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Martin tinha dezoito anos quando a irmã desapareceu. Fazia parte dos raros parentes próximos que, com toda a certeza, não podiam ter ligação alguma com o desaparecimento. Naquele outono, ele morava em Uppsala, onde concluía o colegial. Devia participar da reunião de família, mas só chegou no fim da tarde e ficou retido do outro lado da ponte durante a hora crítica em que a irmã evaporou.

Mikael notou duas outras particularidades na árvore genealógica. A primeira é que os casamentos pareciam ser vitalícios; nenhum membro da família Vanger se divorciara nem voltara a se casar, mesmo quando o parceiro havia morrido jovem. Perguntou-se qual a frequência disso em termos estatísticos. Cecilia Vanger estava separada do marido havia vários anos, mas, se Mikael tinha entendido bem, ainda eram casados.

A outra particularidade é que a família parecia geograficamente dividida entre "homens" e "mulheres". Os descendentes de Henrik Vanger, aos quais Henrik pertencia, tradicionalmente haviam desempenhado papel de destaque na empresa e morado principalmente em Hedestad ou arredores. Os membros do ramo Johan Vanger — apenas mulheres na primeira geração — espalharam-se por outros cantos do país; moravam em Estocolmo, Malmö e Göteborg ou no exterior, e só vinham a Hedestad para as férias de verão e as reuniões importantes do grupo. A única exceção era Ingrid Vanger, cujo filho Gunnar Karlman morava em Hedestad. Era o redator-chefe do jornal local, o Hedestads-Kuriren.

Na conclusão de seu inquérito pessoal, Henrik observava que o "motivo por trás do assassinato de Harriet" devia ser buscado, talvez, na estrutura da empresa e no fato de ele ter assinalado muito cedo as qualidades excepcionais de Harriet. A intenção talvez fosse prejudicar o próprio Henrik, ou então Harriet descobrira uma espécie de informação delicada relativa ao grupo e se convertera numa ameaça para alguém. Tudo isso não passava de especulação, mas, partindo dessa hipótese, ele identificou um círculo de treze pessoas que apresentava como "particularmente interessantes".

A conversa da véspera com Henrik Vanger também esclarecera Mikael sobre outro ponto. Desde a primeira conversa, o velho falara da família em termos tão desdenhosos e degradantes que chegava a ser estranho. Mikael se perguntara se as suspeitas do patriarca sobre a família, quanto ao desaparecimento de Harriet, haviam afetado seu juízo, mas agora começava a entender que a avaliação de Henrik era, na verdade, de uma clarividência estupenda.

A imagem que começava a se esboçar revelava uma família bem-sucedida social e economicamente, mas claramente cheia de disfunções no cotidiano.

O pai de Henrik Vanger, homem frio e insensível, trouxera os filhos ao mundo e depois delegara à esposa o cuidado com sua educação e seu bem-estar. Eles raramente viam o pai antes de completarem dezesseis anos, exceto nas festas de família às quais deviam comparecer e ficar invisíveis. Henrik Vanger não se lembrava do pai manifestando, de alguma maneira, algum tipo de amor; ao contrário, várias vezes Henrik fora chamado de incompetente e recebera críticas arrasadoras. Castigos corporais eram raros por serem desnecessários. Só veio a ganhar o respeito do pai mais tarde, quando passou a trabalhar para o grupo Vanger.

O irmão mais velho, Richard, se revoltara. Após uma disputa cujo motivo nunca foi discutido em família, Richard partiu para Uppsala com a intenção de lá estudar. Foi quando iniciou sua carreira nazista, já mencionada por Henrik a Mikael, e que mais tarde o levaria às trincheiras da guerra de Inverno da Finlândia.

O que o velho ainda não havia contado é que dois outros irmãos tomaram caminhos idênticos.

Harald Vanger e seu irmão Greger seguiram os passos do irmão mais velho em Uppsala, em 1930. Harald e Greger eram muito próximos, mas Henrik Vanger não sabia dizer se conviveram muito com Richard. O certo é que os irmãos aderiram ao movimento fascista de Per Engdahl, a Nova Suécia. Harald Vanger manteve-se leal a Per Engdahl ao longo dos anos, primeiro na União Nacional da Suécia, depois na Oposição sueca e, por fim, no Movimento neo-sueco, desde sua fundação, no final da guerra. Continuou como membro até a morte de Per Engdahl nos anos 1990 e em alguns períodos foi um dos mais importantes financiadores do fascismo sueco remanescente.

Harald Vanger formou-se médico em Uppsala e em seguida envolveu-se com grupos entusiastas por higiene e biologia racial. Em certa época, trabalhou no instituto sueco de biologia das raças e, como médico, foi um agente de primeira ordem na campanha de esterilização dos elementos indesejáveis da população.

Declaração de Henrik Vanger, cassete 2, 02950:

Harald foi mais longe ainda. Em 1937, foi co-autor sob pseudônimo, graças a Deus! de um livro intitulado A Nova Europa dos povos. Fiquei sabendo disso só nos anos 1970. Tenho uma cópia que você pode ler. E provavelmente um dos livros mais ignóbeis já publicados na Suécia. Harald não argumenta apenas a favor da esterilização, mas também da eutanásia uma ajuda ativa para morrer direcionada às pessoas que perturbavam seu gosto estético e não se adaptavam à sua imagem do sueco perfeito. Ou seja, um arrazoado a favor do massacre, redigido numa prosa acadêmica impecável e contendo todos os argumentos médicos necessários. Livremo-nos dos retardados. Não deixemos a população dos lapões aumentar; eles possuem genes mongóis. Os doentes mentais aceitarão a morte como uma libertação, não é mesmo? Mulheres de maus costumes, vagabundos, ciganos e judeus pode-se ter uma idéia do quadro. Nos fantasmas do meu irmão, Auschwitz podia ser aqui mesmo, na Dalecarlia.

Depois da guerra, Greger Vanger se tornou professor e mais tarde diretor do colégio de Hedestad. Henrik achava que ele havia abandonado o nazismo após a guerra e se tornado apolítico. Morreu em 1974, e só quando Henrik examinou seus papéis é que ficou sabendo, pelas cartas conservadas, que nos anos 1950 seu irmão aderira ao Partido Nórdico Nacional, o NRP, uma seita sem importância política mas totalmente desmiolada, da qual foi membro até falecer.

Declaração de Henrik Vanger, cassete 2, 04167: "Três dos meus irmãos eram, portanto, politicamente dementes. Até onde iria a doença deles em outras circunstâncias?"'.

O único irmão benquisto, em certa medida, por Henrik Vanger, era Gustav, de saúde frágil e vítima de uma doença pulmonar em 1955. Gustav não se interessava por política e era visto sobretudo como um espírito artístico distante do mundo, sem o menor interesse pelos negócios nem por uma atividade no grupo Vanger. Mikael perguntou a Henrik:

— Restam apenas você e Harald hoje. Por que ele voltou a morar em Hedeby?

— Ele voltou em 1979, pouco antes de seus setenta anos. A casa lhe pertence.

— Deve ser estranho viver tão perto de um irmão odiado. Henrik Vanger olhou Mikael, surpreso.

— Você me entendeu mal. Não odeio meu irmão. Na verdade, tenho pena dele; é um perfeito imbecil. E ele quem me odeia.

— Ele odeia você?

— Muito. Acho que foi por isso que voltou a viver aqui. Para poder passar seus últimos anos me odiando de perto.

— Por que ele te odeia?

— Porque me casei.

— Acho que terá que me explicar isso.