Enquanto narrava, Henrik Vanger pegou um álbum com fotos desses personagens. As fotos do começo do século passado mostravam dois homens de queixos vigorosos e cabelos lisos de brilhantina olhando para a câmera sem a menor sombra de um sorriso. Depois prosseguiu:
— Johan Vanger era o gênio da família. Estudou engenharia e desenvolveu a indústria mecânica com várias novas invenções que patenteou. O aço e o ferro passaram a ser a base do grupo, mas a sociedade estendeu seus negócios a outras áreas, como a têxtil. Johan Vanger morreu em 1956 e deixou três filhas, Sofia, Märit e Ingrid, que foram as primeiras mulheres a ter acesso automático à assembléia geral do grupo. O outro irmão, Fredrik Vanger, era meu pai. Ele foi o homem de negócios, o capitão de indústria que transformou as invenções de Johan em rendimentos. Meu pai só morreu em 1964. Participou ativamente da direção até sua morte, ainda que, já nos anos 1950, tivesse me passado a direção do dia-a-dia da empresa. Johan Vanger, ao contrário da geração precedente, teve apenas filhas. — Henrik Vanger mostrou fotos de mulheres com seios generosos, usando sombrinhas e chapéus de abas largas. — E Fredrik, meu pai, teve apenas filhos homens. Éramos cinco irmãos. Richard, Harald, Greger, Gustav e eu.
Para tentar situar-se entre todos os membros da família, Mikael desenhou uma árvore genealógica em algumas folhas tamanho ofício coladas pelas pontas. Assinalou com um marca-texto o nome dos membros presentes na ilha de Hedeby durante a reunião de família em 1966 e que, portanto, ao menos teoricamente, poderiam ter alguma ligação com o desaparecimento de Harriet.
Mikael deixou de lado as crianças com menos de doze anos — partia do princípio de que, qualquer que tenha sido a sorte de Harriet Vanger, ele devia se limitar ao que era plausível. Sem colocar-se muitas questões, omitiu também Henrik Vanger — se o patriarca estivesse implicado no desaparecimento da neta do irmão, seus procedimentos nos últimos trinta e seis anos eram um caso psicopatológico. A mãe de Henrik Vanger, que em 1966 tinha a venerável idade de oitenta e um anos, podia razoavelmente ser riscada também. Os vinte e dois membros restantes da família, segundo Henrik, deviam entrar no grupo dos "suspeitos". Sete já haviam morrido e alguns atingiam idades respeitáveis.
Contudo, Mikael não estava disposto a aceitar sem exame a convicção de Henrik de que um membro da família era o responsável pelo desaparecimento de Harriet. A lista de suspeitos deviam ser acrescentadas outras pessoas.
Dirch Frode começara a trabalhar como advogado de Henrik na primavera de 1962. E, quando Harriet desapareceu, o faz-tudo da época, Gunnar Nilsson — não importa se com um álibi ou não —, tinha dezenove anos e, assim como seu pai, Magnus Nilsson, estava na ilha de Hedeby, do mesmo modo que o artista pintor Eugen Norman e o pastor Otto Falk. E esse Falk, era casado? O fazendeiro de Östergarden, Martin Aronsson, assim como seu filho Jerker Aronsson, se encontravam na ilha e foram próximos de Harriet Vanger ao longo de toda a sua infância. Quais eram as relações deles? Martin Aronsson era casado? Havia outras pessoas na fazenda?
Quando Mikael escreveu todos os nomes, o grupo chegou a umas quarenta pessoas. Com um gesto de frustração, jogou longe o marca-texto. Já eram três e meia da manhã e o termômetro indicava vinte e um graus negativos. A onda de frio parecia querer se instalar. Seu desejo era estar na cama, em sua cama na Bellmansgatan.
Mikael Blomkvist despertou às nove da manhã da quarta-feira, quando o técnico da Telia bateu à sua porta para instalar a linha telefônica e o modem ADSL. Às onze já podia se conectar e não se sentia mais em total desvantagem profissional. O telefone, porém, permanecia mudo. Fazia uma semana que Erika não respondia a seus chamados. Devia estar realmente zangada. Ele também começava a se sentir um pouco teimoso e recusava-se a chamá-la na redação; ao ligar para ela do celular, ela podia ver que era ele e decidir se queria atender ou não. Portanto, ela não queria.
