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Lisbeth Salander estava diante do seu Powerbook refletindo sobre como reagira a Mikael Blomkvist. Em toda a sua vida adulta, jamais deixara entrar em sua casa alguém que não tivesse sido expressamente convidado, e podia-se contar tais pessoas nos dedos de uma mão. Sem a menor cerimônia, Mikael se intrometera em sua vida e ela não reagira senão com uns protestos frouxos.

E não foi tudo — ele havia mexido com ela, zombado dela.

De hábito, esse tipo de comportamento a teria levado a mentalmente engatilhar uma arma. No entanto, não sentiu a menor ameaça, nenhuma hostilidade vinda de Mikael Blomkvist. Ele tinha todos os motivos para estar zangado — e até mesmo para processá-la depois de ter descoberto que ela invadira seu computador. Mas não, levou isso também na brincadeira.

Foi a parte mais delicada da conversa que tiveram. Como se Mikael propositalmente não quisesse tocar no assunto. Por fim, ela mesma não conseguiu evitar.

— Você disse que sabe o que eu fiz.

— Você invadiu o meu computador, é uma hacker.

— Como sabe disso? — Lisbeth tinha a certeza de que não havia deixado vestígios e de que não seria descoberta, a menos que alguém muito experiente em segurança estivesse escaneando o disco rígido no momento em que ela o invadiu.

— Você cometeu um erro. — Ele explicou que ela reproduzira um texto que só existia no computador dele e em nenhum outro lugar.

Lisbeth Salander ficou em silêncio por um bom tempo. Por fim, fixou nele uns olhos inexpressivos.

— Como conseguiu? — ele perguntou.

— Segredo. O que pretende fazer? Mikael encolheu os ombros.

— O que eu posso fazer? No máximo, deveria levar um papo com você sobre ética e moral, e sobre os perigos de bisbilhotar a vida alheia.

— Que é exatamente o que você faz como jornalista. Ele concordou com a cabeça.

— Sem dúvida. É justamente por isso que nós, jornalistas, temos um comitê de ética nos vigiando nas questões morais. Quando escrevo um texto sobre um corrupto do mundo financeiro, deixo de lado, por exemplo, sua vida sexual. Não escrevo que uma estelionatária é lésbica ou que sonha trepar com seu cachorro, ou coisas do gênero, ainda que seja verdade. Mesmo os corruptos têm direito a uma vida privada, e é muito fácil prejudicar alguém atacando sua maneira de viver. Entende o que quero dizer?

— Sim.

— Portanto, você atentou contra a minha integridade. Henrik Vanger não precisava saber com quem eu faço amor. É problema meu.

Um sorriso acanhado despontou nos lábios de Lisbeth Salander.

— Acha então que eu não devia ter falado disso?

— No que me diz respeito, não faz muito diferença. Metade da cidade sabe da minha ligação com Erika. Estou falando é do princípio.

— Talvez você ache divertido saber que eu também tenho princípios que correspondem ao do seu comitê de ética. É o que chamo de Princípio Salander. Na minha opinião, um corrupto sempre será um corrupto e, se posso prejudicá-lo desencavando sujeiras a seu respeito, ele tem o que merece. Não faço senão dar-lhe o troco.

— Certo — disse Mikael Blomkvist sorrindo. — Meu raciocínio não é inteiramente diferente do seu, mas...

— A verdade é que ao fazer uma investigação levo em conta também o que a pessoa me inspira. Não fico neutra. Se julgo que se trata de uma pessoa boa, posso ser discreta no meu relatório.

— É mesmo?

— No seu caso, fui discreta. Poderia ter escrito um livro sobre a sua vida sexual. Poderia ter contado a Frode que Erika Berger tem um passado no clube Xtreme e que flertava com o BDSM nos anos 1980, o que inevitavelmente teria criado algumas associações de idéias sobre a vida sexual de vocês.

Mikael Blomkvist encarou o olhar de Lisbeth Salander. Depois de um momento, olhou pela janela e deu uma gargalhada.

— Realmente nada te escapa. Por que não pôs isso no relatório?

