Mikael vestiu uma roupa esportiva e saiu para praticar jogging até a Fortificação. Depois passou pela cabana de Gottfried antes de voltar, num ritmo mais lento, beirando a praia. Dirch Frode estava sentado à mesa do jardim. Ele esperou pacientemente que Mikael esvaziasse uma garrafa de água e enxugasse o rosto.
— Tem certeza de que é bom para a saúde com esse calor?
— Ora, vamos! — respondeu Mikael.
— Eu me enganei. Não é Cecilia quem está importunando Martin. É Isabella que está mobilizando todo o clã Vanger para arrancar as suas penas e, se possível, assar você na panela. Ela é apoiada por Birger.
— Isabella?
— É uma mulher maldosa e mesquinha que, de modo geral, não gosta de ninguém. Neste momento, o ódio dela se dirige a você em particular. Espalhou boatos de que você é um vigarista que convenceu Henrik a contratá-lo e que o excitou a ponto de causar-lhe um infarto.
— E alguém acreditou nisso?
— Há sempre gente pronta a acreditar nas más-línguas.
— Estou tentando descobrir o que aconteceu com a filha dela e ela me odeia. Se fosse a minha filha, acho que eu reagiria de outro modo.
* * *
Por volta das duas da tarde, o celular de Mikael tocou.
— Bom dia, meu nome é Cony Torsson, trabalho no Hedestads-Kuriren. Teria um tempinho para responder a algumas perguntas? Obtivemos informações confidenciais de que está morando aqui na aldeia.
— Nesse caso as informações demoraram um pouco a chegar. Estou morando aqui desde 1º de janeiro.
— Eu não sabia. E o que faz em Hedeby?
— Estou escrevendo. E tendo uma espécie de ano sabático.
— Está escrevendo sobre o quê?
— Saberá quando for publicado.
— Você acaba de sair da prisão...
— E...?
— Qual é a sua opinião sobre jornalistas que falsificam dados?
— Jornalistas que falsificam dados são imbecis.
— Está querendo dizer que é um imbecil?
— Por que eu diria isso? Nunca falsifiquei dados.
— Mas foi condenado por difamação.
— E...?
O repórter Conny Torsson hesitou tanto tempo que Mikael foi obrigado a explicar.
— Fui condenado por difamação, não por ter falsificado dados.
— Mas publicou esses dados.
— Se telefonou para falar da minha condenação, não tenho nenhum comentário a fazer.
— Gostaria de entrevistá-lo.
— Sinto muito, nada tenho a dizer sobre esse assunto.
— Então não quer conversar sobre o processo?
— Isso mesmo — respondeu Mikael, pondo fim à conversa. Ele refletiu um bom tempo antes de voltar ao computador.
Lisbeth Salander seguiu as instruções que lhe deram e cruzou a ponte na sua Kawasaki. Parou diante da primeira casa à esquerda. Era um lugar distante, mas estaria disposta a ir ao Pólo Norte se estivesse sendo paga para isso. Além do mais, fora bom correr a toda a velocidade pela rodovia E4. Estacionou a moto e desatou a correia que prendia sua sacola de viagem.
Mikael Blomkvist abriu a porta e acenou com a mão. Saiu e inspecionou a moto com um assombro sincero.
— Uau! Você veio de moto!
Lisbeth Salander não disse nada, mas observou-o atentamente tocar o volante e experimentar o acelerador. Ela não gostava que mexessem nas suas coisas, mas viu o sorriso dele, um sorriso de garoto, e considerou aquilo como uma circunstância atenuante. Em geral, as pessoas interessadas por motocicletas sentiam desprezo pela sua moto de baixa cilindrada.
— Quando eu tinha dezenove anos, tive uma moto — disse Mikael virando-se para ela. — Obrigado por ter vindo. Entre. Vou mostrar a casa.
Mikael pedira emprestada uma cama de armar a Nilsson, do outro lado da estrada, e a instalara na saleta de trabalho. Desconfiada, Lisbeth Salander deu uma volta pela casa, mas relaxou após constatar que não havia nenhuma armadilha. Mikael indicou o banheiro.
