou-me precisamente para esta situação. Não posso faltar-lhe.
― Ótimo ― concordou o sr. Pryor. ― Mas reconhece este fato: o que estás a fazer está na tua natureza. Tem cuidado com os riscos que corres. Não te deixes entusiasmar.
― Como é que podemos ajudar-te? perguntou Craxxi, tranqüilamente.
― Tinha razão a respeito dos irmãos Sturzo ― começou Astorre. ― Confessaram o golpe e disseram-me que o intermediário tinha sido um tal John Heskow, um homem de quem nunca ouvi falar. Agora tenho de encontrá-lo.
― E os irmãos Sturzo ― quis saber Craxxi.
― Já não fazem parte do quadro.
Os dois homens mais velhos ficaram silenciosos. Pouco depois, Craxxi disse:
― Conheço o Heskow. É intermediário há vinte anos. Diz-se que tratou de alguns assassínios políticos, mas eu não acredito nesses rumores. Ora bem, as táticas que usaste com os irmãos Sturzo, fossem elas quais fossem, não vão resultar com o Heskow. O homem é um excelente negociador, e compreenderá que vai ter de regatear para continuar vivo. Saberá que tu precisas de informação que só ele te pode dar.
― Tem um filho que adora ― disse Astorre. ― Joga basquete, e o pai daria a vida por ele.
― Isso é uma simples carta, que ele baterá com os trunfos de que dispõe ― explicou o sr. Pryor. ― Por exemplo, retendo informação crucial e revelando-te outra que não é crucial. É preciso que compreendas o Heskow. Tem negociado com a morte toda a sua vida. Arranja outra abordagem.
― Há uma porção de coisas que preciso de saber antes de ir em frente ― respondeu Astorre. ― Quem esteve por detrás do assassínio e, sobretudo, porquê? Vou dizer-lhes o que penso. Tem de ser os bancos. Alguém precisa dos bancos.
― O Heskow é capaz de saber alguma coisa a esse respeito ― admitiu Craxxi.
― Acho muito estranho não haver qualquer vigilância da polícia ou do FBI junto da catedral, naquele dia ― continuou Astorre. ― E os irmãos Sturzo disseram-me que lhes tinham sido dadas garantias de que não haveria. Poderei crer que a polícia e o FBI tinham conhecimento prévio do que ia acontecer? Será isso possível?