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Maria olhou para o relógio, e Heidi se deu conta de que precisava falar rápido, ensinar àquela menina bonita à sua frente que as mulheres tinham todo direito de serem felizes, realizadas, para que uma próxima geração pudesse se beneficiar de todas estas conquistas científicas extraordinárias.

- O Dr. Freud não estava de acordo porque não era mulher, e como tinha seu orgasmo no pênis, achava que éramos obrigadas a ter o prazer na vagina. Temos que voltar à origem, aquilo que sempre nos deu prazer: o clitóris e o ponto G! Muito poucas mulheres conseguem ter uma relação sexual satisfatória, de modo que, se você tiver dificuldades em conseguir a alegria que merece, vou lhe sugerir algo: inverta a posição. Deite o seu namorado, e fique sempre por cima; o seu clitóris vai bater com mais força no corpo dele, e você, não ele, estará conseguindo o estímulo de que precisa. Melhor dizendo, o estímulo que merece!

Maria, no entanto, estava apenas fingindo que não prestava atenção na conversa.

Então não era apenas ela! Não tinha nenhum problema sexual, era tudo uma questão de anatomia! Sentiu vontade de beijar a mulher à sua frente, enquanto um peso imenso, gigantesco, saía do seu coração. Que bom ter descoberto isso ainda jovem! Que dia magnífico estava vivendo!

Heidi deu um sorriso conspirador.

- Eles não sabem, mas a gente tamb ém tem uma ereção! O clitóris fica ereto!

"Eles" deviam ser os homens. Maria tomou coragem, já que a conversa estava tão íntima.

- Você já teve alguém fora do casamento?

A bibliotecária levou um choque. Os olhos emitiram uma espécie de fogo sagrado, a pele ficou vermelha, não podia dizer se de raiva ou de vergonha. Depois de algum tempo, porém, a luta entre contar ou fingir terminou. Bastava mudar de assunto.

- Voltemos à nossa ereção: o clitóris! Ele fica rígido, você sabia?

- Desde criança.

Heidi parecia desapontada. Talvez não tivesse prestado muita atenção naquilo.

- E parece que, se você circular o dedo em torno, sem mesmo tocar sua ponta, o prazer pode surgir de maneira mais intensa ainda. Aprenda isso! Os homens que respeitam o corpo de uma mulher vão logo tocando no topo do clitóris, sem saber que isso às vezes pode ser doloroso, você não concorda? Por isso, depois do primeiro ou segundo encontro, logo assuma o controle da situação: fique por cima, decida como e onde a pressão deve ser aplicada, aumente e diminua o ritmo a seu critério. Além disso, uma conversa franca é sempre necessária, segundo o livro que estou lendo.

- A senhora teve uma conversa franca com o seu marido?

Mais uma vez Heidi fugiu da pergunta direta, dizendo que eram outros tempos. Agora estava mais interessada em compartilhar suas experiências intelectuais.

- Procure ver seu clitóris como um ponteiro de relógio, e peça ao seu companheiro para movê- lo entre 11 e 1 hora, está compreendendo?

Sim, sabia do que a mulher estava falando e não concordava muito, embora o livro tampouco estivesse longe da verdade total. Mas assim que ela falou em relógio, Maria olhou o seu, disse que tinha vindo apenas se despedir, pois seu estágio havia terminado. A mulher pareceu não escutá- la.

- Não quer levar este livro sobre o clitóris?

- Não, obrigada. Tenho que pensar em outras coisas.

- E não vai levar nada novo?

- Não. Estou voltando para o meu país, mas queria agradecer por sempre ter me tratado com respeito e compreensão. Até qualquer dia.

Apertaram-se as mãos e se desejaram mutuamente felicidade.

Heidi esperou que a moça saísse, antes de perder o controle e dar um soco na mesa.

Por que não havia aproveitado 0 momento para dividir algo que, do jeito que as coisas iam, terminaria morrendo com ela? Já que a moça tivera coragem de perguntar se algum dia traíra seu marido, por que não responder, agora que estava descobrindo um mundo novo, onde finalmente as mulheres aceitavam que era muito difícil um orgasmo vaginal?

