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— Por que não participa mais dos jornais? — perguntou Mikael.

— Reestruturação nos anos 1960. A atividade jornalística era mais um hobby do que um interesse. Quando precisamos reduzir o orçamento, foi um dos primeiros bens que pusemos à venda nos anos 1970. Mas sei o que significa estar à frente de um periódico... Posso fazer uma pergunta pessoal?

A pergunta era dirigida a Erika, que levantou uma sobrancelha e com um gesto convidou Vanger a prosseguir.

— Não perguntei a Mikael sobre isso e, se não quiserem responder, não se sintam obrigados. Gostaria de saber por que se meteram nesse lodaçal. Havia ou não uma história?

Mikael e Erika trocaram olhares. Desta vez, Mikael é que parecia ter um ar insondável. Erika hesitou um segundo antes de falar.

— Tínhamos uma história. Mas na verdade estávamos abordando outra. Henrik Vanger balançou a cabeça, como se entendesse perfeitamente.

Mas o próprio Mikael não entendia.

— Não quero falar sobre isso — interveio Mikael. — Fiz minhas investigações e escrevi o texto. Tinha todas as fontes necessárias. E aí a coisa desandou.

— Mas tinha uma fonte para tudo o que escreveu?

Mikael assentiu com a cabeça. A voz de Henrik tornou-se incisiva de repente.

— Não vou fingir que entendo como conseguiu meter o pé em cima dessa mina. Não conheço nenhuma história similar, exceto talvez o caso Lundhall no Expressen, nos anos 1960, se é que já ouviram falar dele, pois são muito jovens. Seu informante também era um perfeito mitômano? — Ele balançou a cabeça e voltou-se para Erika, baixando a voz. — Já fui editor de periódicos e posso voltar a ser. O que acha de ter mais um sócio?

A pergunta foi como um relâmpago num céu azul, mas Erika não pareceu nem um pouco surpresa.

— O que está querendo dizer?

Henrik Vanger evitou a pergunta fazendo outra.

— Quanto tempo ficará em Hedestad?

— Até amanhã.

— O que é que você acha — você e Mikael, claro — de fazer um velho feliz e vir jantar comigo esta noite? Às sete?

— Por mim tudo bem. Viremos com prazer. Mas o senhor se esquivou da pergunta que eu fiz. Por que deseja se associar à Millennium?

— Não me esquivei da pergunta. Achei que poderíamos falar sobre isso no jantar. Preciso discutir com meu advogado, Dirch Frode, antes de propor algo mais concreto. Mas, para resumir, digamos que tenho dinheiro para investir. Se a revista sobreviver e começar a ser rentável, terei lucro. Caso contrário... bem, já sofri perdas bem maiores que essa na vida.

Mikael ia abrir a boca quando Erika pôs a mão em seu joelho.

— Mikael e eu sempre lutamos para ser inteiramente independentes.

— Bobagem. Ninguém é inteiramente independente. Mas não estou querendo me apossar da revista e não estou interessado no conteúdo. Aquele cretino do Stenbeck encheu os bolsos publicando Moderna Tider; por que não posso ajudar a Millennium, que, além do mais, é uma boa revista?

— Há alguma relação com Wennerström? — perguntou Mikael subitamente. Henrik Vanger sorriu.

— Mikael, tenho mais de oitenta anos. Há coisas que lamento não ter feito e pessoas que lamento não ter importunado um pouco mais. Mas, voltando ao assunto — e virou-se novamente para Erika —, esse investimento inclui pelo menos uma condição.

— Qual? — disse Erika.

— Mikael deve reassumir seu posto de editor responsável.

— Não — disse Mikael de pronto.

— Sim — disse Henrik Vanger num tom igualmente firme. — Wennerström terá um ataque se divulgarmos um comunicado à imprensa anunciando que as empresas Vanger apóiam a Millennium e que, ao mesmo tempo, você reassume como editor responsável. Será o sinal mais claro que podemos enviar. Todo mundo vai entender que não se trata de tomada de poder e que a política editorial permanecerá a mesma. E isso dará aos anunciantes que pensam em se retirar uma razão para refletir um pouco mais. Wennerström não é todo-poderoso. Ele também tem inimigos, e algumas empresas vão achar que é o momento de buscar espaço na revista.

