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Mikael examinou seus olhos, não sabendo muito bem aonde ela queria chegar.

— Opõe-se a que escrevam um livro sobre sua família?

— Eu não disse isso. E certamente minha opinião não tem a menor importância. Mas acho que já deve ter percebido que nem sempre foi muito fácil ser uma Vanger.

Mikael não tinha nenhuma idéia do que Henrik dissera e em que medida Cecilia conhecia seu trabalho. Afastou as mãos num gesto de escusa:

— Fui procurado por Henrik para escrever uma crônica familiar. Henrik tem opiniões acirradas sobre vários membros da família, mas pretendo me ater aos fatos comprovados.

Cecilia Vanger sorriu, porém de forma pouco calorosa.

— O que eu gostaria de saber é se devo escolher o exílio e emigrar quando o livro sair.

— Creio que não — respondeu Mikael. — As pessoas são capazes de ver a diferença entre uma pessoa e outra.

— Como meu pai, por exemplo.

— Seu pai, o nazista? — perguntou Mikael. Cecilia Vanger levantou os olhos para o céu.

— Meu pai é louco. Só o vejo uma ou duas vezes por ano, embora nossas casas sejam vizinhas.

— Por que não quer vê-lo?

— Antes de me fazer um monte de perguntas, diga: tem a intenção de citar o que estou dizendo? Ou podemos ter apenas uma conversa normal sem que eu precise ter medo de ser apresentada como uma imbecil?

Mikael hesitou um segundo, não muito seguro de que esclarecimento devia dar.

— Meu trabalho é escrever um livro que começa quando Alexander Vangeersad desembarca com Bernadotte e vem até os dias de hoje. Ele acompanhará o império industrial dos Vanger ao longo de muitas décadas, mas evidentemente também falará da razão pela qual o império está desmoronando e das divergências que existem no seio da família. Nesse tipo de relato, é impossível evitar que a lama venha à tona. O que não significa que farei um retrato abominável da senhora nem que traçarei uma imagem infame da família. Estive com Martin Vanger, por exemplo. Achei-o um homem simpático e pretendo descrevê-lo como tal.

Cecilia Vanger não respondeu.

— Tudo que sei a seu respeito é que é professora...

— Pior que isso; sou diretora de colégio em Hedestad.

— Desculpe. Sei que Henrik a quer muito bem, que é casada mas está separada... e é mais ou menos tudo. Claro que poderá falar comigo sem medo de ser citada ou lançada ao escândalo. Contudo, com certeza a procurarei algum dia para pedir que me conte sobre determinado acontecimento, porque necessito da sua versão. Mas direi claramente quando fizer uma pergunta desse gênero.

— Então posso lhe falar... off the record, como dizem.

— Com certeza.

— E isto é off the record?

— A senhora é apenas uma vizinha que veio me dar bom-dia e tomar uma xícara de café, nada mais.

— Perfeito. Será que posso lhe perguntar uma coisa?

— Fique à vontade.

— Até que ponto esse livro falará sobre Harriet Vanger?

Mikael mordeu o lábio inferior e hesitou. Tentou permanecer tranquilo.

— Para ser sincero, não sei. É verdade que haverá talvez um capítulo... afinal foi um acontecimento dramático, não se pode negar, e que influenciou pelo menos Henrik Vanger.

— Mas não está aqui para investigar o desaparecimento dela?

— O que a faz pensar assim?

— Bem, o fato de Gunnar Nilsson ter trazido para cá quatro caixas volumosas. Suponho que seja o conjunto das pesquisas pessoais de Henrik ao longo dos anos. Quando dei uma espiada no antigo quarto de Harriet onde Henrik costuma guardar sua coleção, ela não estava mais lá.

Cecilia não era boba.

— Preferiria que discutisse isso com Henrik e não comigo — respondeu Mikael. — De todo modo, é claro que Henrik me falou bastante sobre o desaparecimento da menina, e acho interessante ler os documentos a respeito.

Cecilia mais uma vez esboçou um sorriso triste.

— Às vezes me pergunto quem é o mais louco, se meu pai ou meu tio. Cansei de ouvi-lo falar milhares de vezes sobre o desaparecimento de Harriet.

— O que acha que aconteceu com ela?

— Essa pergunta faz parte da entrevista?

— Não — disse Mikael, rindo. — Apenas curiosidade.

— O que eu gostaria de saber é se o senhor também é maluco. Se aderiu ao raciocínio de Henrik ou se está instigando Henrik.

— Está querendo dizer que Henrik é maluco?

— Não me entenda mal. Henrik é um dos homens mais calorosos e gentis que conheço. Gosto imensamente dele. Mas, quando se trata desse assunto, ele é obsessivo.