FREDRIK VANGER
(1886-1964)
esp. Ulrika (1885-1969)
JOHAN VANGER
(1884-1956)
esp. Gerda (1888-1960)
Richard (1907-1940)
esp. Margareta (1906-1959)
Gottfried
(1927-1965)
esp. Isabella (1928-)
Martin (1948-)
Harriet (1950-)
Sofia (1909-1977)
esp. Åke Sjögren (1906-1967)
Magnus Sjögren
(1929-1994)
Sara Sjögren (1931-)
Erik Sjögren (1951-)
Håkan Sjogren (1955-)
Harald (1911-)
esp. Ingrid
(1925-1992)
Birger (1939-)
Cecilia (1946-)
Anita (1948-)
Märit (1911-1988)
esp. Algot Giinther
(1904-1987)
Ossian Gunther (1930-)
esp. Agnes (1933-)
Jakob Gunther (1952-)
Greger (1912-1974)
esp. Gerda(1922-)
Ingrid (1916-1990)
esp. Harry Karlman
(1912-1984)
Alexander (1946-)
Gunnar Karlman (1942-)
Maria Karlman (1944-)
Gustav (1918-1955)
solteiro, sem filhos
Henrik(1920-)
esp. Edith (1921-1958)
sem filhos
Seja como for, ele abriu sua caixa de mensagens e passou os olhos pelos trezentos e cinquenta e-mails que lhe haviam sido enviados na última semana. Conservou uma dúzia deles, o resto eram spams ou mailings dos quais era assinante. O primeiro e-mail que abriu era de demokrat88@yahoo.com e dizia: "Espero que nesse buraco te façam chupar muitos paus, seu comunista sujo". Mikael arquivou o e-mail numa pasta intitulada Crítica Inteligente.
Escreveu uma breve mensagem a erika.berger@millenium.se.
[Oi, Ricky. Suponho que está com muita raiva de mim, pois não atende os meus chamados. Quero apenas te dizer que agora estou na internet e podemos conversar por e-mail, se você quiser me perdoar. Fora isso, Hedeby é um lugarzinho rústico que vale uma visita. M.]
Na hora do almoço, pôs o notebook na bolsa e foi até o Café Susanne, onde se acomodou na habitual mesa de canto. Quando Susanne lhe serviu um café com sanduíche, ela lançou um olhar de curiosidade ao computador e perguntou no que ele estava trabalhando. Mikael utilizou pela primeira vez seu pretexto e explicou que Henrik Vanger o contratara para escrever uma biografia. Trocaram algumas palavras polidas. Susanne convidou Mikael a procurá-la quando estivesse preparado para as verdadeiras revelações.
— Atendo os Vanger há trinta e cinco anos e conheço a maior parte dos mexericos da família — ela falou, antes de voltar à cozinha com um passo meio gingado.
O quadro que Mikael desenhou indicava que a família Vanger não cessava de produzir novos rebentos. Somando os filhos, netos e bisnetos — que ele nem se deu o trabalho de mencionar —, os irmãos Fredrik e Johan Vanger tinham cerca de cinquenta descendentes. Mikael constatou também que havia na família uma tendência à longevidade. Fredrik Vanger morrera com setenta e oito anos, seu irmão Johan com setenta e dois. Ulrika Vanger falecera com oitenta e quatro. Dos dois irmãos ainda vivos, Harald tinha noventa e dois anos e Henrik Vanger oitenta e dois.
A única exceção fora Gustav, o irmão de Henrik, morto de uma doença pulmonar aos trinta e sete anos. Henrik explicou que Gustav sempre tivera a saúde frágil e seguira seu próprio caminho, um pouco à margem do resto da família. Não se casou nem teve filhos.
Quanto aos demais, os que morreram jovens não sucumbiram a doenças, mas por outros motivos. Richard Vanger foi morto como voluntário durante a guerra de Inverno da Finlândia, com trinta e quatro anos. Gottfried Vanger, o pai de Harriet, havia se afogado um ano antes do desaparecimento da filha. E a própria Harriet tinha então somente dezesseis anos. Mikael notou a estranha coincidência nesse ramo da família em que avô, pai e filha foram vítimas de acidentes. De Richard restava apenas Martin Vanger, que aos cinquenta e cinco anos continuava solteiro e sem filhos. Henrik Vanger informou, porém, que Martin tinha uma companheira, uma mulher que morava em Hedestad.