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— Esse Jerry Karlsson tinha alguma relação...

— ... com Harriet? Não, ele não morava em Hedestad em 1966 e ainda não havia entrado para o grupo.

— Certo.

— Mikael, eu gosto de Cecilia. Ela pode ser complicada, mas é uma das raras pessoas boas da minha família.

Tão sistemática como um perfeito burocrata, Lisbeth Salander dedicou uma semana planejando a morte do dr. Nils Bjurman. Considerou — e rejeitou — diferentes métodos, até dispor de um número de roteiros realistas entre os quais escolher. Não agir impulsivamente. Seu primeiro pensamento foi tentar forjar um acidente, mas, refletindo bem, logo concluiu que pouco importava que falassem de homicídio.

Apenas uma condição era necessária. Bjurman devia morrer sem que jamais a associassem com o crime. Suspeitava que cedo ou tarde, quando os tiras examinassem as atividades de Bjurman, seu nome apareceria num inquérito policial. Mas ela era somente um grão de areia numa galáxia de clientes atuais e antigos, encontrara-se com ele raras vezes e, a menos que Bjurman tivesse anotado na agenda que a forçara a chupar seu pinto — o que era bastante improvável —, não tinha razão para assassiná-lo. Não haveria a menor prova de que a morte dele tinha alguma relação com seus clientes; poderiam pensar em ex-namoradas, parentes, conhecidos e um monte de outras pessoas. Poderiam mesmo classificar o caso como violência casual, quando assassino e vítima não se conhecem.

Mas digamos que o nome dela aparecesse. E aí? Ela seria apenas uma pobre menina sob tutela, amparada por documentos que provavam que era uma retardada mental. O ideal, portanto, é que a morte de Bjurman se desse num esquema bastante sofisticado, para que não fosse plausível pensar que uma retardada mental pudesse ser a autora do crime.

De saída rejeitou a solução arma de fogo. Não teria muitos problemas de ordem prática para obter uma, mas os tiras sabem como descobrir a origem das balas.

Considerou uma arma branca; embora uma faca pudesse ser comprada em qualquer bazar, rejeitou também essa solução. Mesmo que agisse com presteza e lhe cravasse a faca nas costas, nada garantia que ele fosse morrer em seguida e sem ruído, nem mesmo que morreria. Pior: poderia haver luta, o que chamaria a atenção, e suas roupas manchadas de sangue poderiam incriminá-la.

Considerou também uma bomba, coisa, porém, ainda mais complicada. Preparar uma bomba não seria problema — a internet está cheia de manuais que ensinam a fabricar os objetos mais mortíferos. Difícil seria achar um jeito de explodir o canalha sem atingir também um inocente. Sem contar, mais uma vez, que nada garantiria a eliminação do canalha.

O telefone tocou.

— Oi, Lisbeth, é Dragan. Tenho um trabalhinho para você.

— Estou sem tempo.

— É importante.

— Estou ocupada. E desligou.

Por fim, decidiu-se por uma solução inesperada — o veneno. A escolha a surpreendeu, mas, pensando bem, era perfeita.

Lisbeth Salander dedicou alguns dias e noites a pesquisar na internet um veneno adequado. A escolha era ampla. Primeiro aparecia o veneno mais mortal conhecido pela ciência, considerando todas as categorias — o ácido cianídrico, também chamado de ácido prússico.

O ácido cianídrico era utilizado na indústria química, entre outras, como componente de algumas tintas. Alguns miligramas bastariam para liquidar alguém; um litro despejado no reservatório de água de uma cidade de porte médio poderia destruí-la completamente.

Por razões evidentes, tal substância mortal sofria um controle rigoroso. Mas se um fanático com projetos de assassinato político não podia entrar na farmácia mais próxima e pedir dez mililitros de ácido cianídrico, era possível fabricá-lo em quantidades quase ilimitadas numa cozinha qualquer. Um modesto equipamento de laboratório, disponível num jogo infantil como O pequeno químico, custa duzentas coroas e não requer mais que alguns ingredientes, que podem ser extraídos de produtos domésticos comuns. A receita estava disponível na internet.

