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Mas elas se divertiam sempre que se encontravam. Se havia um lugar ao qual sentia uma espécie de pertencimento, era na companhia das Evil Fingers e, por extensão, na companhia dos rapazes que constituíam o círculo de amigos do grupo.

As Evil Fingers a escutariam e se mobilizariam a seu favor. Mas elas ignoravam que Lisbeth Salander estava submetida a uma decisão da Justiça que a declarava juridicamente irresponsável. Não queria que elas também passassem a olhá-la torto. Não era uma boa alternativa.

Quanto ao resto, nem um único colega de classe de antigamente figurava no seu caderninho de endereços. Ela não dispunha de nenhuma rede de apoio ou de contatos políticos. Haveria alguém a quem pudesse contar seus problemas com Nils Bjurman?

Sim, talvez houvesse alguém. Ela refletiu demoradamente sobre a idéia de se abrir com Dragan Armanskij, de procurá-lo para expor sua situação. Ele dissera que se ela precisasse de qualquer tipo de ajuda não devia hesitar em procurá-lo. Ela estava convencida de sua sinceridade.

Armanskij também a tocara uma vez, mas fora um gesto gentil, sem más intenções, não tivera nada de demonstração de força. No entanto ela relutava em lhe pedir ajuda. Ele era seu chefe, e isso a tornaria devedora. Lisbeth Salander sorriu ao pensar em como seria sua vida se tivesse Armanskij como tutor em vez de Bjurman. A idéia não era desagradável, mas Armanskij certamente levaria tão a sério a missão que a sufocaria com sua solicitude. Era... humm... uma alternativa possível.

Embora estivesse perfeitamente a par do papel do SOS-Mulheres, nunca lhe passou pela cabeça utilizar esse recurso. Para ela, esses centros de apoio destinavam-se às vítimas e ela nunca tinha se considerada como tal. Portanto, a única boa alternativa que lhe restava era agir como sempre agira — resolver ela mesma seus problemas. Essa, sim, era a boa solução.

E uma solução que nada de bom prometia ao dr. Nils Bjurman.

13. QUINTA-FEIRA 20 DE FEVEREIRO – SEXTA-FEIRA 7 DE MARÇO

Na última semana de fevereiro, Lisbeth Salander confiou a si mesma uma missão, que tinha o dr. Nils Bjurman, nascido em 1950, como objeto principal. Trabalhou cerca de dezesseis horas por dia e fez uma investigação mais minuciosa do que nunca. Utilizou todos os arquivos e todos os documentos oficiais que conseguiu encontrar. Vasculhou as relações familiares e pessoais, verificou as contas e reconstituiu em detalhe a carreira e os trabalhos realizados pelo advogado.

O resultado foi desanimador.

Ele era jurista, membro da Ordem dos Advogados e autor de uma tese verborrágica e especialmente tediosa sobre direito comercial. Sua reputação era impecável. O dr. Bjurman nunca recebera uma crítica. Uma única vez foi chamado à Ordem dos Advogados — teria intermediado negócios imobiliários escusos dez anos antes —, mas comprovou sua inocência e o caso foi arquivado. Suas contas estavam em ordem; Bjurman era rico, dispunha de pelo menos dez milhões de coroas. Pagava mais impostos que o necessário, era membro do Greenpeace e da Anistia Internacional, e fazia doações regulares à Fundação para o Coração e os Pulmões. Seu nome raramente aparecia na mídia, mas várias vezes assinou petições a favor de prisioneiros políticos do Terceiro Mundo. Morava num apartamento de cinco quartos da Upplandsgatan, perto da Odenplan, e era secretário do conselho de condôminos de seu prédio. Divorciado, sem filhos.

Lisbeth Salander dirigiu o foco para sua ex-mulher, chamada Elena. Nascera na Polônia, mas sempre vivera na Suécia. Trabalhava num centro de reeducação e voltara a se casar, aparentemente um casamento melhor, com um colega de Bjurman. Nada a investigar desse lado. O casamento durara catorze anos e o divórcio fora amigável.

