Cecilia Vanger serviu o café e perguntou se Mikael estava com fome. Ele respondeu que já tinha comido; o que era verdade, a não ser por um detalhe: ele andava se alimentando de sanduíches em vez de preparar refeições de verdade. Mas não estava com fome.
— Então, o que o traz aqui? Chegou a hora de me fazer as famosas perguntas?
— Para falar a verdade... não vim fazer perguntas. Acho que estava simplesmente com vontade de vê-la.
Cecilia Vanger sorriu, surpresa.
— Você foi condenado à prisão, trocou Estocolmo por Hedeby, anda mergulhado nos arquivos favoritos de Henrik, não dorme à noite, faz longas caminhadas noturnas debaixo de um frio de rachar... esqueci alguma coisa?
— Minha vida é um trem fora dos trilhos. — Mikael retribuiu o sorriso.
— Quem é a mulher que veio vê-lo no fim de semana?
— Erika... a dona da Millennium.
— Sua namorada?
— Não exatamente. Ela é casada. Sou mais um amigo e um amante ocasional.
Cecilia Vanger deu uma gargalhada.
— O que é tão engraçado?
— O modo como você disse isso. Amante ocasional. Adorei a expressão. Mikael riu. Essa Cecilia Vanger decididamente lhe agradava.
— Gostaria muito de ter um amante ocasional — ela disse.
Descalçou as pantufas e pôs o pé sobre o joelho de Mikael. Maquinalmente ele pegou o pé dela e acariciou sua pele. Hesitou um segundo — sentiu que navegava em águas inesperadas e incertas. Mas com o polegar começou a massagear com suavidade a planta do pé de Cecilia Vanger.
— Também sou casada — disse ela.
— Eu sei. Ninguém se divorcia no clã Vanger.
— Não vejo meu marido há quase vinte anos.
— O que aconteceu?
— Não te interessa. Não faço amor há... humm... digamos, há uns três anos.
— Você me surpreende.
— Por quê? É uma questão de oferta e procura. Não estou nem um pouco interessada em ter um namorado, um marido legítimo ou um companheiro. Sinto-me bem comigo mesma. Com quem eu faria amor? Com um dos professores da escola? Duvido. Com um aluno? Seria um assunto delicioso para as fofocas da cidade. Todos vigiam de perto os Vanger. E aqui em Hedebyön moram apenas membros da família ou pessoas já casadas.
Ela se inclinou para a frente e enlaçou os braços no pescoço dele.
— Estou chocando você?
— Não. Mas não sei se é uma boa idéia. Trabalho para o seu tio.
— E eu seria certamente a última pessoa a contar para ele. Mas é bem provável que Henrik não tivesse nada contra.
Ela sentou de pernas abertas sobre os joelhos de Mikael e o beijou na boca. Os cabelos ainda estavam úmidos e cheiravam a xampu. Ele demorou um pouco para abrir os botões da camisa de flanela, descobrindo-lhe os ombros. Ela não se dera o trabalho de pôr sutiã. Quando ele tocou seus seios, ela estreitou o corpo contra o dele.
O advogado Bjurman contornou a mesa e mostrou-lhe o extrato da conta, cujo saldo ela conhecia até o último centavo, mas do qual não podia mais dispor livremente. Ele se mantinha de pé às suas costas. Súbito, começou a acariciar a nuca de Lisbeth, deslizando a mão sobre o ombro esquerdo e o seio dela. Pôs a outra mão sobre o seio direito e a deixou ali. Como ela não protestou, ele apertou o seio. Lisbeth Salander não se mexia. Sentiu o hálito dele em sua nuca e olhou para o cortador de papel em cima da mesa; poderia facilmente atingi-lo com a mão livre.
Mas não fez nada. Uma coisa que Holger Palmgren lhe ensinara ao longo dos anos era que atos impulsivos traziam problemas, e problemas podiam trazer consequências desagradáveis. Ela nunca fazia nada sem antes pesar as consequências.