— Não quer tomar um banho e se refrescar?
— Preciso me trocar. Não pretendo ficar com este macacão de couro.
— Vá, enquanto isso eu vou fazendo o jantar.
Mikael preparou costeletas de cordeiro ao molho de vinho tinto e pôs a mesa fora, enquanto Lisbeth tomava um banho e trocava de roupa. Saiu de pés descalços, vestindo uma regata preta e uma saia jeans curta. O cheiro da comida era bom e ela devorou duas porções. Mikael observou discretamente sua tatuagem nas costas.
Cinco mais três — disse Lisbeth Salander. — Cinco casos da lista da sua Harriet e mais três que, na minha opinião, também deveriam figurar.
— Me conte tudo.
— Faz apenas onze dias que trabalho nisso e não tive tempo de ver todos os inquéritos policiais. Alguns foram transferidos para os arquivos nacionais, outros ainda estão no distrito responsável pelo caso. Em um dia visitei três distritos diferentes, não deu tempo de fazer mais. Mas os cinco estão identificados.
Lisbeth Salander pôs uma pilha impressionante de papéis sobre a mesa, mais de quinhentas folhas de papel ofício. Rapidamente distribuiu o material em diferentes partes.
— Vamos ver por ordem cronológica. — Ela entregou uma lista a Mikael.
1949 — Rebecka Jacobsson, Hedestad (30112)
1954 — Mari Holmberg, Kalmar (32018)
1957 — Rakel Lunde, Landskrona (32027)
1960 — (Magda) Lovisa Sjöberg, Karlstad (32016)
1960 — Liv Gustavsson, Estocolmo (32016)
1962 — Lea Persson, Uddevalla (31208)
1964 — Sara Witt, Ronneby (32109)
1966 — Lena Andersson, Uppsala (30112)
— O primeiro caso dessa série parece ser Rebecka Jacobsson, 1949, do qual você já conhece os detalhes. O caso seguinte que encontrei é Mari Holmberg, uma prostituta de trinta e dois anos de Kalmar, morta em sua casa em outubro de 1954. Não se sabe exatamente quando ela foi assassinada, pois só foi encontrada algum tempo depois, provavelmente nove ou dez dias.
— E como você fez a ligação entre ela e a lista de Harriet?
— Ela tinha as mãos e os pés amarrados e o corpo coberto de ferimentos terríveis, mas a causa da morte foi asfixia. O assassino enfiou um guardanapo na garganta dela.
Mikael ficou em silêncio antes de abrir a Bíblia no local indicado, capítulo XX do Levítico, versículo 18.
"Se um homem dormir com uma mulher durante o tempo de sua menstruação e vir a sua nudez, descobrindo o seu fluxo e descobrindo-o ela mesma, serão ambos cortados do meio de seu povo."
Lisbeth concordou com a cabeça.
— Harriet Vanger fez a mesma ligação. Bem, vamos ao próximo.
— Maio de 1957, Rakel Lunde, quarenta e cinco anos. Era dona de casa e considerada uma espécie de excêntrica da região. Via a sorte das pessoas consultando as cartas, lendo a mão e coisas do gênero. Rakel morava numa casa bem isolada na periferia de Landskrona, onde foi morta ao amanhecer. Encontraram-na nua e amarrada a um varal de roupa no pátio, com a boca tapada por uma fita adesiva. Causa da morte: foi agredida com uma pedra pesada várias vezes. Apresentava várias contusões e fraturas.
— Que horror, Lisbeth! Tudo isso é monstruoso.
— E é só o começo. As iniciais RL coincidem — achou a citação?
— É evidente. "Qualquer homem ou mulher que evocar os espíritos ou fizer adivinhações, será morto. Serão apedrejados e levarão a sua culpa."
— A seguir vem Lovisa Sjöberg em Ranmo, perto de Karlstad. É a que Harriet se refere como Magda. Seu nome completo era Magda Lovisa, mas todos a chamavam de Lovisa.