Esperou. Ele não reagiu, mas ela viu que ele tremia. Pegou o chicote e desferiu um golpe seco nos órgãos sexuais dele.
— Concorda comigo? — repetiu com voz mais forte. Ele assentiu com a cabeça.
— Ótimo. Assim estamos nos entendendo.
Ela puxou a poltrona e sentou-se de modo a poder olhá-lo bem nos olhos.
— Bem, o que você e eu poderíamos fazer para remediar essa situação? — Ele não podia responder. — Não tem algumas idéias? — Como ele não reagisse, ela esticou a mão, pegou seus testículos e puxou até o rosto de Bjurman se contorcer de dor. — Tem ou não tem algumas boas idéias? — repetiu.
Ele balançou negativamente a cabeça.
— Melhor assim. Porque, se por acaso vier a ter alguma idéia no futuro, eu ficarei muito zangada com você.
Jogou o corpo para trás e acendeu outro cigarro.
— Então eu vou te contar, eu, o que vai acontecer. Na semana que vem, assim que você conseguir expulsar esse brinquedinho de borracha do seu cu, você vai dar instruções ao meu banco de que somente eu — e mais ninguém
— terá acesso à minha conta daqui pra frente. Entende o que estou dizendo?
O advogado Bjurman concordou com a cabeça.
— Perfeito. Você não entrará mais em contato comigo. No futuro só nos veremos se eu tiver vontade. Que fique bem claro que você está proibido de me visitar.
Ele concordou com a cabeça várias vezes e deu um suspiro. Ela não tem a intenção de me matar.
— Se tentar entrar em contato comigo, cópias desse DVD vão chegar a todas as redações dos jornais de Estocolmo. Está entendendo?
Ele assentiu com a cabeça várias vezes. Preciso pôr as mãos nesse filme.
— Uma vez por ano, enviará o relatório sobre o meu estado à comissão de tutelas. Escreverá que levo uma existência perfeitamente normal, que tenho um trabalho fixo, que ajo de maneira conveniente e que você não vê nada de anormal no meu comportamento. Certo?
Ele fez que sim com a cabeça.
— Todo mês você escreverá um relatório fictício sobre os nossos encontros. Contará em detalhe o quanto sou confiável e o quanto estou progredindo. Enviará uma cópia para mim, certo?
Ele balançou de novo a cabeça. De passagem, Lisbeth Salander notou gotas de suor surgindo em sua testa.
— Dentro de um ano ou dois, iniciará conversações com o juiz para obter a revogação da minha tutela, usando para isso os relatórios fictícios dos nossos encontros mensais. Encontrará um psicólogo que prestará juramento de que sou absolutamente normal. Você se esforçará nesse sentido. Fará exatamente tudo que estiver ao seu alcance para que eu seja declarada emancipada.
Ele assentiu com a cabeça.
— E sabe por que fará o melhor possível? Porque tem uma razão fodida para você agir assim. Se não fizer o melhor possível, mostro esse filminho pra todo mundo.
Ele escutava cada sílaba pronunciada por Lisbeth Salander. Um brilho súbito de ódio passou por seus olhos. Disse a si mesmo que ela cometia um erro em deixá-lo viver. Vai pagar caro, sua puta suja. Cedo ou tarde, vou te esmagar. Mas continuou balançando a cabeça com entusiasmo a cada pergunta.
— O mesmo vale se tentar entrar em contato comigo. — E passou a mão pelo pescoço num gesto de degola. — Adeus, belo apartamento; adeus, trabalho; adeus, seus milhões em contas do exterior.
Os olhos de Bjurman se arregalaram ao ouvi-la mencionar o dinheiro. Merda, como ela sabe disso?...
Ela sorriu, deu uma tragada no cigarro, depois o jogou no carpete e o esmagou com o calcanhar.
— Você me dará cópias das suas chaves daqui e do escritório. Bjurman franziu as sobrancelhas. Ela se inclinou com um sorriso hipócrita.
— Daqui em diante eu controlarei a sua vida. Quando menos esperar, talvez quando estiver dormindo, vou entrar de repente aqui no seu quarto com isto nas mãos. — Mostrou o bastão elétrico. — Vou vigiar você. — Se alguma vez eu te encontrar com uma mulher — e pouco importa que ela esteja aqui de livre e espontânea vontade ou não —, se alguma vez eu te encontrar com uma mulher, qualquer que seja...