Esse primeiro abuso sexual — em termos jurídicos podia ser qualificado como abuso sexual e de poder sobre uma pessoa dependente, e teoricamente podia significar até dois anos de prisão para Bjurman — durou apenas alguns segundos. O suficiente, porém, para transpor, sem volta, uma fronteira. Lisbeth Salander entendeu isso como a demonstração de força de uma tropa inimiga — um modo de deixar claro que, para além da relação jurídica cuidadosamente estabelecida, ela estava à mercê da boa vontade dele, e desarmada. Quando seus olhos se cruzaram alguns segundos depois, a boca de Bjurman estava entreaberta e ela viu desejo em seu rosto. O rosto de Salander não traía o menor sentimento.
Bjurman contornou novamente a mesa e sentou-se em sua confortável cadeira de couro.
— Não posso te passar cheques assim, sem mais — disse abruptamente. — Por que você precisa de um computador tão caro? Há equipamentos bem mais baratos nos quais você pode instalar seus jogos.
— Quero dispor do meu dinheiro como antes. Bjurman lançou-lhe um olhar cheio de piedade.
— Veremos isso mais tarde. Primeiro você precisa aprender a ser sociável e a se entender com as pessoas.
O sorriso do dr. Bjurman certamente teria se contraído um pouco se ele pudesse ler os pensamentos de Lisbeth por trás de seus olhos inexpressivos.
— Acho que podemos ser bons amigos — disse Bjurman. — Precisamos confiar um no outro.
Como ela não respondeu, ele foi mais explícito.
— Você agora é uma mulher adulta, Lisbeth.
Ela fez que sim com a cabeça.
— Venha cá — disse ele, estendendo-lhe uma mão.
Lisbeth Salander pôs novamente os olhos no cortador de papel por alguns segundos antes de se levantar e ir até lá. Consequências. Ele pegou a mão dela e a pôs em seu púbis. Ela sentiu o membro através da calça de gabardine escura.
— Se for gentil comigo, serei gentil com você — ele disse.
Ela estava rígida como um tronco quando ele pôs a outra mão atrás de sua nuca e forçou-a a ajoelhar-se, o rosto diante do púbis.
— Já fez esse tipo de coisa, não fez? — ele perguntou, abrindo a braguilha. Ela percebeu que ele se lavara com água e sabonete.
Lisbeth Salander virou o rosto para o lado e tentou se levantar, mas ele a reteve com firmeza. Na força pura, não podia medir-se com ele; pesava quarenta e dois quilos contra os noventa e cinco dele. Ele pegou a cabeça de Lisbeth com as mãos e virou-lhe o rosto para vê-la bem nos olhos.
— Se você for gentil comigo, serei gentil com você — repetiu. — Se me criar problemas, posso fazê-la ficar internada com os loucos o resto da sua vida. Gostaria disso?
Ela não respondeu.
— Gostaria disso? — ele repetiu.
Ela balançou negativamente a cabeça.
Bjurman esperou até que ela abaixasse o olhar, submissa, ele pensou. Depois a puxou para junto de si. Lisbeth Salander descerrou os lábios e pôs o membro na boca. Em momento nenhum ele deixou de segurá-la pela nuca e de pressioná-la violentamente. Ela se sentiu como que amordaçada ao longo dos dez minutos em que ele se agitou até finalmente ejacular; ele a segurara com tanta força que ela mal pôde respirar.
Bjurman deixou-a usar um pequeno banheiro anexo ao gabinete. O corpo inteiro de Lisbeth Salander tremia quando ela lavou o rosto e tentou limpar as manchas do pulôver. Usou o dentifrício dele para tirar o gosto da boca. Ao voltar ao gabinete, encontrou-o instalado à mesa, folheando papéis, como se nada tivesse acontecido.
— Sente-se, Lisbeth — ele disse, sem olhar para ela. Ela sentou-se. Finalmente ele olhou para ela e sorriu.
— Você agora é adulta, não é, Lisbeth?
Ela assentiu com a cabeça.
— Então deve ser capaz de jogar jogos de adultos — ele disse, como se falasse com uma criança.
Lisbeth não respondeu. Uma pequena ruga se formou na testa de Bjurman.
— Acho que não seria uma boa idéia falar dos nossos jogos a outra pessoa. Pense bem: quem acreditaria em você? Há papéis que comprovam sua irresponsabilidade. — Como ela não respondeu, ele prosseguiu: — Seria a sua palavra contra a minha. Qual delas você acha que pesaria mais?
Ele suspirou diante da obstinação dela em não responder. De repente ficou irritado de vê-la sentada ali, muda, com os olhos fixos nele. Mas controlou-se.