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Naquela noite, porém, estavam em lados opostos da barricada. Brody aparecera com um dos agentes mais poderosos do ramo, um tal Matt Glazier, que era ferrenhamente leal aos seus clientes. Estava ali em defesa de um romancista cuja última obra Marcantonio transformara numa excelente minissérie televisiva de oito horas, e agora queria vender os três primeiros livros desse mesmo autor.

― Marcantonio ― disse Glazier ―, os outros três livros são ótimos, mas não venderam. Sabe como são os editores... Não conseguiriam vender um jarro de caviar por dez centavos. O Brody está disposto a produzi-los. Você ganhou uma carrada de dinheiro com o último livro do homem, portanto seja generoso e fechemos o negócio.

― Não percebo ― respondeu Marcantonio. ― Estamos a falar de livros antigos. Nunca foram best-sellers. Já nem sequer estão nas livrarias.

― Isso não tem a menor importância ― afirmou Glazier, com a confiança entusiasta de todos os agentes. ― Mal fechemos o negócio, os editores mandam logo reimprimi-los.

Marcantonio tinha ouvido aquele argumento vezes sem conta. Era verdade, os editores reeditariam, mas isso não seria grande ajuda para a série televisiva. Pelo contrário, seria a série televisiva a ajudar os editores a venderem mais livros. Era um argumento essencialmente falacioso.

― Excetuando tudo o mais ― disse ―, li os livros, e não têm nada que nos interesse. São demasiado literários. É a palavra que os faz funcionar, não o incidente. Até gostei deles. Não estou a dizer que não resultem, o que estou a dizer é que não valem o risco e o esforço,

― Não me venha com tretas ― protestou Glazier. ― Leu um resumo. Você é diretor de programas, não tem tempo para ler livros.

Marcantonio riu-se.

― Engana-se. Gosto muito de ler e gostei muito desses livros. Mas não servem para a televisão. ― A voz dele era calorosa e amigável. ― Lamento, mas não estamos interessados. Mas não se esqueça de nós. Gostamos muito de trabalhar consigo.

Depois de os dois homens terem saído, Marcantonio tomou um banho na casa de banho da sua suíte executiva e mudou de roupa para o jantar. Despediu-se da secretária, que nunca saía antes dele, e desceu no elevador até ao vestíbulo do edifício.

O encontro era no Four Seasons, apenas a quatro quarteirões de distância, e iria a pé. Ao contrário da maior parte dos executivos de topo, não tinha carro com motorista exclusivamente ao seu serviço. Se precisava de transporte, limitava-se a pedir um. Orgulhava-se desta sua economia, e sabia que a aprendera com o pai, que desprezava a ostentação e os gastos supérfluos. Quando chegou à rua, sentiu o vento gelado e estremeceu. Uma limusine preta encostou ao passeio, o motorista apeou-se e abriu a porta para ele entrar. Teria a secretária pedido um carro? O motorista era um homem alto, corpulento, com um boné demasiado pequeno bizarramente empoleirado no alto da cabeça. Fez uma vênia e perguntou:

― Sr. Aprile?

― Sim ― respondeu Marcantonio. ― Não preciso de si esta noite.

― Precisa, sim ― afirmou o motorista, com um sorriso jovial. ― Entre no carro ou leva um tiro.

Subitamente, Marcantonio apercebeu-se dos três homens que tinham parado no passeio atrás de si. Hesitou.

― Não se preocupe - disse o motorista. ― Um amigo seu só quer ter uma conversazinha consigo.

Marcantonio sentou-se no banco traseiro da limusine, e os três homens instalaram-se a seu lado.

Depois de terem percorrido um ou dois quarteirões, um deles deu-lhe uns óculos escuros e disse-lhe que os pusesse. Obedeceu, e foi como se tivesse ficado cego. As lentes eram tão negras que tapavam completamente a luz.

Achou o truque curioso e tomou nota para usá-lo futuramente numa história. Era bom sinal. Se não queriam que visse para onde ia, era porque não tencionavam matá-lo. E, no entanto, tudo aquilo parecia tão irreal como uma das suas séries de televisão. Até que subitamente se lembrou do pai. Pensou que tinha finalmente entrado no mundo dele, um mundo no qual nunca acreditara totalmente.

