O período passado em Rullaker foi calmo e agradável. O estabelecimento, como dizia o próprio Sarowski, era uma prisão para vadios e motoristas embriagados, e não para criminosos de verdade. As rotinas diárias lembravam o funcionamento de um albergue da juventude. Os quarenta e um companheiros de Mikael, metade dos quais imigrantes da segunda geração, viam-no como uma espécie de ave exótica — e com toda a razão. Ele era o único prisioneiro de quem falavam na tevê, o que lhe conferiu alguma importância, embora nenhum deles o considerasse um criminoso de peso.
Tampouco a direção do estabelecimento. Desde o primeiro dia, Mikael foi chamado para algumas conversas; propuseram-lhe diferentes atividades, cursos de treinamento ou possibilidades de outros estudos, bem como uma orientação profissional. Mikael respondeu que não precisava de inserção social, que concluíra os estudos havia muitos anos e que já tinha um emprego. Em contrapartida, pediu autorização para conservar seu notebook na cela, a fim de continuar trabalhando no livro que estava sendo pago para escrever. O pedido foi aceito imediatamente e Sarowski ofereceu-lhe até mesmo um armário com cadeado para que ele pudesse deixar o computador na cela sem o risco de roubo ou vandalismos. Mas era mínimo o risco de um dos detentos querer se divertir com esse tipo de coisa — ao contrário, eles estendiam uma mão protetora sobre Mikael.
Foi o que lhe permitiu passar dois meses relativamente agradáveis, trabalhando cerca de seis horas por dia na crônica da família Vanger, com interrupções para algumas horas de trabalho ou de recreação. Mikael e dois colegas, um proveniente de Skövde e o outro com raízes no Chile, tinham como tarefa limpar diariamente o ginásio do centro de detenção. Recreação significava ver tevê, jogar cartas ou fazer musculação. Mikael descobriu que não se saía tão mal no pôquer, mas todos os dias costumava perder algumas moedas de cinquenta centavos. O regulamento autorizava o jogo desde que a bolada não ultrapassasse cinco coroas.
O anúncio de sua libertação foi comunicado na véspera; Sarowski o convocou à sua sala para um brinde com aquavita. À noite, Mikael juntou suas roupas e seus cadernos.
Uma vez libertado, Mikael foi diretamente para sua casa em Hedeby. Ao cruzar a ponte, ouviu um miado e andou os últimos metros acompanhado pelo gato ruivo, que lhe dava boas-vindas esfregando-se em suas pernas.
— Certo, entre — disse. — Mas não tive tempo de comprar leite.
Desfez a mala. Tinha a impressão de estar voltando de férias e se deu conta de que a companhia de Sarowski e dos outros detentos lhe fazia falta. Podia parecer estranho, mas a temporada em Rullaker fora agradável. E a libertação ocorrera de forma tão inesperada que não havia avisado ninguém.
Eram pouco mais de seis da tarde. Correu até o supermercado para comprar produtos básicos, antes que fechasse. Na volta, ligou para Erika no celular, mas só ouviu a voz da secretária eletrônica informando que no momento ela não estava disponível. Deixou um recado propondo que se falassem no dia seguinte.
Depois foi visitar Henrik Vanger. O próprio Henrik abriu a porta e ficou estupefato ao vê-lo.
— Você fugiu? — exclamou o velho.
— Liberdade antecipada, coisa absolutamente legal.
— Ah, mas que surpresa boa!
— Para mim também. Fiquei sabendo ontem.
Olharam-se durante alguns segundos. Então o velho surpreendeu Mikael enlaçando-o e estreitando-o com força nos braços.
— Eu estava me preparando para jantar. Não quer me fazer companhia?
Anna serviu omelete com toicinho e salada verde. Ficaram na sala de jantar por cerca de duas horas. Mikael contou até onde chegara na crônica familiar e indicou os pontos onde havia lacunas e falta de informação. Não falaram de Harriet Vanger, mas estenderam-se demoradamente sobre a Millennium.
— Fizemos três reuniões do conselho administrativo. A senhorita Berger e seu sócio Christer Malm tiveram a delicadeza de realizar duas reuniões aqui, e Dirch representou-me numa reunião em Estocolmo. É muito cansativo para mim deslocar-me para tão longe, confesso que gostaria de ter alguns anos a menos. Mas tentarei ir até lá no próximo verão.
