— Quem?
— Janne Dahlman. Fui obrigada a ficar de olho nele logo depois que soltamos a notícia da entrada de Henrik Vanger na sociedade. Não sei se é apenas a natureza dele ou se tem a ver com alguma coisa mais profunda. Ele está fazendo uma espécie de jogo.
— O que aconteceu?
— Não confio mais nele. Depois que assinamos o acordo com Henrik Vanger, Christer e eu ficamos pensando se informávamos imediatamente toda a redação de que não corríamos mais o risco de fechar no outono ou se...
— Ou se informavam apenas alguns colaboradores.
— Exatamente. Talvez eu seja paranóica, mas não queria que Dahlman espalhasse a história. Então decidimos avisar toda a redação só no dia em que o acordo se tornasse público. Portanto, guardamos segredo por um mês.
— E?
— Bem, eram as primeiras boas notícias que a redação recebia depois de um ano. Todos festejaram, com exceção de Dahlman. Claro, não somos a maior redação do mundo, mas três pessoas se alegraram, o estagiário também, e uma se zangou por não termos passado a informação mais cedo.
— Ele teve um pouco de razão...
— Eu sei. Mas o fato é que continuou falando disso o tempo todo e despejando mau humor pela redação. Depois de duas semanas, chamei-o à minha sala e expliquei que, se eu não havia informado a redação, é porque não tinha confiança nele e não estava certa de que ele guardaria segredo.
— Como ele reagiu?
— Ficou muito magoado, claro, e furioso. Não recuei e dei a ele um ultimato: ou fazia um esforço para melhorar ou começasse a procurar outro emprego.
— E ele?
— Resolveu se esforçar. Mas permanece distante e há muita tensão entre ele e o resto da equipe. Christer não o suporta mais e demonstra isso claramente.
— E o que suspeita que Dahlman esteja fazendo? Erika suspirou.
— Não sei. Nós o contratamos há um ano, quando já estávamos em campanha contra Wennerström. Não posso provar absolutamente nada, mas pressinto que ele não trabalha para nós.
Mikael assentiu com a cabeça.
— Confie nos seus instintos.
— Talvez não passe de um pobre-coitado cheio de mau humor por não estar no seu lugar.
— É possível. Mas concordo com você que cometemos um erro de avaliação ao contratá-lo.
Vinte minutos depois, Mikael pegava as vias expressas do Slussen rumo ao norte, no carro que emprestara da mulher de Dirch Frode, um Volvo de dez anos que ela nunca utilizava e que Mikael agora podia usar quando quisesse.
Os detalhes eram mínimos e sutis, e Mikael poderia nem tê-los percebido se não estivesse atento. Uma pilha de papéis um pouco mais inclinada do que antes. Um arquivo um pouco fora de lugar na prateleira. A gaveta da escrivaninha inteiramente fechada — Mikael lembrava-se muito bem de tê-la deixado um pouco entreaberta na véspera, quando foi para Estocolmo.
Ficou imóvel por um momento, em dúvida. Depois, uma certeza se impôs: alguém entrara na casa.
Foi até o patamar de entrada e olhou ao redor. Ele trancara a porta, mas como se tratava de uma fechadura velha e bastante comum provavelmente podia ser aberta com uma chave de fenda, e não havia como saber se existiam cópias daquela chave. Voltou a entrar na casa e passou em revista, sistematicamente, a saleta de trabalho para verificar se algo desaparecera. Depois de algum tempo, concluiu que tudo parecia ainda estar ali.
Mas o fato é que alguém havia entrado, se instalado em sua saleta de trabalho e folheado seus papéis e arquivos. Ele levara o computador consigo, portanto a pessoa não tivera acesso a ele. Duas questões se apresentavam. Quem? E será que o visitante misterioso tinha podido concluir alguma coisa do que vira ali?
Os arquivos eram uma parte dos que ele trouxera de volta da casa de Henrik Vanger após sair da prisão. Não havia nenhum material novo. Os cadernos de anotações eram indecifráveis para um não-iniciado. Mas será que a pessoa que vasculhara sua mesa era uma não-iniciada?
