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— Lisbeth, você sabe que eu a quero bem e que sempre que posso lhe ofereço trabalho. Mas você desapareceu por dois meses, quando eu estava com um monte de solicitações de trabalho. É simples, não se pode contar com você. Fui obrigado a recorrer a outras pessoas para cobrir a sua ausência, e no momento não tenho nada.

— Aumente o volume.

— Quê?

— Do rádio.

... a revista Millenium. O anúncio de que o veterano da indústria Henrik Vanger tornou-se co-proprietário da Millenium e de que fará parte do conselho administrativo da revista chega no mesmo dia em que o ex-editor responsável da publicação, Mikael Blomkvist, começa a cumprir três meses de prisão por difamação contra o financista Hans-Erik Wennerström. Erika Berger, diretora da Millenium, explicou na coletiva de imprensa que Míkael Blomkvist reassumirá o cargo de editor-chefe assim que deixar a prisão.

— Qual é? — disse Lisbeth Salander em voz tão baixa que Armanskij nem ouviu, apenas notou os lábios dela se mexendo. Ela se levantou de repente e foi saindo.

— Espere. Aonde você vai?

— Para a minha casa. Tenho duas ou três coisas para verificar. Me chame quando tiver alguma coisa para mim.

A notícia de que a Millennium recebera o reforço de Henrik Vanger era um acontecimento bem mais importante do que Lisbeth Salander imaginara. A Aftonbladet já havia publicado na internet um longo comunicado da agência de notícias TT, fazendo um balanço da carreira de Henrik Vanger e constatando que era a primeira vez em mais de vinte anos que o velho magnata da indústria aparecia em público. O anúncio de que investia seu capital na Millennium era tão inimaginável quanto ver de repente os velhos conservadores Peter Wallenberg ou Erik Penser virarem a casaca para se associar à ETC ou para patrocinar a revista Ordfront.

O acontecimento era tão incomum que a edição das sete e meia de Rapport, na tevê, transformou-o num dos principais assuntos, dedicando-lhe três minutos. Erika Berger era entrevistada por jornalistas na redação da Millennium. De uma hora para outra, o caso Wennerström voltava às manchetes.

— No ano passado cometemos um erro grave, que resultou na condenação da revista por difamação. Evidentemente é uma coisa que lamentamos... e temos a intenção de retomar esse caso num momento propício.

— O que você quer dizer com retomar o caso? — perguntou um repórter.

— Quero dizer que vamos contar a nossa versão dos fatos, o que não fizemos até agora.

— Mas poderiam ter feito durante o processo.

— Preferimos não fazer. Mas é claro que vamos manter nossa linha editorial crítica.

— Significa que continuam sustentando a versão pela qual foram condenados?

— Não tenho comentários a fazer sobre isso.

— A senhora demitiu Mikael Blomkvist após o julgamento.

— Está completamente enganado. Leia o nosso comunicado de imprensa. Ele precisava de uma pausa e de um descanso merecido. Ainda este ano reassumirá a publicação.

A câmera fez uma panorâmica da redação, enquanto o repórter enumerava alguns dados sobre a agitada história da Millennium, revista conhecida por sua independência e por suas críticas contundentes. Mikael Blomkvist não pôde ser ouvido. Acabava de ser preso no centro de detenção de Rullaker, situado à beira de um pequeno lago, em plena floresta, a uma dezena de quilômetros de Östersund, no Jämtland.

Lisbeth Salander viu Dirch Frode aparecer de repente, pela fresta de uma porta da redação, ao fundo da imagem televisionada. Ela franziu o cenho e mordeu pensativamente o lábio inferior.

