— Dois minutos — disse a enfermeira.
— Preciso ir. Da próxima vez que eu vier, espero ter uma longa conversa com você.
Birger Vanger esperava Mikael quando ele saiu no corredor e o deteve pondo uma mão em seu ombro.
— Não quero que perturbe Henrik outra vez. Ele está gravemente doente e não deve ser incomodado, seja qual for o motivo.
— Entendo sua preocupação. Não vou mais perturbá-lo.
— Todos sabem que Henrik o contratou para investigar seu pequeno hobby... Harriet. Dirch Frode me contou que Henrik ficou muito perturbado depois de uma conversa que vocês tiveram pouco antes do infarto. Disse que você mesmo achou que ela pode ter deflagrado a crise.
— Não penso mais assim. Henrik Vanger tem uma arteriosclerose nas coronárias. Poderia ter sofrido um infarto ao ir ao banheiro. Tenho certeza de que você também sabe muito bem disso.
— Quero ter o direito de fiscalizar todas essas bobagens. É na minha família que você está se metendo.
— Bem, como eu disse... trabalho para Henrik, não para a sua família.
Birger Vanger não estava aparentemente habituado a que alguém o contrariasse. Por um breve instante, encarou Mikael com um olhar destinado a lhe inspirar respeito, mas que lhe dava sobretudo o aspecto de um alce presunçoso. Depois, girou os calcanhares e entrou no quarto de Henrik.
Mikael conteve o riso. Não era muito conveniente rir no corredor tão perto do leito onde Henrik se achava enfermo, que também poderia vir a ser seu leito de morte. Mas Mikael se lembrou de repente de uma estrofe de um abecedário rimado de Lennart Hyland, divulgado no rádio nos anos 1960, e que por uma razão incompreensível ele memorizara quando estava sendo alfabetizado: Era a letra A: o Alce soberbo e solitário insiste/ em olhar o bosque arruinado e triste.
Na entrada do hospital, Mikael topou com Cecilia Vanger. Havia ligado para o celular dela dezena de vezes desde que ela retornara de suas férias interrompidas, mas não obtivera resposta. Ela também não estava em sua casa na ilha quando ele passou por lá e bateu na porta.
— Oi, Cecilia — ele disse. — Lamento o que aconteceu com Henrik. Ela agradeceu com um gesto de cabeça. Mikael tentou captar seus sentimentos, mas não percebeu nem calor nem frieza.
— Precisamos conversar.
— Sinto muito ter te excluído daquela forma. Entendo que esteja furioso, mas estou passando por um momento difícil.
Mikael franziu o cenho até entender o que ela queria dizer. Pôs a mão no braço de Cecilia e sorriu.
— Espere, não é isso, Cecilia. Não estou nem um pouco furioso com você. Queria muito continuar seu amigo, mas se não tem vontade de me ver... se for essa a sua decisão, eu respeitarei.
— Os relacionamentos nunca foram o meu forte — ela disse.
— Nem o meu. Vamos tomar um café?
Ele fez um sinal com a cabeça em direção à cafeteria do hospital. Cecilia hesitou.
— Não, hoje não. Gostaria de ver Henrik agora.
— Tudo bem, mas mesmo assim preciso falar com você. Sobre trabalho.
— O que está querendo dizer? — Ela se pôs em guarda.
— Lembra-se quando nos vimos pela primeira vez, quando você veio me ver em janeiro? Eu disse que tudo o que falássemos seria off the record e que quando eu tivesse perguntas de verdade para lhe fazer, eu avisaria. É sobre Harriet.
O rosto de Cecilia inflamou-se num furor súbito.
— Seu filho-da-puta!
— Cecilia, descobri coisas sobre as quais preciso falar com você. Ela deu um passo para trás.
— Você não entende que essa maldita investigação dessa maldita Harriet é só uma maneira de Henrik se ocupar? Não entende que ele talvez esteja morrendo lá em cima e que a última coisa que ele precisa agora é ser perturbado e que lhe dêem falsas esperanças?...
Ela se calou.
