― já tinha trabalhado para o Portella antes disto?
― Oh, claro! É ele que controla o tráfico de droga em Nova Iorque, por isso tem muito trabalho para mim. Nada ao nível do Don. Não tinha esse tipo de contatos. É tudo.
― Ótimo ― disse Astorre. Tinha no rosto uma expressão de sinceridade. ― Agora quero que seja muito cuidadoso. Para seu próprio bem. Há mais alguma coisa que possa dizer-me?
E subitamente, Heskow soube que estava a segundos de morrer. Que não conseguira convencer Astorre. Acreditou no que lhe diziam os seus instintos. Sorriu palidamente.
― Mais uma coisa ― disse, muito devagar. ― Neste preciso momento, tenho um contrato do Portella. O alvo é você. Vou pagar aos dois detetives meio milhão para acabarem consigo. Eles aparecem para detê-lo, você resiste à prisão e eles abatem-no.
Astorre pareceu levemente divertido.
― Porquê uma coisa tão complicada e cara? ― perguntou. ― Por que não contratar simplesmente um atirador?
Heskow abanou a cabeça.
― Colocam-no muito acima disso. E, depois do Dom outra execução chamaria demasiado as atenções. Sendo sobrinho dele, e tudo isso. Os meios de comunicação entravam em parafuso. Assim, esse aspecto fica coberto.
― Já lhes pagou?
― Não. Ficamos de nos encontrar.
― OK. ― disse Astorre. ― Marque o encontro para um lugar isolado. Avise-me dos pormenores antecipadamente. Uma coisa. Depois do encontro, não vá com eles.
― Oh, merda! ― exclamou Heskow. ― É assim que vai ser? já imaginou o barulho?
Astorre recostou-se na cadeira.
― É assim que vai ser ― disse. ― Levantou-se e deu a Heskow um meio abraço de amizade. ― Não esqueça ― acrescentou ―, temos de manter-nos vivos um ao outro.
― Posso ficar com uma parte do dinheiro? ― perguntou Heskow.
Astorre riu-se.
― Não. É precisamente aí que reside a beleza da coisa. Como é que os tiras explicarão o meio milhão que eles têm em seu poder?
― Só vinte ― insistiu Heskow.
― OK. ― aquiesceu Astorre, de bom humor. ― Mas nem mais um centavo. Só para adoçar a boca.
Tornava-se agora imperativo para Astorre ter outro encontro com Don Craxxi e com o sr. Pryor. Precisava do conselho deles para o vasto plano operacional que tinha de executar.
Entretanto, as circunstâncias tinham mudado. O sr. Pryor insistiu em levar os dois sobrinhos como guarda-costas. E quando chegaram ao subúrbio de Chicago, descobriram que a modesta propriedade de Don Craxxi fôra transformada numa fortaleza. O caminho que conduzia à casa estava bloqueado por uma série de pequenas tendas verdes ocupadas por jovens de ar muito duro. Debaixo da parreira estava estacionada um furgão de comunicações. Três jovens abriam a porta, atendiam os telefones e verificavam a identidade dos visitantes. Os sobrinhos do sr. Pryor, Erice e Roberto, eram esguios e atléticos, peritos em armas de fogo, e adoravam obviamente o tio. Pareciam igualmente a par da história de Astorre na Sicília e tratavam-no com enorme respeito, fazendo-lhe todo o gênero de pequenos serviços pessoais. Transportaram-lhe as malas até ao avião, serviram-lhe o vinho ao jantar, sacudiram-no com os seus próprios guardanapos; pagavam as gorjetas por ele e abriam-lhe as portas, tornando bem claro que o consideravam um grande homem.
Astorre, bem-humorado, tentou pô-los à vontade, mas eles nunca desceram à familiaridade.
Os homens que guardavam Don Craxxi não eram tão delicados. Corteses mas rígidos, concentravam-se totalmente no seu trabalho. Andariam todos pela casa dos cinqüenta, e estavam todos armados..
