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— Existe, necessariamente, uma ligação com a família Vanger.

Por volta das onze da noite, eles haviam repassado a série de crimes e discutido relações e detalhes curiosos, a ponto de os pensamentos girarem sem parar na cabeça de Mikael. Ele esfregou os olhos, se espreguiçou e perguntou se Lisbeth não tinha vontade de dar uma caminhada. Ela pareceu achar esse tipo de exercício uma perda de tempo, mas, depois de refletir um instante, concordou. Mikael sugeriu que ela vestisse uma calça comprida por causa dos mosquitos.

Deram uma volta pelo porto de recreio, passaram junto à ponte e seguiram em direção ao promontório onde Martin Vanger morava. Mikael apontou as casas e contou quem eram seus moradores. Teve dificuldade de falar sobre Cecilia Vanger quando mostrou sua casa. Lisbeth olhou para ele discretamente.

Passaram em frente ao luxuoso iate de Martin Vanger e chegaram ao promontório, onde se sentaram numa pedra e dividiram um cigarro.

— Há um outro tipo de ligação entre as vítimas — disse Mikael de repente. — Talvez já tenha lhe ocorrido isso.

— O quê?

— Os prenomes.

Lisbeth Salander refletiu por um instante e depois balançou negativamente a cabeça.

— Todas têm prenomes bíblicos.

— Não, não é verdade — respondeu Lisbeth vivamente. — Não há nem Liv nem Lena na Bíblia.

— Pois eu digo que sim — replicou Mikael. — Liv significa "viver", que é o sentido bíblico do prenome Eva. E, pense um pouco, Lisbeth: Lena é uma redução de quê?

Lisbeth Salander contraiu os olhos com força, irritada consigo mesma. Mikael raciocinara mais rápido que ela, e ela não gostava disso.

— De Magdalena, assim como Magda. Ou seja, Madalena — ela disse.

— A pecadora, a primeira mulher, a Virgem Maria... eis todas elas reunidas. É uma história bem maluca, capaz de fundir a cabeça de qualquer psicólogo. Mas, na verdade, ainda estou pensando em outra coisa sobre os prenomes.

Lisbeth aguardou pacientemente.

— São também prenomes femininos judaicos tradicionais. A família Vanger teve um bom contingente de doidos anti-semitas, nazistas e teóricos da conspiração. Harald Vanger, no topo da lista, tem mais de noventa anos e estava no auge de sua forma nos anos 1960. A única vez em que o encontrei, disse com desprezo que sua filha era uma puta. Ele claramente tem problemas com as mulheres.

De volta à casa, eles prepararam sanduíches e esquentaram o café. Mikael lançou um olhar às quinhentas páginas que a investigadora favorita de Dragan Armanskij havia produzido.

— Fez um trabalho de pesquisa fantástico num tempo recorde. Obrigado. E obrigado também pela gentileza de vir até aqui me trazer o relatório.

— E o que faremos agora? — perguntou Lisbeth.

— Falarei com Dirch Frode amanhã de manhã para que paguem você.

— Não foi isso que eu quis dizer. Mikael olhou para ela.

— Bem... o trabalho de pesquisa para o qual eu a contratei terminou — ele disse com prudência.

— Ainda não acabei de resolver essa história.

Mikael inclinou-se para trás no banco da cozinha e sondou os olhos dela. Não conseguiu detectar absolutamente nada. Durante seis meses havia trabalhado sozinho no desaparecimento de Harriet e de repente outra pessoa — uma investigadora habilidosa — captava todas as implicações do caso. Ele tomou uma súbita decisão.

— Entendo. Essa história também está mexendo com os meus nervos. Falarei com Dirch Frode amanhã. Contrataremos você por mais uma semana ou duas como... humm... assistente de pesquisa. Não sei se ele está disposto a pagar o mesmo que paga a Armanskij, mas daremos um jeito de conseguir uma remuneração satisfatória.

Lisbeth agradeceu com um breve sorriso. Ela não tinha a menor vontade de ficar inativa e teria aceitado de bom grado o trabalho de graça.

— Vou dormir — ela anunciou. E, sem dizer mais nada, foi para o quarto e fechou a porta.