Havia também a nicotina. De um único maço de cigarros, Lisbeth poderia extrair miligramas suficientes da substância para preparar um xarope não muito viscoso. Melhor ainda, embora um pouco mais difícil de fabricar: o sulfato de nicotina, que tinha a vantagem de ser absorvido pela pele; bastaria pôr luvas de borracha, encher uma pistola d'agua e dispará-la no rosto do dr. Bjurman. Em vinte segundos ele perderia a consciência e em alguns minutos estaria morto.

Até então Lisbeth Salander não imaginava que tantos produtos domésticos perfeitamente comuns, encontrados em drogarias, pudessem se transformar em armas mortais. Examinando a fundo o assunto durante alguns dias, convenceu-se de que não haveria obstáculos técnicos para acertar as contas com seu tutor.

Só havia dois problemas: a morte de Bjurman não lhe devolveria o controle de sua vida e não havia garantia de que o sucessor de Bjurman não fosse dez vezes pior. Análise das consequências.

O que ela precisava era descobrir um meio de controlar seu tutor e desse modo controlar sua própria situação. Estendida no velho sofá da sala, passou a noite reconsiderando mentalmente as possibilidades. Por volta das dez, havia eliminado os projetos de assassinato por envenenamento e elaborado um plano B.

O plano não era atraente e compreendia deixar Bjurman atacá-la mais uma vez. Mas, se chegasse até o fim, ganharia a parada.

Pelo menos é o que acreditava.

Nos últimos dias de fevereiro, a temporada de Mikael em Hedeby já adquirira uma rotina. Levantava-se às nove todos os dias, tomava o café-da-manhã e trabalhava até meio-dia, lendo e reunindo novos dados. Depois dava uma caminhada de uma hora, qualquer que fosse o tempo. A tarde retomava o trabalho, em casa ou no Café Susanne, aprofundando o que lera de manhã ou escrevendo passagens do que haveria de ser a biografia de Henrik. Estabeleceu seu tempo livre entre três e seis da tarde, para fazer compras, lavar a roupa, ir a Hedestad e cuidar de outros assuntos. Por volta das sete da noite, passava na casa de Henrik e lhe expunha os pontos de interrogação que haviam surgido durante a jornada. Às dez já estava em casa e lia até uma ou duas da manhã. Examinava sistematicamente os documentos fornecidos por Henrik.

Descobriu com surpresa que o trabalho de redação da biografia de Henrik avançava rapidamente. Já dispunha, num primeiro jato, de cerca de cento e vinte páginas da crônica familiar — o vasto período desde o desembarque de Jean-Baptiste Bernadotte na Suécia até por volta dos anos 1920. A partir daí precisaria avançar mais lentamente e começar a pesar suas palavras.

Na biblioteca de Hedestad, conseguiu livros que tratavam do nazismo nessa época, entre outros a tese de doutorado de Helene Lööw A suástica e o feixe dos Wasa. Rascunhou mais quarenta páginas sobre Henrik e seus irmãos, tendo Henrik como personagem principal. Tinha uma lista extensa de pesquisas a fazer sobre as empresas do começo do século, sua estrutura e seu funcionamento, e descobriu que a família Vanger esteve intimamente envolvida com o império de Ivar Kreuger — mais uma história paralela para investigar. Calculou que ao todo faltava escrever umas trezentas páginas. Planejara apresentar um primeiro esboço a Henrik no começo de setembro e previa utilizar o outono para dar acabamento ao texto.

Em contrapartida, Mikael não avançou um milímetro na investigação sobre Harriet. Por mais que lesse e refletisse sobre detalhes dos numerosos documentos, não encontrou um só que fizesse as coisas andarem.

Num sábado à noite, no fim de fevereiro, teve uma longa conversa com Henrik, na qual prestou contas de seus inexistentes progressos. Pacientemente, o velho o escutou enumerar todos os becos sem saída que visitara.

— Ou seja, Henrik, não encontrei nada no inquérito que já não tenha sido explorado a fundo.