— Você e Erika Berger são adultos e parecem gostar muito um do outro. O que fazem na cama não interessa a ninguém, e tudo que eu conseguiria, ao falar dela, seria só prejudicar você ou oferecer material de chantagem a alguém. Sei lá, não conheço Dirch Frode, e esse material poderia chegar às mãos de Wennerström.

— E você não quer fornecer material a Wennerström?

— Se eu precisasse escolher entre você e ele, escolheria o seu lado do ringue.

— Eu e Erika temos um... nosso relacionamento é...

— Estou pouco me lixando para o relacionamento de vocês. Mas não respondeu à minha pergunta: o que pretende fazer agora que sabe que eu invadi o seu computador?

A pausa de Mikael foi quase tão longa quanto a dela.

— Lisbeth, eu não vim aqui para aborrecê-la, não vou denunciar você.

Estou aqui para pedir sua ajuda numa investigação. Responda sim ou não. Se disser não, vou embora, procuro outra pessoa e não terá mais notícias de mim. — Ele refletiu um segundo e depois sorriu. — Com a condição de eu não pegar você de novo no meu computador, é claro. Ela o olhou com uma expressão vazia.

19. QUINTA-FEIRA 19 DE JUNHO — DOMINGO 29 DE JUNHO

Mikael passou dois dias estudando seus documentos, enquanto aguardava notícias sobre se Henrik Vanger sobreviveria ou não. Permanecia em contato com Dirch Frode. Na quinta-feira à noite, Frode foi vê-lo na casa dos convidados para anunciar que a crise parecia superada por enquanto.

— Ele está fraco, mas consegui falar um pouco com ele hoje. Quer te ver o mais breve possível.

A uma da tarde do sábado, dia do solstício de verão, Mikael foi ao hospital de Hedestad e dirigiu-se ao setor onde Henrik Vanger estava internado. Deparou com Birger Vanger, muito irritado, que lhe barrou o caminho dizendo, com muita autoridade, que Henrik não estava em condições de receber visitas. Sem perder a calma, Mikael contemplou o conselheiro municipal.

— E estranho. Henrik Vanger me mandou um recado muito claro de que desejava me ver hoje.

— Você não é da família e não tem nada o que fazer aqui.

— É verdade, não faço parte da família. Mas vim atender um pedido expresso de Henrik, e só recebo ordens dele.

A troca de palavras poderia ter virado uma disputa violenta se Dirch Frode não tivesse saído do quarto de Henrik justamente naquele momento.

— Ah, aí está você. Henrik acabou de perguntar onde você estava. Frode manteve a porta aberta e Mikael entrou no quarto, passando por

Birger Vanger.

Henrik parecia ter envelhecido dez anos em uma semana. Suas pálpebras permaneciam semicerradas, um tubo de oxigênio entrava pelo nariz e seus cabelos estavam mais emaranhados do que nunca. Uma enfermeira deteve Mikael, pondo a mão em seu braço.

— Só dois minutos. E evite emoções. — Mikael assentiu com a cabeça e sentou-se numa cadeira de modo a poder ver o rosto de Henrik. Ficou surpreso por sentir-se tão enternecido e estendeu a mão para apertar suavemente a do velho, muito frouxa. Henrik Vanger falou com voz fraca, entrecortada.

— Novidades?

Mikael fez que sim com a cabeça.

— Farei um relatório assim que você melhorar. Ainda não resolvi o mistério, mas descobri novos elementos e estou seguindo algumas pistas. Dentro de uma semana ou duas, poderei dizer se isso nos leva a algum lugar.

Henrik tentou balançar a cabeça. Foi com um bater de pálpebras que indicou haver entendido.

— Vou me ausentar por alguns dias.

As sobrancelhas de Henrik se contraíram.

— Não, não estou abandonando o navio. Vou fazer uma investigação. Combinei com Dirch Frode de passar meus relatórios a ele. Está de acordo?

— Dirch é... meu mandatário... em todos os assuntos. Mikael assentiu com a cabeça.

— Mikael... se por acaso... eu vier a... quero que termine... o trabalho assim mesmo.

— Prometo que vou terminar.

— Dirch tem todas as... procurações.

— Henrik, quero que se restabeleça logo. Eu ficaria muito chateado com você se desaparecesse agora que avancei tanto em meu trabalho.