A segunda-feira fora pobre em acontecimentos e Henrik Vanger pôde dispor de quatro minutos no noticiário das nove. Foi entrevistado num estúdio da tevê local em Hedestad. O repórter começou observando que, após duas décadas de silêncio, o mítico industrial Henrik Vanger voltou às luzes da ribalta. Na introdução, a reportagem apresentava um pouco da vida de Henrik Vanger mostrando imagens antigas de tevê, em preto-e-branco, nas quais ele era visto na companhia do primeiro-ministro Tage Erlander inaugurando fábricas nos anos 1960. A seguir a câmera mostrou um sofá no estúdio de gravação, onde Henrik Vanger aparecia tranquilamente instalado, de pernas cruzadas. Vestia camisa amarela, uma gravata verde fina e casaco esporte marrom. Não escapava a ninguém que estava descarnado e envelhecido, mas se expressava com uma voz sonora e firme. E com franqueza. O repórter começou perguntando o que o levara a se associar à Millennium.

A Millennium é uma boa publicação que venho acompanhando com interesse há vários anos. Hoje ela está sofrendo alguns ataques. Tem inimigos poderosos que organizam um boicote de anunciantes com o objetivo de torpedeá-la.

O repórter, com certeza, não estava preparado para uma resposta como essa, mas percebeu de imediato que a história, já bastante interessante em si mesma, ganhava dimensões inesperadas.

— O que há por trás desse boicote?

— E uma das coisas que a Millennium vai verificar minuciosamente. Mas aproveito para declarar que a revista não pretende se deixar afundar ao primeiro tiro.

— E por essa razão que entrou como sócio?

— A liberdade de expressão sofreria um duro golpe se interesses particulares tivessem o poder de reduzir ao silêncio vozes que os incomodam na mídia.

Henrik Vanger agia como se tivesse passado a vida toda defendendo radicalmente a liberdade de expressão. Mikael Blomkvist começou a rir de repente na sala de televisão do centro de detenção de Rullaker, que ele inaugurava naquela noite. Seus colegas de prisão lançaram-lhe olhares inquietos.

Mais tarde, deitado em sua cela que lembrava um quarto de motel, com uma pequena mesa, uma cadeira e uma prateleira fixa à parede, ele foi obrigado a admitir que Henrik e Erika estavam certos sobre a maneira de lançar essa informação no mercado. Sem ter falado com ninguém, ele sabia que alguma coisa havia mudado na atitude com relação à Millennium.

A aparição de Henrik Vanger era nada mais nada menos que uma declaração de guerra a Hans-Erik Wennerström. A mensagem, muito clara — daqui em diante você não vai mais lutar contra uma revista com seis funcionários e um orçamento anual equivalente a um jantar de negócios do grupo Wennerström. Vai enfrentar também as empresas Vanger, que certamente são apenas a sombra de sua grandeza de outrora, mas que ainda assim representam um desafio bem mais árduo. Agora Wennerström podia escolher: ou se retirava do conflito ou encarava a tarefa de reduzir também a migalhas as empresas Vanger.

Henrik Vanger acabava de anunciar na tevê que estava disposto a lutar. Talvez não tivesse nenhuma chance contra Wennerström, mas a guerra ia custar caro.

Erika escolhera cuidadosamente as palavras. Na verdade não dissera grande coisa, mas sua afirmação de que a revista ainda não "apresentara sua versão dos fatos" fazia supor que havia uma versão a dar. Embora Mikael tivesse sido julgado e no momento estivesse preso, ela não se constrangera em dizer — sem dizer — que na realidade ele era inocente e que existia uma outra verdade.

Mesmo sem usar a palavra "inocência", tornou a inocência dele ainda mais tangível. O anúncio de que ele reassumiria o cargo de responsável pela publicação sublinhava que a Millennium não tinha do que se censurar. Aos olhos do grande público, a verdade não era um problema — todo mundo adora a teoria do complô e, entre um homem de negócios cheio de ases na manga e uma bonita diretora de revista, não era difícil adivinhar para que lado tenderiam as simpatias. A mídia decerto não endossaria facilmente a história, mas Erika desarmara alguns críticos que agora não ousariam levantar a cabeça.