"Bem, isso não é importante. O mundo não é apenas sexo."

Não era a coisa mais importante do mundo, mas era importante, sim. Olhou a sua volta; a grande parte daqueles milhares de livros que a cercavam contava uma história de amor. Sempre a mesma história - alguém que se apaixona, encontra, perde, e volta a encontrar de novo. Almas que se comunicam, lugares distantes, aventura, sofrimento, preocupações, e raramente alguém dizendo "olhe, meu caro senhor, entenda melhor o corpo da mulher". Por que os livros não falavam abertamente disso?

Talvez ninguém estivesse realmente interessado. Porque, para o homem, ele continuaria a buscar a novidade - ainda era o troglodita caçador, que seguia o instinto de reprodutor da raça humana. E para a mulher? Por sua experiência pessoal, a vontade de ter um bom orgasmo com seu companheiro durava apenas os primeiros anos; depois a freqüência diminuía, e nenhuma mulher falava disso, porque achava que era apenas com ela. E mentiam, fingindo que não agüentavam mais o desejo do marido, que pedia para fazer amor todas as no ites. E, ao mentirem, deixavam todas as outras preocupadas.

Logo se dedicavam a pensar em algo diferente: filhos, cozinha, horários, manutenção da casa, contas a pagar, tolerância com as escapadas do marido, viagens nas férias durante as quais ficavam mais preocupadas com os filhos do que consigo mesmas, cumplicidade -

ou até mesmo amor, mas nada de sexo.

Devia ter sido mais aberta com a jovem brasileira, que lhe parecia uma moça inocente, com idade para ser sua filha, e ainda incapaz de compreender o mundo direito.

Uma imigrante, vivendo longe da sua terra, dando duro em um trabalho sem graça, esperando um homem com quem pudesse casar, fingir alguns orgasmos, encontrar a segurança, reproduzir esta misteriosa raça humana, e logo esquecer estas coisas chamadas orgasmo, clitóris, ponto G (descoberto apenas no século XX!!!). Ser uma boa esposa, uma boa mãe, cuidar para que nada faltasse em casa, masturbar-se escondido de vez em quando, pensando no homem que cruzara com ela na rua e a olhara com desejo. Manter as aparências - por que será que o mundo estava tão preocupado com as aparências?

Por isso não respondera à pergunta:

"Você já teve alguém fora do casamento?"

Estas coisas morrem com a gente, pensou. Seu marido sempre fora o homem de sua vida, embora o sexo fosse coisa do passado remoto. Era um excelente companheiro, honesto, generoso, bem- humorado, lutava para sustentar a família, e procurava deixar felizes todos aqueles que estavam sob sua responsabilidade. O homem ideal, com que todas as mulheres sonham, e justamente por isso sentia-se tão mal em pensar que um dia desejara

- e estivera - com outro homem.

Lembrava-se de como o havia encontrado. Estava voltando da cidadezinha de Davos, nas montanhas, quando uma avalanche de neve interrompeu por algumas horas a circulação dos trens. Telefonou, para que ninguém ficasse preocupado; comprou algumas revistas e preparou-se para uma longa espera na estação.

Foi quando viu um homem ao seu lado, com uma mochila e um saco de dormir. Tinha os cabelos grisalhos, a pele queimada de sol, era o único que parecia não estar preocupado com a ausência do trem; muito pelo contrário, sorria e olhava em volta, procurando alguém para conversar. Heidi abriu uma das revistas mas - ah, vida misteriosa! -seus olhos cruzaram rapidamente com os dele, e não conseguiu desviar rápido o bastante para evitar que se aproximasse.

Antes que ela pudesse - educadamente - dizer que realmente precisava terminar um artigo importante, ele começou a falar. Disse que era um escritor, estava voltando de um encontro na cidade, e que o atraso dos trens faria com que perdesse o vôo de volta para o seu país. Quando chegassem a Genève, podia ajudá- lo a encontrar um hotel?