— Afinal, que história maluca é essa? — disparou Mikael no momento em que Erika fechou a porta de entrada.

— É o que chamam de sondagem preliminar tendo em vista um acordo comercial — ela respondeu. — Você não me contou que Henrik era tão irresistível.

Mikael plantou-se bem na frente dela.

— Ricky, você já sabia exatamente qual seria o tema dessa conversa.

— Acalme-se, meu bem! São apenas três da tarde e quero que se ocupem muito bem de mim antes do jantar.

Mikael Blomkvist fervia de cólera. Mas ele nunca conseguiu ficar furioso com Erika por muito tempo.

Erika usava um vestido preto, um casaquinho e escarpins, que, por precaução, pusera na sacola de viagem. Insistiu para que Mikael vestisse paletó e gravata. Ao chegarem na hora marcada à casa de Henrik Vanger, viram que Dirch Frode e Martin Vanger também tinham sido convidados, ambos de terno e gravata, enquanto Henrik vestia gravata-borboleta e uma malha de lã marrom.

— A vantagem de ter mais de oitenta anos é que ninguém ousa criticar a sua maneira de vestir — ele observou.

Erika mostrou excelente humor durante todo o jantar.

A discussão só começou de fato quando passaram a uma sala com lareira e o conhaque foi servido em todos os copos. Falaram durante cerca de duas horas, até o rascunho de um acordo ser esboçado.

Dirch Frode criaria uma sociedade em nome de Henrik Vanger, cujo conselho administrativo seria formado por ele mesmo, Frode e Martin Vanger. Durante quatro anos, a sociedade investiria uma soma de dinheiro que cobriria a diferença entre as receitas e as despesas da Millennium. O dinheiro viria dos recursos pessoais de Henrik Vanger. Em contrapartida, ele teria uma posição determinante no conselho administrativo da revista. O acordo seria válido por quatro anos, mas poderia ser rescindido pela Millennium depois de dois. Tal rescisão, porém, custaria caro, pois a parte de Henrik só poderia ser resgatada adquirindo-se a totalidade da soma investida.

Em caso da morte súbita de Henrik Vanger, Martin Vanger o substituiria no conselho administrativo durante o período de vigência do contrato. Martin decidiria, chegado o momento, se estenderia ou não o acordo além desse prazo. Martin parecia tentado pela possibilidade de dar o troco a Hans-Erik Wennerström, e Mikael se perguntou em que realmente consistia a disputa entre eles.

Estabelecido o acordo preliminar, Martin encheu novamente os copos com conhaque. Henrik aproveitou para se inclinar em direção a Mikael e explicar em voz baixa que o acordo não afetava de maneira nenhuma o contrato entre os dois.

Também ficou decidido que para que essa reorganização tivesse o máximo de repercussão na imprensa ela seria anunciada em meados de março, no mesmo dia em que Mikael Blomkvist fosse para a prisão. Associar um acontecimento necessariamente negativo com uma reestruturação era tão estranho do ponto de vista da comunicação, que só poderia confundir os detratores de Mikael e dar o máximo de audiência à chegada de Henrik Vanger à Millennium. O sinal seria claramente percebido deste modo: retirava-se a bandeira amarela da peste que pairava sobre a redação e a revista tinha protetores que não estavam dispostos a ceder. Por mais que as empresas Vanger estivessem em crise, elas continuavam sendo um grupo industrial de peso e capaz de ter atuação pública se necessário.

Toda a conversa foi uma discussão entre Erika, de um lado, e Henrik e Martin, de outro. Ninguém pediu a opinião de Mikael.

Mais tarde, à noite, Mikael estava apoiado sobre o peito de Erika e a fitava com olhos inquiridores.

— Há quanto tempo você e Henrik vinham discutindo esse acordo? — perguntou.

— Há cerca de uma semana — ela respondeu sorrindo.