Bjurman se ocupava regularmente do controle de jovens com problemas na Justiça. Fora curador de quatro menores de idade antes de ser nomeado tutor de Lisbeth Salander. Cada uma dessas missões terminou por simples decisão do tribunal no dia em que alcançaram a maioridade. Um desses clientes ainda tinha Bjurman como advogado, mas também aí não parecia haver nada de importante a descobrir. Se Bjurman montara um sistema para tirar proveito de seus protegidos, pelo menos nada aparecia na superfície, e, por mais que Lisbeth pesquisasse em profundidade, também nada encontrou de errado. Os quatro tinham vidas regulares com um namorado ou namorada, emprego, casa e um monte de cartões de crédito.

Ela entrou em contato com os quatro, apresentando-se como secretária de assuntos sociais encarregada de pesquisar jovens que no passado estiveram sob regime de curadoria, para saber como estava a vida deles comparada à de outros jovens. Sim, com certeza, é uma pesquisa completamente sigilosa. Montou um questionário com dez itens. Várias das perguntas eram formuladas de modo a incitar os interlocutores a dar sua opinião sobre o funcionamento da curadoria — se tivessem algo a dizer sobre Bjurman, isso certamente teria transparecido em pelo menos um dos entrevistados. Mas ninguém tinha nada de negativo a declarar.

Terminada a pesquisa, Salander enfiou toda a documentação num saco de papel de supermercado e o pôs, com um monte de jornais velhos, na entrada de seu prédio. O dr. Bjurman era, aparentemente, irreprochável. Nada havia em seu passado que Lisbeth pudesse usar como alavanca. No entanto, e ela tinha motivos para pensar isto, o cara não passava de um canalha estúpido e nojento. Ainda assim, não encontrava nada que pudesse utilizar como prova.

Chegou o momento de considerar outras possibilidades. Depois de passar em revista todas as análises, restava uma solução relativamente tentadora — ao menos muito realista. O mais simples seria Bjurman desaparecer de vez da sua vida. Um infarto fulminante. Fim dos problemas. A questão é que mesmo sujeitos viciosos de cinquenta e cinco anos não estavam tão vulneráveis a um infarto.

Mas se podia dar um jeito nisso.

Mikael Blomkvist conduzia seu relacionamento com Cecilia Vanger na maior discrição. Ela estabelecera três condições: não queria que ninguém soubesse que eles se encontravam. Queria que ele fosse à casa dela somente quando o chamasse pelo telefone e quando ela estivesse de bom humor. E queria que ele fosse embora antes da meia-noite.

A atitude de Cecilia deixava Mikael perplexo. Quando a via casualmente no Café Susanne, ela se mostrava amável, porém fria e distante. Mas, quando se encontravam em seu quarto, ela ardia de paixão.

Mikael não tinha nenhum motivo especial para revolver a vida particular dela, mas fora contratado para investigar a de toda a família Vanger. Sentia-se dividido e ao mesmo tempo curioso. Um dia, perguntou a Henrik Vanger com quem ela se casara e o que acontecera. Fez a pergunta quando eles falavam do passado de Alexander, de Birger e de todos os outros membros da família presentes na ilha no dia em que Harriet desapareceu.

— Cecilia? Pelo que sei, ela não se relacionava com Harriet.

— Fale-me do passado dela.

— Veio morar aqui depois de seus estudos e começou a trabalhar como professora. Conheceu um certo Jerry Karlsson, que infelizmente trabalhava no grupo Vanger. Casaram-se. Pensei que fosse um casamento feliz — ao menos no começo. Mas depois de alguns anos percebi que as coisas não andavam bem. Ele batia nela. A história de sempre: ele batia, mas ela concedia-lhe circunstâncias atenuantes. Até que um dia ele bateu demais. Ela ficou gravemente ferida e precisou ser hospitalizada. Falei com ela e ofereci-lhe ajuda. Ela veio morar na ilha e desde então se recusa a ver o marido. Encarreguei-me de despedi-lo.

— Mas eles continuam casados.

— Só no papel. Não sei por que ela não pediu o divórcio. Como não quis se casar de novo, nunca houve problema.