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Ele rompeu o silêncio.

— Talvez eu não seja tão bom como você em investigações pessoais, mas noto que não é nem vegetariana nem — como pensava Dirch Frode — anoréxica. Vou incluir esses dados no meu relatório a seu respeito.

Salander o encarou, mas ao ver sua expressão percebeu que ele estava brincando com ela. Parecia divertir-se tanto que ela não pôde deixar de retribuir com um sorriso de esguelha. A situação era absurda. Ela afastou o prato. Os olhos desse cara eram amistosos. Concluiu, por fim, que não era um mau sujeito. A investigação que ela fizera também não dava a entender que fosse um cafajeste pronto para espancar suas companheiras, ou coisa do gênero. Lembrou que ela é que sabia tudo a respeito dele — não o contrário. Conhecimento é poder.

Do que está rindo? — ela perguntou.

— Desculpe. É que não imaginei que fosse ser assim. Não tinha a intenção de assustá-la, mas foi o que aconteceu. Precisava ter visto a sua cara quando abriu a porta. Impagável. Não resisti à tentação de brincar um pouco com você.

Silêncio. Para a sua grande surpresa, Lisbeth Salander achou aceitável, de repente, a companhia daquele intruso — ou pelo menos não desagradável.

— Considere que me vinguei por você ter vasculhado a minha vida — disse ele num tom alegre. — Está com medo de mim?

— Não — respondeu Salander.

— Melhor. Não estou aqui para lhe fazer mal nem para criar problemas.

— Se tentar me tocar, eu lhe farei muito mal. Sério.

Mikael a observou. Ela media pouco mais de um metro e meio e parecia não ter como se defender se ele fosse um malfeitor que tivesse entrado em seu apartamento. Mas os olhos dela eram inexpressivos e calmos.

— Não será necessário — ele disse por fim. — Minhas intenções são boas. Preciso falar com você. Se quiser que eu vá embora, é só dizer. — Refletiu um segundo. — E curioso, tenho a impressão de... não, nada — ele se interrompeu.

— Diga.

— Não sei se o que vou dizer faz sentido, mas há quatro dias eu nem sabia da sua existência. Depois li a avaliação que você fez de mim — remexeu dentro da bolsa e encontrou o relatório —, o que não foi exatamente uma leitura divertida.

Calou-se e olhou um momento pela janela.

— Será que posso filar um cigarro seu? — Ela empurrou o maço na direção dele.

— Você disse agora há pouco que não nos conhecíamos e eu respondi que não era verdade. — Ele mostrou o relatório. — Ainda não alcancei você, fiz apenas algumas checagens de rotina para saber seu endereço, data de nascimento, estado civil et cetera. Mas você sabe muito a meu respeito. Boa parte são coisas pessoais que só meus amigos íntimos conhecem. E agora eu estou aqui na sua cozinha, comendo sanduíches com você. Faz meia hora que nos conhecemos e tenho a sensação de que nos conhecemos há anos. Entende o que quero dizer?

Ela assentiu com a cabeça.

— Você tem olhos lindos — ele disse.

— Você tem olhos gentis — ela respondeu.

Ele não conseguiu definir se era uma ironia.

Silêncio.

— O que está fazendo aqui? — ela perguntou.

Super-Blomkvist — o apelido lhe ocorreu e ela conteve o impulso de dizê-lo em voz alta — assumiu de repente um ar sério. Ela captou cansaço em seu olhar. A segurança que demonstrara ao entrar no apartamento dela havia desaparecido e ela concluiu que as brincadeiras tinham acabado ou pelo menos estavam suspensas. Pela primeira vez, sentiu que ele a examinava com intensidade e reflexão. Não conseguiu imaginar o que se passava na cabeça dele, mas sentiu imediatamente que a visita adquiria um tom mais sério.

Lisbeth Salander tinha consciência de que sua calma era apenas aparente. Ela não controlava de fato seus nervos. A visita inesperada de Blomkvist mexera com ela de um modo que nunca sentira antes em seu trabalho. Ganhava a vida espionando as pessoas. Na realidade, nunca classificara o que fazia para Dragan Armanskij como um trabalho de verdade, e sim como um passatempo complexo, quase um hobby.