Dez minutos depois, abriu a porta e pôs a cabeça para fora.

— Acho que você está enganado. Ele não é um assassino serial, um doente que leu a Bíblia demais. É simplesmente um canalha ordinário que odeia as mulheres.

21. QUINTA-FEIRA 3 DE JULHO — QUINTA-FEIRA 10 DE JULHO

Lisbeth Salander acordou antes de Mikael, às seis da manhã. Pôs a água do café para esquentar e tomou um banho. Quando Mikael acordou por volta das sete e meia, encontrou-a lendo seu resumo do caso Harriet Vanger no notebook. Foi até a cozinha, com uma toalha de banho em volta da cintura, e esfregou os olhos para espantar o sono.

— O café está pronto — disse Lisbeth. Mikael olhou por cima do ombro dela.

— Esse documento estava protegido por uma senha de acesso — disse. Ela virou a cabeça e olhou para ele.

— Em trinta segundos pode-se baixar um programa na internet que abre as senhas do Word — ela disse.

— Nós dois precisamos ter uma conversinha sobre o que lhe pertence e o que me pertence — disse Mikael, e foi tomar seu banho.

Quando voltou, Lisbeth já havia fechado e recolocado o computador de Mikael na saleta de trabalho, e trabalhava no seu próprio Powerbook. Ele podia jurar que ela já havia transferido todo o conteúdo do seu computador para o dela.

Lisbeth Salander era uma junkie da informática com uma concepção muito liberal a respeito de moral e ética.

* * *

Mikael tinha acabado de se sentar à mesa para tomar o café-da-manhã, quando bateram à porta. Ao abrir, deu com um Martin Vanger tão crispado que, por um instante, acreditou que ele vinha anunciar a morte de Henrik.

— Não, o estado de Henrik continua o mesmo. Venho por outro motivo. Será que posso entrar um momento?

Mikael o fez entrar e o apresentou à sua "colaboradora" Lisbeth Salander. Ela o cumprimentou com um breve aceno de cabeça antes de voltar ao computador. Martin Vanger respondeu com uma saudação automática, mas dava a impressão de estar tão distraído que nem pareceu notá-la. Mikael serviu-lhe uma xícara de café e o convidou a se sentar.

— O que aconteceu?

— Você é assinante do Hedestads-Kuriren?

— Não. Leio o jornal de vez em quando no Café Susanne.

— Então não leu a edição de hoje?

— Pelo jeito, acho que eu deveria ter lido.

Martin Vanger pôs o Hedestads-Kuriren em cima da mesa, na frente de Mikael. Havia duas colunas dedicadas a ele na primeira página, com uma continuação na página 4. Ele leu a manchete.

jornalista condenado por difamação se esconde entre nós

O texto era ilustrado por uma foto de Mikael saindo de casa, tirada da igreja, do outro lado da ponte, com teleobjetiva.

O repórter Conny Torsson traçava um perfil grosseiro e devastador de Mikael. O artigo recapitulava o caso Wennerström, sublinhava que Mikael deixara a Millennium com o rabo entre as pernas e que acabava de amargar uma pena de prisão. O texto terminava informando, segundo a fórmula-padrão, que Mikael se recusara a conceder uma entrevista ao Hedestads-Kuriren. A idéia da matéria era fazer o habitante de Hedestad acreditar que um vagabundo da capital, um indivíduo perigoso, se encontrava nas imediações. Nenhuma das afirmações era abertamente caluniosa, mas todas procuravam jogar uma luz suspeita sobre Mikael; a foto e o texto adotavam a linha "descrição de terroristas políticos". A Millennium era apresentada como uma "revista de agitadores" pouco digna de crédito, e o livro de Mikael sobre jornalismo econômico como um amontoado de afirmações destinadas a denegrir jornalistas respeitados.

— Mikael... não tenho palavras para dizer o que senti quando li esse artigo. É ignóbil.

— É cobra mandada — respondeu Mikael calmamente. Ele perscrutou Martin Vanger com o olhar.

— Espero que não pense que eu tenho algo a ver com isso. Mal consegui engolir meu café hoje de manhã, ao ler o jornal.