Cerca de uma hora mais tarde, o carro parou e dois dos guardas ajudaram-no a descer. Sentiu um caminho de tijolos debaixo dos pés, e depois fizeram-no subir quatro degraus e entrar numa casa. Mais escadas até um quarto. Ouviu a porta fechar-se. Só então lhe tiraram os óculos.

Estava num pequeno quarto de cama, com janelas tapadas por pesadas cortinas. Um dos guardas sentou-se numa cadeira ao lado da cama.

― Deite-se e durma um pouco ― disse-lhe o guarda. ― Tem um dia duro pela frente.

Marcantonio olhou para o relógio. Era quase meia-noite.

Pouco depois das quatro da manhã, com os fantasmas dos arranha-céus envoltos em escuridão, Astorre e Aldo Monza apearam-se diante do Lyceum Hotel. O motorista aguardou no carro. Monza examinava o seu molho de chaves enquanto subiam a correr os três lanços de escadas até à porta da suíte de Portella.

Monza serviu-se de uma das chaves para abrir a porta e entraram na saleta. Viram a mesa coberta de caixas de comida chinesa, copos vazios e garrafas de vinho e de uísque. Havia um grande bolo de creme, meio comido, com um cigarro esmagado a enfeitar-lhe o topo como uma vela de aniversário. Passaram ao quarto, e Astorre acionou o interruptor da parede. Ali, estendido na cama, vestindo apenas umas cuecas, estava Bruno Portella.

Havia um aroma intenso a perfume no ar, mas Bruno estava sozinho na cama. Não era um espetáculo agradável. A cara, pesada e flácida, brilhava de suor, e exalava da boca um cheiro enjoativo a marisco. O peito enorme fazia-o parecer um urso, e na realidade, pensou Astorre, a expressão dele a dormir tinha de certo modo, a doçura da de um ursinho de pelúcia. Aos pés da cama, uma garrafa de vinho tinto aberta criava a sua própria ilha de fragrância. Quase custava acordá-lo, e Astorre fê-lo delicadamente, batendo-lhe ao de leve na testa.

Bruno abriu um olho, depois o outro. Não pareceu assustado ou sequer surpreendido.

― Que diabo estão aqui a fazer?

A voz saiu-lhe entaramelada de sono.

― Bruno, não há motivo para te preocupares ― disse-lhe Astorre, gentilmente. ― Onde está a rapariga?

Bruno sentou-se na cama e riu-se.

― Teve de ir para casa mais cedo, para levar o filho à escola. Como já lhe tinha dado três trancadas, deixei-a ir. ― Disse isto com orgulho, tanto da sua própria virilidade como da sua compreensão para com os problemas de uma mãe trabalhadora. Estendeu despreocupadamente a mão para a mesa-de-cabeceira. Astorre segurou-lha sem violência e Monza abriu a gaveta e tirou de lá a arma.

― Ouve, Bruno ― continuou Astorre, apaziguadoramente. ― Ninguém vai fazer-te mal. Sei que o teu irmão não te conta estas coisas, mas ontem à noite raptou o meu primo Marc. Por isso agora preciso de ti, para trocar-te por ele. O teu irmão gosta muito de ti, Bruno, fará a troca. Acreditas nisso, não acreditas?

― Claro ― respondeu Bruno. Parecia aliviado.

― Limita-te a não fazer disparates. Agora veste-te.

Quando acabou de vestir-se, Bruno pareceu ter dificuldade com os atacadores dos sapatos.

― O que é que há? ― perguntou Astorre.

― É a primeira vez que calço estes sapatos ― explicou Bruno. ― Geralmente uso uns de enfiar.

― Não sabes atar os sapatos? ― espantou-se Astorre.

― São os primeiros que uso com atacadores.

Astorre riu-se.

― Jesus Cristo! OK., eu trato disso. ― E deixou que Bruno lhe pousasse o pé no joelho.