— Talvez seja um hobby para Henrik, mas o fato é que descobri novos elementos que não tinham sido descobertos em trinta e cinco anos. Há questões nessa investigação que ficaram sem resposta, e estou trabalhando de acordo com as instruções de Henrik.
— Se Henrik morrer, esta droga de investigação vai acabar em seguida e você será o primeiro a cair fora — disse Cecilia, afastando-se e cruzando a porta.
* * *
Tudo estava fechado, Hedestad praticamente deserta. A população parecia ter ido ao campo para as festividades de São João. Mikael encontrou por fim o terraço do Grande Hotel e ali pediu um café e um sanduíche enquanto lia os jornais da tarde. Nada de importante acontecera no mundo.
Deixou os jornais e refletiu sobre Cecilia Vanger. Não havia contado nem a Henrik nem a Dirch Frode que suspeitava que ela tinha aberto a janela do quarto de Harriet. Não queria transformá-la em suspeita e a última coisa que desejava era prejudicá-la. Mas cedo ou tarde seria preciso tocar nessa questão.
Permaneceu no terraço por uma hora até decidir deixar de lado aquele problema e dedicar o Dia de São João a outra coisa que não à família Vanger. Seu celular permanecia silencioso. Erika viajara no fim de semana e se divertia em algum lugar com o marido, e ele não tinha com quem falar.
Regressou à ilha por volta das quatro da tarde e tomou outra decisão — parar de fumar. Ele se exercitava com regularidade desde a época do serviço militar, ginástica e jogging ao longo da Söder Mälarstrand, mas parara completamente quando os problemas com Hans-Erik Wennerström começaram. Em Rullaker tentou desenferrujar o corpo, sobretudo como terapia, mas desde que deixara a prisão não fizera muitos progressos. Era hora de recomeçar. Com determinação, vestiu um abrigo e se pôs a correr em marcha lenta pelo caminho que conduzia à cabana de Gottfried, pegou a trilha para a Fortificação e empregou um ritmo mais forte fora da pista. Não praticava corrida de percurso desde o serviço militar, mas sempre preferira correr no bosque do que nas pistas de treinamento. Passou pela fazenda de Östergarden para voltar ao povoado. Sentia-se exausto quando completou, bufando, os últimos metros até a casa dos convidados.
Às seis da tarde tomou um banho. Adepto, mesmo contra a vontade, do tradicional jantar de São João, pôs algumas batatas para cozinhar, preparou o arenque marinado com cebolinha e ovos duros e instalou-se numa mesa frágil, fora de casa, no lado que dava para a ponte. Serviu-se de aquavita e brindou sozinho. Depois abriu um romance policial intitulado O canto das sereias, de Vai McDermid.
Por volta das sete da noite, Dirch Frode passou para vê-lo e instalou-se pesadamente numa cadeira do jardim diante dele. Mikael ofereceu-lhe uma dose de aquavita.
— Você causou muitos ressentimentos hoje — disse Frode.
— Eu percebi.
— Birger Vanger é um fanfarrão.
— Eu sei.
— Mas Cecilia Vanger não é, e está furiosa com você. Mikael assentiu com a cabeça.
— Ela me falou que você precisa parar de remexer nos assuntos da família.
— Entendo. E o que você respondeu?
Dirch Frode olhou seu copo de aquavita e o esvaziou num trago.
— Respondi que Henrik deu instruções muito claras sobre o que deseja que você faça. Enquanto ele não modificar essas instruções, você segue o contrato que fizemos. Espero que faça o possível para cumprir sua parte no contrato.
Mikael concordou com a cabeça. Olhou o céu, onde nuvens de chuva se acumulavam.
— Há uma tempestade no ar — disse Frode. — Se os ventos começarem a soprar muito fortes, estarei aqui para ajudá-lo.
— Obrigado.
Ficaram um instante em silêncio.
— Pode me servir mais um trago? — pediu Frode.
Alguns minutos depois de Dirch Frode ter voltado para casa, Martin Vanger estacionou o carro em frente à casa dos convidados. Desceu e foi cumprimentar Mikael, que lhe desejou boa Festa de São João e lhe ofereceu uma bebida.