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— Para falar a verdade, não achei que pudesse resolver o mistério.

— Não pretendo te agradecer — disse Henrik.

— E eu nem esperava por isso — respondeu Mikael.

— Você foi regiamente pago.

— Não me queixo.

— Fez um trabalho para mim e o salário deveria bastar como agradecimento.

— Vim apenas para dizer que considero o trabalho encerrado. Henrik Vanger fez um trejeito de fingida contrariedade.

— Você ainda não terminou o trabalho — disse.

— Eu sei.

— Não escreveu a crônica da família Vanger, como está no nosso acordo.

— Eu sei. E não vou escrever.

Refletiram em silêncio sobre essa quebra de contrato. Depois Mikael continuou:

— Não posso escrever essa história. Não posso falar da família Vanger e deixar deliberadamente de lado os acontecimentos essenciais das últimas décadas: Harriet, seu pai, seu irmão e os assassinatos. Como poderia escrever um capítulo sobre o empresário Martin Vanger e fazer de conta que não sei o que havia no porão da casa dele? E tampouco posso escrever a história sem destruir mais uma vez a vida de Harriet.

— Entendo seu dilema e agradeço a escolha que fez.

— Portanto vou jogar essa história no lixo. Henrik Vanger assentiu com a cabeça.

— Parabéns — disse Mikael. —Você conseguiu me corromper. Vou destruir todas as minhas anotações e os registros das nossas conversas.

— Não acho que tenha sido corrompido — disse Henrik.

— E como estou me sentindo. E acho que é isso mesmo.

— Precisou escolher entre seu trabalho como jornalista e seu trabalho como ser humano. Eu não teria conseguido comprar seu silêncio. Tenho certeza de que teria escolhido seu papel de jornalista e nos exposto à degradação pública, se Harriet estivesse de algum modo implicada no caso ou se você me considerasse uma pessoa baixa.

Mikael não disse nada. Henrik olhava para ele.

— Informamos Cecília de tudo. Em breve Dirch Frode e eu não estaremos mais aqui e Harriet vai precisar do apoio de alguns membros da família. Cecília passará a participar de forma ativa do conselho administrativo. Ela e Harriet é que dirigirão o grupo no futuro.

— Como ela reagiu quando soube?

— Ficou chocada, evidentemente. Viajou ao exterior por algumas semanas. Achei que não fosse voltar.

— Mas voltou.

— Martin era um dos raros membros da família com quem Cecília sempre havia se dado bem. Foi duro para ela saber a verdade a respeito dele. Cecília agora também sabe o que você fez por nossa família.

Mikael encolheu os ombros.

— Obrigado, Mikael — disse Henrik Vanger.

Mikael encolheu novamente os ombros e depois falou:

— De qualquer forma, eu não conseguiria escrever essa história. A família Vanger me dá náuseas.

Refletiram um pouco, antes de Mikael mudar de assunto.

— Qual a sensação de voltar a ser diretor-executivo depois de vinte e cinco anos?

— E temporário, mas... eu gostaria de ser mais jovem. Agora só trabalho três horas por dia. Todas as reuniões se realizam aqui neste cômodo e Dirch Frode reassumiu seu lugar como meu homem de confiança, caso haja algum problema.

— Os jovens executivos devem estar tremendo. Demorei para entender que Dirch Frode não era apenas um fiel conselheiro econômico, mas alguém que resolve problemas para você.

— Exatamente. Mas todas as decisões são tomadas com Harriet, é ela quem fica no escritório.

— Como ela está? — perguntou Mikael.

— Herdou as partes do irmão e da mãe. Juntos controlamos mais de trinta e três por cento do grupo.

— É o suficiente?

— Não sei. Birger está resistindo e tentando fazê-la tropeçar. Alexander descobriu que tem uma possibilidade de ser importante c aliou-se a Birger. Meu irmão Harald tem um câncer e não vai viver muito. E ele que ocupa o segundo lugar com sete por cento das ações, que passarão aos filhos. Mas Cecília e Anita vão se aliar com Harriet.

— Então controlarão mais de quarenta por cento.

— Nunca houve uma tal aliança de votos na família. E há muitos pequenos acionistas, com um ou dois por cento, que votarão conosco. Harriet deverá me suceder como diretora em fevereiro.