O mais preocupante era o pequeno envelope de plástico em cima da mesa, onde ele pusera a lista de números da agenda telefônica de Harriet e uma cópia das citações bíblicas às quais eles se referiam. A pessoa que vasculhara a saleta agora sabia que ele havia decifrado o código da Bíblia.
Quem?
Henrik Vanger estava no hospital. Ele não suspeitava de Anna, a governanta. Dirch Frode? Mas Mikael já havia lhe contado todos os detalhes... Cecilia Vanger adiara a viagem à Flórida e voltara de Londres com a irmã. Ele a vira na noite anterior, atravessando a ponte de carro. Martin Vanger? Harald Vanger? Birger Vanger regressara para participar de uma reunião de família, à qual Mikael não fora convidado, no dia seguinte ao infarto de Henrik. Alexander Vanger? Isabella Vanger? Ela era tudo menos simpática.
Com quem Frode havia falado? Deixara escapar alguma coisa? Quantos, dos mais próximos, haviam percebido que Mikael descobrira algo novo nas investigações?
Passava de oito da noite. Ele telefonou para um serralheiro em Hedestad e pediu uma nova fechadura. O serralheiro explicou que só poderia ir na manhã seguinte. Mikael prometeu pagar o dobro se ele fosse imediatamente, e ele concordou em passar às dez e meia para instalar uma nova fechadura na casa.
Enquanto esperava o serralheiro, Mikael foi até a casa de Dirch Frode, por volta das oito e meia. A mulher de Frode apontou para o jardim atrás da casa e lhe propôs uma cerveja gelada, que Mikael aceitou com prazer. Ele pediu a Frode notícias de Henrik.
— Foi operado. Tem arteriosclerose nas coronárias. O médico disse que seu estado continua crítico, mas que ainda há esperanças.
Ficaram um instante em silêncio, bebendo cerveja.
— Suponho que não conseguiu falar com ele.
— Não, não está em condições de falar. E como foi lá em Estocolmo?
— Lisbeth Salander aceitou. Eu trouxe o contrato de Dragan Armanskij. Precisa assiná-lo e enviá-lo de volta.
Dirch Frode leu o documento.
— Ela não cobra barato — constatou.
— Henrik pode pagar.
Frode foi buscar uma caneta e assinou.
— Ainda posso assinar este contrato por Henrik enquanto ele estiver vivo. Pode deixá-lo na caixa de correspondência do Konsum quando voltar para casa?
* * *
A meia-noite, Mikael já estava na cama, porém não conseguia dormir. Até então, sua temporada na ilha de Hedeby limitara-se a desencavar extravagâncias históricas. Mas quem sabe o passado não estivesse mais próximo do presente do que ele imaginava, se alguém suficientemente interessado no que ele fazia foi capaz de se introduzir na sua saleta de trabalho?
De repente lhe ocorreu que outras pessoas fora da ilha também podiam estar interessadas nas atividades dele. A súbita entrada de Henrik Vanger no conselho administrativo da Millennium não devia ter passado despercebida a Hans-Erik Wennerström. Ou esse tipo de pensamento indicava que ele estava ficando paranóico?
Mikael levantou-se, postou-se completamente nu diante da janela da cozinha e olhou pensativo para a igreja do outro lado da ponte. Acendeu um cigarro.
Não conseguia entender Lisbeth Salander. Ela tinha um comportamento estranho, fazia longas pausas no meio da conversa. Seu apartamento era um caos, com montanhas de jornais no vestíbulo e uma cozinha que não passava por uma limpeza havia bem um ano. Roupas espalhadas pelo chão, com certeza ele a tinha encontrado depois de uma noite de farra. No pescoço havia vestígios de chupadas, reveladoras de grande atividade noturna. Tinha várias tatuagens pelo corpo, piercings no rosto e provavelmente também em lugares que ele não vira. Ou seja, uma criatura especial.
Por outro lado, Armanskij garantira que ela era indiscutivelmente a melhor investigadora de sua empresa, e a investigação que fizera sobre ele indicava com certeza que ela ia fundo nas coisas. Uma garota estranha.