E Lisbeth passou novamente os dedos pelo pescoço.
— Se eu morrer... se eu sofrer um acidente, for atropelada, seja lá o que for... cópias desse filme serão enviadas aos jornais. Junto com uma história detalhada onde eu conto como é ter você como tutor. Outra coisa. — E ela se inclinou para a frente, para que seu rosto ficasse a poucos centímetros do dele. — Se me tocar outra vez, eu te mato. Pode ter certeza.
O dr. Bjurman acreditou nessas palavras. Não havia lugar para blefe nos olhos dela.
— Lembre-se de que eu sou maluca.
Ele assentiu com a cabeça.
Então ela o fitou com um olhar circunspecto.
— Não acho que vamos ser bons amigos, eu e você — disse Lisbeth Salander com voz grave. — Você deve estar todo alegre de eu ser suficientemente idiota para te deixar viver. Embora seja meu prisioneiro, acha que está no controle porque imagina que a única coisa que eu posso fazer, se não te matar, é te soltar. Então tem a esperança de recuperar em breve seu poder sobre mim, não é mesmo?
Ele balançou negativamente a cabeça, tomado de súbito por um mau pressentimento.
— Vou te presentear com uma coisa para você se lembrar sempre do nosso acordo.
Sorriu com o canto dos lábios, subiu em cima da cama e se ajoelhou entre as pernas dele. O advogado Bjurman não entendeu o que ela quis dizer, mas ficou aterrorizado.
Depois viu a agulha na mão dela.
Moveu violentamente a cabeça e tentou se virar, mas ela apoiou o joelho sobre seu escroto como advertência.
— Não se mexa. É a primeira vez que utilizo esses instrumentos.
Ela trabalhou concentradamente durante duas horas. Quando terminou, ele não emitia mais som algum. Parecia estar num estado próximo ao da apatia.
Ela desceu da cama, abaixou a cabeça e examinou sua obra com olhar crítico. Seus talentos artísticos eram limitados. As letras, irregulares, lembravam um desenho impressionista. Ela utilizara o vermelho e o azul para tatuar a mensagem, escrita com letras maiúsculas e em cinco linhas que cobriam todo o ventre dele, desde os mamilos até o púbis: sou um porco sádico, um canalha estuprador.
Recolheu as agulhas e guardou as bisnagas de cor na mochila. Depois foi lavar as mãos no banheiro. Sentia-se consideravelmente melhor ao voltar para o quarto.
— Boa noite — disse.
Antes de partir, abriu uma das algemas e pôs a chave sobre o ventre de Bjurman. Ao sair, levou o DVD e o molho de chaves de Bjurman.
Foi no momento em que compartilhavam um cigarro, pouco depois da meia-noite, que Mikael contou que eles não iam poder se ver durante algum tempo. Cecilia virou-se para ele espantada.
— O que está querendo dizer? — perguntou.
Ele pareceu envergonhado.
— Segunda-feira que vem vou cumprir minha pena de três meses na prisão. Mais explicações eram desnecessárias. Cecilia permaneceu um longo tempo silenciosa. Estava prestes a chorar.
Dragan Armanskij já tinha perdido as esperanças, quando Lisbeth Salander o procurou na segunda-feira à tarde. Não a via desde que a investigação do caso Wennerström fora cancelada no começo de janeiro, e toda vez que tentou chamá-la, ou ela não respondera ou telefonara de volta dizendo que estava ocupada.
— Tem algum trabalho para mim? — ela perguntou sem perder tempo com saudações inúteis.
— Olá! Quem bom te ver. Achei que estava morta ou algo do gênero.
— Eu tinha umas duas ou três coisinhas para resolver.
— Você sempre tem umas coisinhas para resolver.
— Era urgente. Mas estou de volta. Tem algum trabalho para mim?
Armanskij negou com a cabeça.
— Sinto muito. No momento, não.
Lisbeth Salander o contemplou com um olhar tranquilo. Depois de alguns segundos, ele continuou.