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Lisbeth Salander espiou Mikael Blomkvist pelo vão da porta. Ele olhava seus CDs e tirava livros das prateleiras; viu-o pegar um frasco de remédio marrom, sem etiqueta, e examiná-lo contra a luz com curiosidade. Quando se preparava para abrir a tampa, ela estendeu a mão e tomou-lhe o frasco; depois foi para a cozinha, sentou-se, massageou as têmporas e esperou que Mikael voltasse a se sentar.

— As regras são simples — ela disse. — Nada do que conversar comigo ou com Dragan chegará a alguém de fora. Vamos assinar um contrato no qual a Milton Security se compromete a manter sigilo. Quero saber em que consiste o trabalho antes de decidir se vou querer ou não trabalhar para você. Isso significa que manterei sigilo sobre o que me contar, quer aceite ou não o trabalho, contanto que não se trate de uma atividade criminosa séria. Nesse caso, farei um relatório a Dragan, que, por sua vez, avisará a polícia.

— Certo. — Ele hesitou. — Armanskij talvez não saiba exatamente por que quero contratá-la...

— Ele disse que você precisa de ajuda para uma pesquisa histórica.

— Sim, isso mesmo. Mas o que eu quero que você faça é me ajudar a descobrir um assassino.

Mikael levou mais de uma hora contando todos os detalhes confusos do caso Harriet Vanger. Não omitiu nenhum. Tinha a autorização de Frode para contratá-la e, para tanto, via-se na obrigação de conquistar sua inteira confiança.

Falou também do seu relacionamento com Cecilia Vanger e de como descobrira seu rosto na janela de Harriet. Deu a Lisbeth o máximo de informações possíveis sobre a personalidade dela. Começava a admitir que Cecilia figurava entre os principais suspeitos. Mas estava longe de entender como Cecilia podia estar ligada a um assassino em atividade, numa época em que ela ainda era jovem.

Depois, entregou a Lisbeth Salander uma cópia da lista da agenda telefônica de Harriet.

— O que quer que eu faça?

— Identifiquei RJ, Rebecka Jacobsson, e fiz a conexão entre ela e uma citação da Bíblia que fala dos sacrifícios por imolação. Ela foi morta de um modo semelhante ao que está descrito na citação — sua cabeça foi posta sobre brasas. Se eu não estiver enganado, encontraremos outras quatro vítimas — Magda, Sara, Mari e RL.

— Acredita que foram mortas?

— Por um assassino que agia nos anos 1950, talvez 60. E que, de uma maneira ou de outra, está ligado a Harriet Vanger. Examinei números antigos do Hedestads-Kuriren. O assassinato de Rebecka é o único crime monstruoso que, pelo que descobri, tem a ver com Hedestad. Quero que continue pesquisando em toda a Suécia.

Lisbeth Salander permaneceu mergulhada em pensamentos e num silêncio inexpressivo tão longo que Mikael começou a se impacientar. Perguntava-se se havia escolhido a pessoa certa quando ela por fim ergueu os olhos.

— Está certo, aceito o trabalho. Mas primeiro assine o contrato com Armanskij.

Dragan Armanskij imprimiu o contrato que Mikael Blomkvist ia levar a Hedestad para que Dirch Frode o assinasse. Ao voltar à saleta de trabalho de Lisbeth Salander, viu, através da divisória envidraçada, que ela e Mikael Blomkvist estavam inclinados sobre o Powerbook dela. Mikael pousava a mão em seu ombro — ele a tocava — e lhe indicava alguma coisa. Armanskij esperou algum tempo.

Mikael disse algo que pareceu surpreender Salander e ela riu ruidosamente.

Armanskij nunca a ouvira rir, embora tivesse tentado ganhar sua confiança naqueles anos todos. Mikael Blomkvist a conhecia havia poucas horas e ela já ria na companhia dele.

De repente detestou Mikael Blomkvist com uma intensidade que o surpreendeu. Pigarreou ao cruzar a porta e depositou sobre a mesa o envelope de plástico com o contrato.