Nessa noite, terminado o jantar e enquanto comiam fruta à sobremesa, Astorre perguntou ao Dom: ― Porquê tanta segurança?
― Apenas uma precaução ― respondeu Craxxi, calmamente. ― Chegaram-me aos ouvidos notícias inquietantes. Um velho inimigo meu, Inzio Tulippa, está na América. É um homem muito moderado e muito ganancioso, de modo que o melhor é sempre estar preparado. Veio encontrar-se com o nosso Timmona Portella. Mais vale estar preparado. Mas diz-nos, meu caro Astorre, o que tens para nos contar?
Astorre explicou-lhes o que tinha descoberto e como aliciara Heskow. Falou-lhes de Portella, e de Cilke, e dos dois detetives.
― Agora tenho de passar à fase operacional ― concluiu. ― Preciso de um perito em explosivos e de pelo menos mais dez homens. Sei que os dois podem arranjar-mos, que podem telefonar aos velhos amigos do Don. ― Descascou cuidadosamente a pêra verde-amarelada que estava a comer. ― Sabem que isto pode revelar-se muito perigoso e se não querem envolver-se demasiado...
― Disparate ― protestou o sr. Pryor, impaciente. ― Devemos a nossa sorte ao Don. Claro que ajudamos. Mas lembra-te, isto não é vingança, é legítima defesa. Contra o Cilke, não se pode fazer nada. O governo federal transformava-nos a vida num inferno.
― Mas esse homem tem de ser neutralizado ― afirmou Craxxi. ― Será sempre um perigo.
Podes, no entanto, considerar a seguinte hipótese: vende os bancos, e fica toda a gente feliz.
― Toda a gente exceto eu e os meus primos ― contrapôs Astorre.
― É uma possibilidade a considerar ― disse o sr. Pryor. ― Estou disposto a sacrificar a minha parte, tal como Don Craxxi, embora saiba que há de tornar-se uma enorme fortuna. Mas com certeza que uma vida pacífica tem muitas vantagens.
― Não vendo os bancos ― declarou Astorre. ― Mataram o meu tio e têm de pagar o preço, não alcançar os seus objetivos. E não posso viver num mundo onde o meu lugar é uma concessão da misericórdia deles. O Don ensinou-me isso.
Astorre ficou surpreendido ao ver que o sr. Pryor e Don Craxxi pareciam aliviados. Tentaram inclusivamente disfarçar um sorrisinho. Compreendeu que aqueles dois homens, poderosos como eram, o tinham em grande respeito, viam nele aquilo que nunca tinham chegado a ser.
― Sabemos qual é o nosso dever para com Don Aprile, Deus tenha a sua alma ― disse Craxxi. ― E sabemos qual é o nosso dever para contigo. Mas uma palavra de cautela: se te precipitares, e te acontecer alguma coisa, seremos obrigados a vender os bancos.
― Sim ― corroborou o sr. Pryor. ― Tem cuidado.
Astorre riu-se.
― Não se preocupem. Se eu cair, não ficará ninguém de pé.
Continuaram a comer pêras e pêssegos. Don Craxxi parecia perdido nos seus pensamentos. De súbito, disse:
― O Tulippa é o maior traficante de droga do mundo. O Portella é o seu sócio americano. Devem querer os bancos para branquear dinheiro da droga.
― Nesse caso, onde é que encaixa o Cilke? ― perguntou Astorre.
― Não sei ― admitiu Craxxi. ― Mas seja como for, não podemos atacá-lo.
― Seria um desastre ― confirmou o sr. Pryor.
― Lembrar-me-ei disso ― prometeu Astorre. Mas se Cilke fosse culpado, que poderia ele fazer?
A detetive Aspinella Washington certificou-se de que a filha de oito anos jantava decentemente, fazia os trabalhos de casa e dizia as suas orações antes de ir para a cama. Adorava a criança e havia muito que expulsara o pai da sua vida. A babá, filha adolescente de um polícia, chegou às oito em ponto. Aspinella deu-lhe instruções sobre os remédios que a pequena tinha de tomar e disse que estaria em casa por volta da meia-noite.