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— Mais ou menos. O meu chefe me falou que decidiram que eu estava sofrendo de esgotamento nervoso por causa do trabalho. Portanto estou de licença médica até me sentir bem para voltar.

— Ah;; E quando será isso?

— Não tenho certeza. Pode me passar o bronzeador?

Ele tinha uma caixinha no bolso. Tirou a caixinha e colocou sobre o braço da cadeira de praia.

— Num instante. Ahm... — Ele fez uma pausa. — Sabe, a gente já fez a parte super embaraçosa disso à queima-roupa. — Abriu a caixinha. — Mas esse é um presente meu para você. Bom, a Rosie me devolveu. A gente pode trocar por uma que você goste. Escolha uma diferente. Talvez nem sirva no seu dedo. Mas é seu. Se você o quiser. E... ahm.. se me quiser.

Ela pegou a caixinha e tirou de lá a aliança de noivado.

— Humpf. Tudo bem. Desde que você não esteja fazendo isso só pra ter o limão de volta.

O Tigre caminhava com seu andar predatório. A cauda agitava-se, irritada, de um lado para o outro enquanto andava para lá e para cá, perto da entrada da caverna. Seus olhos brilhavam como tochas de esmeralda na escuridão.

— O mundo todo, todas as coisas, tudo era meu. A lua, as estrelas, o sol, as histórias. Eu era dono de tudo isso.

— Creio ser de grande importância chamar à sua atenção que você já disse isso — observou uma vozinha no fundo da caverna.

O Tigre parou de andar. Virou-se e foi até o fundo da caverna, fluindo como se fosse um tapete de pêlos sobre molas hidráulicas. Caminhou até chegar perto da carcaça de um boi e, com voz calma, disse:

— Como é que é?

Ouviu-se um som de algo cavando dentro da carcaça. A ponta de um focinho surgiu das costelas.

— Na verdade — começou o ser —, eu estava concordando com você, por assim dizer. Era o que eu estava fazendo. — Pequenas mãos branquinhas puxaram uma faixa fina de carne seca dentre duas costelas, revelando um animal que tinha a cor de neve suja. Talvez fosse um suricato albino, ou algum tipo bastante peculiar de doninha, em sua pelagem de inverno. Tinha olhos de bichinho que comia carniça. — O mundo todo, todas as coisas, tudo era meu. A lua, as estrelas, o sol, as histórias. Eu era dono de tudo isso — continuou o bichinho. — E poderia ser meu de novo.

O Tigre ficou olhando para o pequeno animal. Então, sem aviso, uma de suas enormes patas desceu sobre ele, esmagando as costelas da carcaça, quebrando-a em pequenos fragmentos fétidos, prendendo o animalzinho ao chão. Ele se contorcia, mas não conseguia escapar.

— Você só está aqui — ameaçou o Tigre, seu enorme focinho bem perto da pequenina cabeça do animal branco — porque eu permito. Você entendeu? Porque, da próxima vez que você disser algo que me irrite, eu arranco a sua cabeça.

— Mmmmmf— disse o bicho que se parecia com uma doninha.

— Você não quer que eu morda a sua cabeça e a arranque, certo?

— Nggk— negou o bichinho. Seus olhos eram de um azul pálido, duas lascas de gelo, e brilhavam enquanto se contorcia, incomodado com o peso da pata gigante.

— Então prometa que vai se comportar e ficar quieto — grunhiu o Tigre. Ergueu um pouco a pata para permitir que o animal falasse.

— Sem dúvida — concordou a Coisinha branquela, de um jeito muitíssimo educado. Com um movimento ágil, contorceu-se e enfiou os dentinhos afiados na pata do Tigre. O Tigre urrou de dor e fez um movimento rápido com a pata, o que fez o animalzinho voar pelos ares. Ele bateu no teto de pedra, quicou sobre uma pedra que saía da parede e, de lá, saiu como uma flecha, um vulto branco, encardido, para a parte mais funda da caverna, onde o teto era muito baixo e próximo ao chão, e onde havia muitos lugares para um pequeno animal esconder-se, lugares que um animal maior não conseguiria alcançar.

O Tigre caminhou para o fundo da caverna o mais fundo que pôde.

— Você acha que eu não posso esperar? Você terá que sair daí mais cedo ou mais tarde. E eu não vou a lugar nenhum.

O Tigre deitou-se. Fechou os olhos e logo começou a fazer ruídos de quem dormia, bastante convincentes.

