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Pobre velho Yezzan. O senhor do sebo não era assim tão mau enquan­to amo. Doces tivera razão quanto a isso. Servindo nos seus banquetes no­turnos, Tyrion depressa ficara a saber que Yezzan era um dos principais lordes yunkaitas favoráveis à ideia de honrar o acordo de paz com Meereen. A maior parte dos outros estava só a ganhar tempo, à espera da chegada dos exércitos de Volantis. Alguns queriam assaltar imediatamente a cidade, para evitar que os volantenos lhes roubassem a glória e a melhor parte do saque. Yezzan não queria participar em tal coisa. E também não consentia em devolver os reféns de Meereen através de trabucos, como o mercenário Barba Sangrenta propusera.

Mas é mais do que muito o que pode mudar em dois dias. Dois dias antes, Amasseca estivera vigoroso e saudável. Dois dias antes, Yezzan não ouvia os cascos fantasmagóricos da égua branca. Dois dias antes, as frotas de Velha Volantis estavam dois dias mais longe. E agora...

—    Yezzan vai morrer? — perguntou Centava, naquela sua voz de por-favor-diz-que-não-é-verdade.

—   Todos nós vamos morrer.

—   Da fluxão, quero eu dizer.

Doces dirigiu a ambos um olhar desesperado.

—   Yezzan não pode morrer. — O hermafrodita afagou a testa do seu gargantuesco amo, puxando para trás o cabelo húmido de suor. O yunkaita gemeu, e outra inundação de água castanha jorrou-lhe pelas pernas abaixo. A roupa da cama estava manchada e fedia, mas não tinham maneira de o deslocar.

—   Há amos que libertam os escravos quando morrem — disse Cen­tava.

Doces soltou um risinho abafado. Era um som sinistro.

—  Só os favoritos. Libertam-nos das angústias do mundo, para acom­panharem o seu querido amo para a sepultura e servirem-no no além.

O Doces há de saber. A dele será a primeira garganta a ser cortada.

O rapaz-cabra interveio.

—   A rainha prateada...

—    ... está morta — insistiu Doces. — Esquece-a! O dragão levou-a para o outro lado do rio. Afogou-se no tal mar dothraki.

—   Não nos podemos afogar em erva — disse o rapaz-cabra.

—   Se fôssemos livres — disse Centava — podíamos encontrar a rai­nha. Ou pelo menos ir à procura dela.

Tu montada no teu cão e eu fia minha porca, a perseguir um dragão pelo mar dothraki. Tyrion coçou a cicatriz para evitar rir-se.

—   Este dragão em particular já demonstrou gosto por porco assado. E anão assado é duplamente saboroso.

—    Era só um desejo — disse Centava, com um ar melancólico. — Podíamos ir embora por mar. Voltou a haver navios, agora que a guerra acabou.

Acabou? Tyrion sentia-se inclinado a duvidar disso. Pergaminhos tinham sido assinados, mas as guerras não eram travadas com pergami­nhos.

—   Podíamos viajar para Qarth — prosseguiu Centava. — O meu ir­mão sempre disse que as ruas lá são pavimentadas com jade. As muralhas da cidade são uma das maravilhas do mundo. Quando atuarmos em Qarth, ouro e prata choverão sobre nós, vais ver.

—   Alguns daqueles navios que estão na baía são qartenos — fez-lhe

Tyrion lembrar. — Lomas Longstrider viu as muralhas de Qarth. Os livros dele chegam-me. Já fui tanto para leste quanto pretendo ir.

Doces deu pancadinhas na cara febril de Yezzan com um pano hú­mido.

—   Yezzan tem de sobreviver. Senão morreremos todos com ele. A égua branca não leva todos os que a montam. O amo vai recuperar.

Aquilo era uma mentira descarada. Seria espantoso se Yezzan vivesse mais um dia. A Tyrion parecia que o senhor do sebo já estava a morrer da hedionda doença que trouxera de Sothoryos, fosse ela qual fosse. Aquilo só iria apressar-lhe o fim. Uma misericórdia, na verdade. Mas não o tipo de misericórdia que o anão desejava para si.

—   O curandeiro disse que ele precisa de água fresca. Nós tratamos

disso.