— Uma obsessão, cá para nós, que parece ter fundamento. Harriet realmente desapareceu.

— É que estou simplesmente farta de toda essa história. Ela envenenou nossas vidas durante tantos anos e não acaba nunca.

Levantou-se de repente e vestiu seu casaco de pele.

— Preciso ir. O senhor me pareceu simpático. Foi o que Martin também disse, mas o julgamento dele nem sempre é o melhor. Passe para tomar um café quando quiser. À noite estou quase sempre em casa.

— Obrigado — disse Mikael. Quando ela se encaminhava para a porta de entrada, ele falou às suas costas: — Não respondeu à minha pergunta, que, afinal, não era uma pergunta de entrevista.

Ela se deteve diante da porta e respondeu sem olhar para ele:

— Não faço a menor idéia do que aconteceu a Harriet. Mas acho que foi um acidente com uma explicação tão simples e banal que vamos ficar surpresos quando um dia soubermos a resposta.

Virou-se e sorriu para ele — pela primeira vez com calor. Depois acenou com a mão e partiu. Mikael permaneceu imóvel à mesa, pensativo. Cecilia Vanger era uma das pessoas relacionadas na lista de membros da família presentes à ilha quando Harriet Vanger desapareceu.

Se conhecer Cecilia Vanger foi relativamente agradável, o mesmo não aconteceu com Isabella Vanger. Com setenta e cinco anos, a mãe de Harriet Vanger era uma mulher muito elegante, uma espécie de Lauren Bacall idosa. Magra, vestindo um casaco de astracã preto e um gorro que combinava com ele, apoiava-se numa bengala preta quando Mikael topou com ela, uma manhã, ao dirigir-se ao Café Susanne. Ele pensou num vampiro começando a envelhecer, de uma beleza impressionante mas venenosa como uma serpente. Isabella parecia estar voltando para casa após uma caminhada; ela o chamou quando se cruzaram.

— Você aí, moço! Venha cá.

Difícil equivocar-se quanto ao tom de comando. Mikael olhou ao redor e concluiu que ele é que estava sendo chamado. Aproximou-se.

— Sou Isabella Vanger — anunciou a mulher.

— Bom dia, meu nome é Mikael Blomkvist. — E estendeu uma mão que ela ignorou soberbamente.

— Você é o sujeito que está remexendo na história da nossa família?

— Digamos que sou o sujeito que Henrik Vanger procurou para ajudá-lo a fazer o histórico da família Vanger.

— Não é um assunto que lhe compete.

— Qual é o problema? O fato de Henrik ter me procurado ou de eu ter aceitado? No primeiro caso, acho que isso diz respeito a Henrik; no segundo, o problema é meu.

— Sabe muito bem o que estou querendo dizer. Não gosto de gente vasculhando a minha vida.

— Não vou vasculhar a sua vida. Além do mais, deve discutir isso com Henrik.

Isabella Vanger ergueu subitamente a bengala e bateu no peito de Mikael com o castão. Um golpe sem violência, mas a surpresa o fez recuar um passo.

— Mantenha-se a uma boa distância de mim.

Isabella Vanger girou os calcanhares e prosseguiu em direção à sua casa. Mikael continuou pregado no lugar, com o rosto imóvel como se tivesse acabado de conhecer um personagem de quadrinhos em carne e osso. Mikael moveu os olhos e avistou Henrik Vanger na janela de seu escritório. Tinha uma xícara de café na mão, que levantou com ironia. Mikael afastou as mãos num gesto de impotência, balançou a cabeça e retomou o caminho em direção ao Café Susanne.

A única viagem que Mikael fizera durante o primeiro mês foi uma excursão de um dia às margens do lago Siljan. Tomou emprestado o Mercedes de Dirch Frode e rodou numa paisagem nevada para passar uma tarde em companhia do inspetor Gustav Morell. Mikael tentara fazer uma idéia de Morell baseando-se na impressão que emanava do inquérito policial; encontrou um velho encurvado que se movia devagar e falava ainda mais devagar. Mikael rabiscara num bloco umas dez perguntas que lhe ocorrera fazer depois da leitura do inquérito. Morell forneceu uma resposta didática a cada pergunta. No final, Mikael deixou o bloco de lado e explicou ao inspetor aposentado que aquelas perguntas tinham sido apenas um pretexto para visitá-lo. O que ele queria realmente era conversar e poder lhe fazer a única pergunta fundamentaclass="underline" havia algo no inquérito que ele não pusera no papel, alguma reflexão ou intuição que pudesse lhe transmitir?