Fazia tempo que chegara à conclusão de que na verdade gostava de fuçar a vida dos outros e revelar segredos que as pessoas tentavam esconder. Agia assim — de uma forma ou de outra — desde que se conhecia como gente. E era o que continuava fazendo não só quando Armanskij lhe passava missões, mas às vezes apenas por prazer. Aquilo lhe dava uma espécie de satisfação — exatamente como num videogame complicado, com a diferença de que se tratava de pessoas reais. E eis que de repente seu hobby estava instalado na sua cozinha oferecendo-lhe sanduíches. Uma situação absurda.

— Tenho um problema fascinante — disse Mikael. — Me diga uma coisa: quando você fez suas investigações sobre mim para Dirch Frode, sabia qual era a finalidade delas?

— Não.

— O objetivo era obter informações a meu respeito porque Frode — ou, melhor, o seu cliente — queria me contratar para um trabalho freelance.

Entendo.

Ele dirigiu-lhe um breve sorriso.

— Algum dia eu e você teremos uma conversa sobre os aspectos éticos de bisbilhotar a vida dos outros. Mas por enquanto preciso resolver um problema... O trabalho que me passaram, e que por uma razão incompreensível aceitei, é sem dúvida a missão mais estranha que já tive. Será que posso confiar em você, Lisbeth?

— Como assim?

— Dragan Armanskij disse que você é uma pessoa totalmente confiável. Mesmo assim eu pergunto: se eu te contar alguns segredos, você promete que não os divulgará, não importa a quem for?

— Espere um pouco. Então você falou com Dragan; foi ele que te mandou aqui?

Vou acabar com a raça daquele armênio cretino.

— Não exatamente. Você não é a única pessoa que sabe levantar um endereço. Na verdade fiz isso sozinho. Pesquisei nos registros do cartório. Há três pessoas chamadas Lisbeth Salander, e as outras duas estavam fora de cogitação. Mas ontem entrei em contato com Armanskij e tivemos uma longa conversa. No começo, ele também pensou que eu quisesse vir aqui criar problemas por você ter se intrometido na minha vida, mas depois acabou entendendo que o meu objetivo é bastante legítimo.

— O que você quer dizer?

— Bem, um cliente de Dirch Frode me contratou para um trabalho e cheguei a um ponto em que preciso da ajuda de um investigador qualificado, e com urgência. Frode me falou de você e da sua competência. Ele bateu com a língua nos dentes e acabei sabendo que você tinha feito uma investigação a meu respeito. Ontem falei com Armanskij e expliquei o que queria. Ele autorizou e tentou falar com você por telefone, mas você não respondeu. E assim... aqui estou eu. Pode ligar para Armanskij e confirmar tudo, se quiser.

Lisbeth Salander precisou de alguns minutos para localizar seu celular debaixo das roupas que Mimmi a ajudara a tirar na noite anterior. Mikael Blomkvist contemplou sua busca caótica com interesse, enquanto andava pelo apartamento. Todos os móveis, sem exceção, pareciam ter sido pegos na rua. Numa pequena mesa de trabalho destacava-se uma imponente instalação de informática. Havia um aparelho de CD numa prateleira, mas a coleção de discos era pequena e formada por bandas das quais Mikael jamais ouvira falar, com artistas na capa que pareciam vampiros saídos dos confins do espaço. Música, de fato, não era o forte de Lisbeth.

Salander constatou que Armanskij a chamara pelo menos sete vezes durante a noite e duas de manhã. Ela digitou o número dele enquanto Mikael se encostava no batente da porta para escutar a conversa.

— Sou eu... Desculpe, desliguei o celular... Sei que ele quer me contratar... Não, está aqui em casa... — Ela levantou a voz. — Dragan, estou com a boca seca e com dor de cabeça, por favor, fale logo; você autorizou ou não?... Obrigada.