Mikael teve tempo para fazer uma rápida visita à redação da Millennium à tarde. Era a primeira vez que entrava lá desde que fora limpar sua mesa antes do Natal, e de repente lhe pareceu estranho subir aquelas escadas tão familiares. O código de acesso não tinha sido alterado; entrou pela porta da redação sem ser notado e ficou um instante comprazendo-se em olhar tudo por ali.

A sede da Millennium tinha a forma de um L. A entrada propriamente dita era um grande hall que ocupava uma ampla área inutilizada. Havia ali um canapé e poltronas para os visitantes. Atrás do canapé abria-se uma copa com quitinete, sanitários e dois cubículos onde eram guardados os arquivos. Havia também uma mesa para o estagiário. A direita da entrada, uma divisória envidraçada dava para o estúdio de Christer Malm, cuja empresa, com entrada separada no corredor do edifício, ocupava uma área de oitenta metros quadrados. A esquerda ficava a redação, cerca de cento e cinquenta metros quadrados com vista para a rua Götgatan.

Erika concebera o projeto e instalara divisórias envidraçadas para criar três ambientes individuais e uma ampla sala comum para os outros três colaboradores. Ficara com a maior, no fundo da redação, e Mikael fora colocado na outra ponta. Era a única sala que se podia ver da entrada. Ele notou que ninguém havia se instalado ali.

A terceira peça, um pouco afastada, era ocupada por Sonny Magnusson, de sessenta anos, o eficiente vendedor de publicidade da Millennium já há alguns anos. Erika descobriu Sonny quando ele se viu desempregado após a reestruturação da empresa onde trabalhou a maior parte de sua vida. Sonny estava então na idade em que não era fácil conseguir emprego. Erika o escolheu de propósito; ofereceu-lhe um pequeno salário fixo e uma porcentagem sobre as receitas publicitárias. Sonny aceitou e os dois ficaram satisfeitos. Mas no último ano, por melhor vendedor que fosse, as receitas tinham desabado. Os rendimentos de Sonny diminuíram demais; contudo, em vez de tentar outra coisa, ele apertou o cinto e permaneceu fiel a seu cargo. Diferentemente de mim, que sou a causa dessa degringolada toda, pensou Mikael.

Ele reuniu coragem e entrou por fim na redação, quase vazia naquela hora. Viu Erika em sua sala, com um telefone colado à orelha. Somente dois colaboradores estavam na redação. Monika Nilsson, de trinta e sete anos, experiente repórter geral, especializada em vigilância política e provavelmente a pessoa mais entendida em cinismo que Mikael já conhecera. Trabalhava na Millennium havia nove anos e divertia-se imensamente. Henry Cortez tinha vinte e quatro anos e era o mais jovem colaborador da redação; dois anos antes, assim que se formou no instituto de jornalistas JMK, procurou Erika e disse que queria trabalhar na Millennium e em nenhum outro lugar. Erika não tinha dinheiro para contratá-lo, mas propôs-lhe um estágio, ofereceu-lhe uma sala num canto e depois o absorveu como freelancer fixo.

Os dois gritaram de contentamento ao ver Mikael, que foi recebido com beijos e tapas nas costas. Logo lhe perguntaram se estava voltando ao trabalho, mas se decepcionaram quando ele explicou que lhe restavam mais seis meses no Norrland, e que apenas estava passando para dar um alô e falar com Erika.

Erika também ficou contente em vê-lo, serviu café e fechou a porta de sua sala. Começou pedindo notícias de Henrik Vanger. Mikael não sabia muito mais do que Dirch Frode relatara; o estado dele era grave, mas o velho continuava vivo.

— O que você está fazendo na cidade?

Mikael sentiu-se subitamente embaraçado. Passara na redação sem pensar muito, a Milton Security ficava a poucos passos dali. Pareceu-lhe difícil explicar a Erika que tinha acabado de contratar a consultora particular em segurança que invadira seu computador. Limitou-se a encolher os ombros e dizer que fora obrigado a vir a Estocolmo por causa de alguns assuntos ligados a Vanger e que já estava voltando para o norte. Perguntou como iam as coisas na redação.

— Junto com as boas notícias do volume de publicidade e do número de assinantes que não param de crescer, há uma nuvem escura se formando no horizonte.