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—   Por aqui — disse Tyrion, sacudindo a cabeça para a direita.

Centava dirigiu-lhe um olhar confuso.

—   Não foi por aí que viemos.

—   Não queremos respirar aquele fumo. Está cheio de humores ma­lignos. — Não era mentira. Não por inteiro.

Centava depressa ficou arquejante, a lutar com o peso dos seus baldes.

—   Preciso de descansar.

—   Como quiseres. — Tyrion pousou os baldes de água no chão, gra­to pela paragem. Tinha fortes cãibras nas pernas, por isso arranjou para si uma pedra prometedora e sentou-se nela para massajar as coxas.

—   Eu podia fazer-te isso — ofereceu-se Centava.

—   Eu sei onde estão os nós. — Por mais que tivesse acabado por gos­tar da rapariga, ainda se sentia desconfortável quando ela o tocava. Virou-se para Sor Jorah. — Mais alguns espancamentos, e ficarás mais feio do que eu, Mormont. Diz-me, resta em ti algum combate?

O grande cavaleiro ergueu dois olhos enegrecidos e olhou-o como poderia olhar um bicho.

—   O suficiente para te partir o pescoço, Duende.

—   Ótimo. — Tyrion pegou nos baldes. — Então vamos por aqui.

Centava enrugou a testa.

—   Não. É para a esquerda. — Apontou. — Aquela ali é a Prostituta.

—   E aquela ali é a Irmã Malvada. — Tyrion acenou com a cabeça na outra direção. — Confia em mim — disse. — O meu caminho é mais rápi­do. — E pôs-se a andar, com as campainhas a tilintar. Centava segui-lo-ia, bem o sabia.

Por vezes invejava os lindos sonhozinhos da rapariga. Fazia-lhe lem­brar Sansa Stark, a noiva criança que desposara e perdera. Apesar dos hor­rores que sofrera, permanecia de algum modo crédula. Devia ter mais juízo. É mais velha do que Sansa. E é uma anã. Age como se se tivesse esquecido dis­so, como se fosse bem nascida e linda de se ver, em vez de uma escrava numa coleção de aberrações. A noite era frequente que Tyrion a ouvisse rezar. Um desperdício de palavras. Se houver alguns deuses à escuta, são deuses mons­truosos, que nos atormentam por prazer. Quem mais faria um mundo como este, tão cheio de servidão, sangue e dor? Quem mais nos daria a forma que eles deram? Por vezes apetecia-lhe esbofeteá-la, abaná-la, gritar-lhe, fazer qualquer coisa para a despertar dos seus sonhos. Ninguém nos vai salvar, queria gritar-lhe. O pior ainda está para vir. Mas sem que entendesse por­quê nunca conseguira dizer as palavras. Em vez de lhe dar um bom e duro tabefe naquela sua cara feia para lhe arrancar as vendas dos olhos, dava por si a apertar-lhe o ombro ou a dar-lhe um abraço. Cacia toque é una mentira. Paguei-lhe com tanta moeda falsa, que quase se acha rica.

Até lhe escondera a verdade sobre a Arena de Daznak.

Leões. Eles iam soltar leões contra nós. Isso teria sido requintadamente irónico. Talvez tivesse tempo para uma curta gargalhada amarga antes de ser feito em pedaços.

Ninguém chegou a informá-lo do fim que estivera planeado para eles, não com todas as palavras, mas não fora difícil deduzi-lo, lá em baixo sob os tijolos da Arena de Daznak, no mundo oculto sob os bancos, no do­mínio escuro dos lutadores de arena e dos criados que cuidavam deles, dos rápidos e dos mortos — os cozinheiros que os alimentavam, os ferreiros que os armavam, os barbeiros-cirurgiões que os sangravam, os barbeavam e lhes ligavam os ferimentos, as rameiras que lhes prestavam servicinhos antes e depois das lutas, os transportadores de cadáveres que arrastavam os perdedores para fora das areias com correntes e ganchos de ferro.

A cara do Amasseca dera a Tyrion a primeira indicação. Depois do espetáculo, ele e Centava tinham regressado à cave iluminada por archotes onde os lutadores se reuniam antes e depois dos seus combates. Alguns afiavam as armas; outros faziam sacrifícios a estranhos deuses, ou embota­vam os nervos com leite de papoila antes de saírem para morrer. Aqueles que tinham combatido e vencido jogavam aos dados a um canto, rindo como só homens que tinham acabado de encarar a morte e sobrevivido conseguiam rir.

O Amasseca estava a pagar com prata uma aposta perdida a um ho­mem da arena quando vira Centava com Trincão pela trela. A confusão nos seus olhos desaparecera em meio segundo, mas não antes de Tyrion se aperceber do que queria dizer. O Amasseca não nos esperava de volta. Olha­ra outras caras em volta. Nenhum deles nos esperava de volta. Estávamos destinados a morrer ali fora. A última peça caíra no lugar quando ouvira um tratador a queixar-se ruidosamente ao mestre da arena.

— Os leões têm fome. Já não comem há dois dias. Disseram-me para não os alimentar, e não alimentei. A rainha devia pagar pela carne.

—  Leva-lhe o assunto da próxima vez que ela conceder audiência — atirara-lhe em resposta o mestre da arena.

Nem agora Centava suspeitava. Quando falava da arena, a sua preo­cupação principal era que pouca gente se tinha rido. Eles ter-se-iam mijado a rir se os leões tivessem sido soltos, quase lhe dissera Tyrion. Mas em vez disso apertara-lhe o ombro.

Centava parou de súbito.

—  Estamos a ir na direção errada.

—                      Não estamos. — Tyrion pôs os baldes no chão. As pegas tinham aberto profundos sulcos nos seus dedos. — As tendas que queremos são aquelas ali.

—   Os Segundos Filhos? — Um estranho sorriso fendeu a cara de Sor Jorah. — Se julgas que vais encontrar ajuda ali, não conheces o Ben Casta­nho Plumm.

—   Oh, mas conheço. Eu e o Plumm jogámos cinco jogos de cyvasse. O Ben Castanho é astuto, tenaz, não destituído de inteligência... mas cauteloso. Gosta de deixar o oponente correr os riscos enquanto ele fica sentadinho com todas as opções em aberto, reagindo à batalha à medida que ela toma forma.

—    Batalha? Que batalha? — Centava afastou-se dele. — Temos de voltar. O amo precisa de água limpa. Se demorarmos demasiado seremos chicoteados. E a Porca Bonita e o Trincão estão lá.

—   O Doces assegurar-se-á de que tratem deles — mentiu Tyrion. O mais certo era que o Cicatriz e os amigos se banqueteassem em breve com presunto e bacon e um saboroso estufado de cão, mas Centava não precisa­va de ouvir isso. — O Amasseca está morto e Yezzan moribundo. Pode ser noite antes que alguém dê pela nossa falta. Nunca teremos uma oportuni­dade melhor do que agora.

—   Não. Sabes o que eles fazem quando apanham escravos que ten­tam fugir. Tu sabes. Por favor. Nunca nos deixarão sair do acampamento.

—    Nós não saímos do acampamento. — Tyrion pegou nos baldes. Arrancou a um vivo passo, sem olhar para trás. Mormont pôs-se a seu lado. Passado um momento ouviu o som de Centava a apressar-se atrás dele, descendo uma ladeira arenosa que terminava num círculo de tendas an­drajosas.

O primeiro guarda apareceu quando se aproximavam das linhas de cavalos; um esguio lanceiro cuja barba castanha-avermelhada o identifica­va como tyroshi.