Depois de mais ou menos meia hora de ronco do Tigre, a pálida criatura saiu com cuidado das pedras e foi sorrateiramente de sombra a sombra, tentando alcançar um grande osso que ainda tinha bastante carne, se você não se importasse com a carne rançosa — e o bichinho não se importava. Mesmo assim, para chegar ao osso, teria que passar pela enorme fera. O bicho se escondeu nas sombras. Então se aventurou a chegar perto, com suas patinhas silenciosas.

Quando passou pelo Tigre que dormia, uma pata dianteira ergueu-se e as garras fincaram-se sobre a cauda da criatura, prendendo-a ao chão. A outra segurava o bichinho pelo pescoço. O enorme felino abriu os olhos.

— Pelo jeito, parece que temos que suportar um ao outro. Então tudo o que eu peço é que você se esforce um pouquinho. Nós dois podemos nos esforçar. Duvido que possamos ser amigos, mas talvez sejamos capazes de tolerar um ao outro.

— Compreendo o seu ponto de vista — disse o furãozinho. — Como dizem, a necessidade é a mãe da invenção.

— Isso aí é um exemplo do que eu estou falando — respondeu o Tigre. — Você precisa aprender a ficar com a boca fechada.

— Toda rosa tem seu espinho — continuou o bichinho.

— Agora você está me irritando de novo. Estou tentando explicar. Não me irrite. Assim eu não arranco a sua cabeça.

— Você vive usando essa expressão, “arrancar a cabeça”. Mas, quando diz que vai arrancar a minha cabeça, suponho que na verdade é algum tipo de metáfora. Que você está dizendo que irá, digamos, ralhar comigo?

— Significa arrancar a sua cabeça. Esmagá-la. E comê-la. E depois engolir — respondeu o Tigre. — Nenhum de nós pode sair até que o filho de Anansi esqueça que estamos aqui. E, do jeito que aquele desgraçado planejou tudo, mesmo se eu matar você pela manhã, lá pela tarde você estará reencarnado de novo nessa caverna maldita. Então não me irrite.

— Bom, como dizem, nada como um dia..

— Se você disser “após o outro”, eu ficarei irritado e haverá sérias conseqüências. Não. Diga. Nada. Irritante. Entendeu bem?

Houve um breve silêncio naquela caverna, no fim do mundo. O silêncio foi quebrado por uma vozinha de doninha:

— Absolutotalmente.

Então a voz começou a dizer “aaaau”, mas de repente foi silenciada de vez.

E já não havia mais nada naquele lugar além do som da mastigação.

Algo que nunca nos dizem sobre caixões nos livros, porque sem dúvida não é uma vantagem para as pessoas que os compram, é que são muito confortáveis.

O sr. Nancy estava muito satisfeito com o seu. Agora que toda a agitação acabara, voltou ao seu caixão e tirou um cochilo bem gostoso. De vez em quando, acordava e se lembrava de onde estava. Então virava para o lado e voltava a dormir.

A cova, como já foi dito, é um ótimo lugar. Além disso, proporciona privacidade. E portanto um lugar excelente para relaxar. Sete palmos abaixo da terra, sem dúvida o melhor lugar que há. “Depois de uns 20 anos, mais ou menos”, pensou, “pensaria em sair de lá.”

Abriu um olho quando o funeral começou.

Conseguia ouvi-los lá em cima: Callyanne Higgler e a Sra. Bustamonte, e a outra, a magrinha, sem mencionar a pequena horda de netos, bisnetos e tataranetos, todos cantando, gemendo e chorando baldes por causa da falecida Sra. Dunwiddy.

O sr. Nancy pensou em erguer uma mão através da grama e agarrar o tornozelo de Callyanne Higgler. Era algo que ele sempre quis fazer desde que viu o filme Carrie num drive-in, 30 anos antes. Mas, agora que a oportunidade estava à sua frente, resistiu à tentação. Ela sem dúvida iria gritar, teria um ataque do coração e morreria. Aí aquele Jardim do Repouso ficaria ainda mais cheio do que já estava.

E dava muito trabalho, de qualquer maneira. Havia ótimos sonhos que poderia ter naquele mundo sob o chão. “Vinte anos”, pensou. “Talvez uns 25. Quando chegar essa época”, pensou, “talvez até tenha netos. É sempre interessante ver como os netos saíram.”