—   Isso é bom da vossa parte. — Doces parecia estar num estado de entorpecimento. Era mais do que simples medo de lhe ser cortada a gargan­ta; ao contrário dos restantes tesouros de Yezzan, parecia realmente gostar do seu imenso amo.

—  Centava, vem comigo. — Tyrion abriu a aba da tenda e empurrou-a para fora, para o calor de uma manhã meereenesa. O ar estava sufocante e opressivo, mas mesmo assim era um bem-vindo alívio do miasma de suor, caca e doença que enchia o interior do pavilhão palaciano de Yezzan.

—   Água vai ajudar o amo — disse Centava. — Foi isso que o curan­deiro disse, deve ser verdade. Água fresca e doce.

—  Água fresca e doce não ajudou o Amasseca. — Pobre velho Arnasseca. Os soldados de Yezzan tinham-no atirado para a carroça dos cadá­veres ao crepúsculo anterior, outra vítima da égua branca. Quando há ho­mens a morrer hora a hora, ninguém olha com muita atenção para mais um morto, em especial se é tão desprezado como o Amasseca. Os outros escravos de Yezzan tinham-se recusado a aproximar-se do capataz depois de começarem as cãibras, portanto coubera a Tyrion mantê-lo quente e levar-lhe bebida. Vinho aguado e limonada e uma bela sopa quente de rabo de cão, com fatias de cogumelo no caldo. Bebe tudo, Amassecazinha, que essa água de merda que te jorra do traseiro tem de ser substituída. A última pala­vra que o Amasseca dissera fora:

—   Não.

As últimas palavras que ouvira tinham sido:

—   Um Lannister paga sempre as suas dívidas.

Tyrion ocultara de Centava a verdade sobre aquilo, mas ela precisava de compreender como funcionavam as coisas com o amo.

—   Se Yezzan sobreviver para ver o Sol nascer, eu fico de boca aberta.

Ela agarrou-lhe o braço.

—   Que nos vai acontecer?

—   Ele tem herdeiros. Sobrinhos. — Tinham vindo quatro com Yezzan de Yunkai, para comandar os seus soldados escravos. Um estava mor­to, abatido por mercenários Targaryen durante uma surtida. Os outros três, provavelmente, dividiriam entre si os escravos da enormidade amarela. Era muito menos seguro que algum dos sobrinhos partilhasse do gosto de Yezzan por aleijados, anormais e deformados. — Um deles talvez nos herde. Ou podemos acabar outra vez no leilão.

—   Não. — Os olhos esbugalharam-se-lhe. — Isso não. Por favor.

—   Também não é ideia que me atraia.

Alguns metros mais à frente, seis dos soldados escravos de Yezzan estavam acocorados na poeira, a atirar ossos e a passar um odre de vinho de mão em mão. Um era o sargento chamado Cicatriz, um brutamontes de mau temperamento com uma cabeça lisa como pedra e os ombros de um touro. E também é esperto como um touro, recordou Tyrion.

Bamboleou-se na direção deles.

—   Cicatriz — ladrou — o nobre Yezzan precisa de água fresca e lim­pa. Leva dois homens e traz todos os baldes que consigam carregar. E despacha-te.

Os soldados interromperam o jogo. Cicatriz pôs-se em pé, com a tes­ta a franzir-se.

—   Que foi que tu disseste, anão? Quem julgas tu que és?

—   Sabes quem sou. Yollo. Um dos tesouros do teu amo. Agora faz o que te disse.

Os soldados riram-se.

—   Vai lá, Cicatriz — troçou um — e despacha-te. O macaco de Ye­zzan deu-te uma ordem.

—   Tu não dizes a soldados o que fazer — disse o Cicatriz.

—   Soldados? — Tyrion fingiu confusão. — O que eu vejo são escra­vos. Usas uma coleira em volta do pescoço, tal como eu.

O violento estalo que Cicatriz lhe deu atirou-o ao chão e fendeu-lhe o lábio.

—   A coleira é de Yezzan. Não é tua.

Tyrion limpou o sangue do lábio rachado com as costas da mão. Quando tentou levantar-se, uma perna cedeu debaixo de si e voltou a cair de joelhos. Precisou da ajuda de Centava para voltar a pôr-se em pé.