— Fia não fitará feliz.

— Não, mas é necessário. Precisamos de novos parceiros c de sangue novo. Temos também a possibilidade de trabalhar com o grupo dela na Austrália. Os meios existem.

— Onde está Harriet agora?

— Você não teve sorte. Ela está em Londres. Mas tem muita vontade de ver você.

— Eu a verei na reunião do conselho da Millennium em janeiro, se ela o substituir.

— Certo.

— Diga-lhe que nunca falarei com ninguém sobre o que aconteceu em 1966, exceto com Erika Berger.

— Sei disso, e Harriet também sabe. Você é um homem honesto, Mikael.

— Mas diga-lhe também que tudo o que fizer a partir de agora pode aparecer nas páginas da revista se ela não tomar cuidado. O grupo Vanger não estará livre de observação.

— Eu a prevenirei.

Mikael deixou Henrik Vanger quando ele começou a pegar no sono. Pôs seus pertences em duas malas. Fechou a porta da casa dos convidados pela última vez, hesitou um instante, depois foi bater na porta de Cecília Vanger. Ela não estava. Ele pegou sua agenda de bolso, arrancou uma página e rabiscou algumas palavras. Perdoe-me. Desejo-lhe uma vida feliz. Deixou a folhinha de papel com seu cartão de visita na caixa de correspondência. A casa de Martin Vanger estava vazia. Havia uma luminária de Natal acesa na janela da cozinha.

Ele voltou a Estocolmo no trem da noite.

Entre o Natal e o Ano-novo, Lisbeth Salander desconectou-se do mundo. Não atendeu o telefone e não ligou o computador. Passou dois dias lavando suas roupas e arrumando o apartamento. Embalagens de pizza e jornais velhos de um ano foram empacotados e jogados fora. Ao todo, utilizou nessa triagem seis sacos pretos de plástico, grandes, e uns vinte sacos de papel com jornais. Parecia ter decidido começar vida nova. Pretendia comprar um apartamento — quando encontrasse um que lhe conviesse —, mas até lá seu apartamento atual estaria tão reluzente como ela não se lembrava de ter visto.

Depois, ficou como que paralisada, refletindo. Nunca sentira uma vontade como aquela. Queria que Mikael Blomkvist tocasse a campainha e... o quê? Que a erguesse nos braços? Que a levasse apaixonadamente até o quarto e arrancasse suas roupas? Não, na verdade desejava apenas a companhia dele. Queria ouvi-lo dizer que gostava dela como ela era. Que ela era uma pessoa especial no mundo e na vida dele. Queria que lhe fizesse um gesto de amor, não apenas de amizade e camaradagem. Estou ficando doida, pensou.

Ela duvidava de si mesma. Mikael Blomkvist vivia num mundo habitado por pessoas com profissões respeitáveis, que tinham vidas organizadas e talentos de gente adulta. Os amigos de Mikael faziam coisas, apareciam na tevê e produziam grandes manchetes. Para que eu serviria? O maior terror de Lisbeth Salander, tão grande e negro que assumia proporções fóbicas, era que as pessoas rissem de seus sentimentos. E de repente teve a impressão de que todo o seu amor-próprio, tão laboriosamente construído, desmoronava.

Então decidiu-se. Levou várias horas mobilizando a coragem necessária, mas sentia-se na obrigação de vê-lo e de dizer a ele o que sentia.

Todo o resto era insuportável.

Ela precisava de um pretexto para ir à casa dele. Não lhe dera uni presente de Natal, mas sabia o que comprar. Tinha visto num antiquário uma série de cartazes publicitários de metal dos anos 1950, com figuras em relevo. Um dos cartazes mostrava Elvis Presley apoiando a guitarra no quadril e os dizeres: Heartbreak Hotel, Hotel do Coração Partido. Ela não tinha o menor jeito para a decoração, mas sabia que o cartaz caberia perfeitamente na cabana de Sandhamn. Custava setecentas e oitenta coroas e, por princípio, regateou o preço c baixou para setecentas. Fizeram-lhe um pacote, ela o pôs debaixo do braço e foi a pé para o apartamento de Mikael na Bellmansgatan.