— Eles podem fazer as reuniões aqui sem problema — disse Mikael. — E o que está achando de ser sócio da revista?
Henrik Vanger fingiu um sorriso.
— É uma das coisas mais divertidas que me aconteceram em muitos anos, você sabe. Examinei as finanças e a coisa não está tão mal. Não precisarei investir tanto dinheiro quanto eu pensava. A lacuna entre receitas e despesas está diminuindo.
— Falei com Erika por telefone na semana passada. Pelo que entendi, a publicidade voltou a crescer.
Henrik concordou com a cabeça.
— A tendência está se invertendo, mas levará algum tempo. No início, foram empresas do grupo Vanger que compraram páginas. Mas dois ex-clientes, uma operadora de telefonia e uma agência de viagens, já estão de volta. — Ele deu um sorriso largo. — Também fizemos uma campanha mais personalizada junto aos velhos inimigos de Wennerström. E a lista é comprida, acredite.
— Tem notícias de Wennerström?
— Não, não exatamente. Mas espalhamos a informação de que Wennerström está organizando um boicote contra a Millennium. E as pessoas estão começando a achá-lo mesquinho. Parece que um jornalista do Dagens Nyheter tocou nessa questão e levou uma descompostura.
— Você se diverte com isso.
— Não é a palavra exata. É o que eu deveria ter feito vários anos atrás.
— Mas o que há entre você e Wennerström?
— Não se apresse. Saberá isso no fim do ano.
O ar transmitia uma agradável sensação de primavera. Quando Mikael deixou Henrik por volta das nove, já era noite. Hesitou um instante, depois foi bater à porta de Cecilia Vanger.
Não tinha certeza de que a encontraria. Cecilia arregalou os olhos e imediatamente pareceu incomodada, mas o convidou a entrar no vestíbulo. Ambos estavam embaraçados. Ela também perguntou se ele fugira e ele explicou o que houve.
— Queria só lhe dar um alô. Estou atrapalhando?
Cecilia evitou o olhar dele. Mikael logo percebeu que ela não estava particularmente feliz em vê-lo.
— Não... não, entre. Quer um café?
— Seria ótimo.
Acompanhou-a até a cozinha. Ela virou-lhe as costas enquanto punha água na cafeteira. Mikael aproximou-se e pôs a mão em seu ombro. Ela ficou dura.
— Cecilia, eu diria que você não está com nenhuma vontade de me oferecer um café.
— Eu te esperava daqui a um mês — disse ela. — Você me pegou desprevenida.
Ele a sentia pouco à vontade. Girou o corpo dela para olhá-la nos olhos. Ficaram calados por um breve instante. Ela continuava recusando-se a olhar para ele.
— Cecilia, esqueça o café. O que está havendo? Ela balançou a cabeça e respirou fundo.
— Mikael, quero que vá embora. Não pergunte nada. Simplesmente vá embora.
Mikael voltou para casa, mas ficou indeciso diante da cerca do jardim. Em vez de entrar, foi até a beira da água ao lado da ponte e sentou-se numa pedra. Acendeu um cigarro, perguntando-se o que podia ter modificado tão radicalmente a atitude de Cecilia Vanger com relação a ele.
Nesse momento, ouviu o ruído de um motor e avistou um barco grande, branco, entrando no canal sob a ponte. Quando o barco passou à sua frente, Mikael viu que quem o manobrava era Martin Vanger, com o olhar atento para evitar eventuais baixios. Tratava-se de um iate de cruzeiro de doze metros — um mastodonte impressionante. Mikael levantou-se e seguiu o caminho que costeava a praia. Viu então que muitos barcos já haviam sido postos na água, amarrados em diferentes poitas, tanto barcos a motor quanto veleiros, especialmente vários Pettersson e um IF que se pôs a oscilar após a passagem do iate. Havia também barcos maiores e mais caros, entre os quais um Hallberg-Rassy. A boa estação estava de volta e Mikael pôde fazer uma idéia dos recursos financeiros dos aficionados náuticos de Hedeby — Martin Vanger possuía indiscutivelmente o barco maior e mais caro do lugar.