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Os lábios inchados de Sor Jorah torceram-se num sorriso grotesco.

—   Dá-me uma espada, e podes chamar-me o que quiseres, Ben.

Kasporio recuou.

—  Tu... ela mandou-te embora...

—   Voltei. Chama-me parvo.

Um parvo apaixonado. Tyrion pigarreou.

—   Podeis falar dos velhos tempos mais tarde... depois de eu acabar de explicar porque é que a minha cabeça vos seria mais útil em cima dos ombros. Ireis descobrir, Lorde Plumm, que eu posso ser muito generoso para com os meus amigos. Se duvidais do que digo, perguntai a Bronn. Per­guntai a Shagga, filho de Dolf. Perguntai a Timett, filho de Timett.

—   E quem vêm a ser esses? — perguntou o homem chamado Tin­teiros.

—   Bons homens que puseram as espadas ao meu serviço e prospe­raram grandemente com ele. — Encolheu os ombros. — Oh, muito bem, menti na parte do "bons." São uns bastardos sedentos de sangue, como vós.

—   Talvez — disse o Ben Castanho. — Ou talvez tenhas acabado de inventar uns quantos nomes. Shagga, dizes tu? Isso é nome de mulher?

—   As mamas dele são suficientemente grandes. Da próxima vez que nos encontrarmos hei de espreitar-lhe para baixo das bragas para ter a cer­teza. Aquilo ali é um tabuleiro de cyvasse? Trazei-lo cá, e jogamos o tal jogo. Mas primeiro, acho eu, uma taça de vinho. Tenho a garganta seca como osso velho, e estou a ver que tenho bastante para dizer.

JON 

Nessa noite sonhou com selvagens a uivar nos bosques, a avançar sob o gemido de cornos de guerra e o rufar de tambores. Bum FIM bum FIM bum FIM soava o som, um milhar de corações com um único ritmo. Al­guns tinham lanças e alguns tinham arcos e alguns tinham machados. Ou­tros avançavam em quadrigas feitas de ossos, puxadas por equipas de cães, grandes como póneis. Gigantes arrastavam-se entre eles, com dez metros de altura e malhos do tamanho de carvalhos.

—    Mantende-vos firmes — gritou Jon Snow. — Empurrai-os para trás. — Estava no topo da Muralha, sozinho. — Chamas — bradou — dai-lhes chamas — mas não havia ninguém para lhe dar ouvidos.

Desapareceram todos. Abandonaram-me.

Setas a arder silvaram para cima, seguidas por línguas de fogo. Ir­mãos espantalhos caíram, com mantos negros em chamas.

—   Snow — gritou uma águia, enquanto inimigos amarinhavam pelo gelo acima como aranhas. Jon estava couraçado de gelo negro, mas a espa­da ardia-lhe, rubra, na mão cerrada. A medida que os mortos iam chegan­do ao topo da Muralha, ele atirava-os para baixo para voltarem a morrer. Matou um homem grisalho e um rapaz imberbe, um gigante, um homem descarnado com dentes afiados, uma rapariga com cabelos ruivos espessos. Tarde demais, reconheceu Ygritte. Desaparecera tão depressa como apare­cera.

O mundo dissolveu-se numa névoa rubra. Jon apunhalou, golpeou e cortou. Abateu Donal Noye e esventrou o Dick Surdo Follard. Qhorin Meia-Mão caiu de joelhos, tentando em vão estancar o jorro de sangue do pescoço.

—   Eu sou o Senhor de Winterfell — gritou Jon. Era Robb quem esta­va agora na sua frente, com o cabelo húmido de neve a derreter. Garralonga cortou-lhe a cabeça. Depois, uma mão nodosa agarrou rudemente no om­bro de Jon. Rodopiou...

... e acordou com um corvo a bicar-lhe o peito.

—   Snow — gritou a ave. Jon enxotou-a. O corvo guinchou o seu de­sagrado e esvoaçou até uma das colunas da cama para o fitar ameaçadora­mente na fraca luz que antecedia a alvorada.

O dia chegara. Estava-se na hora do lobo. Muito em breve o Sol nasceria, e quatro mil selvagens jorrariam através da Muralha. Loucura.

Jon Show passou a mão queimada pelo cabelo e voltou a perguntar a si próprio o que estava a fazer. Depois do portão aberto não haveria regres­so. Devia ter sido o Velho Urso a negociar com Tormund. Devia ter sido Jeremy Rykker ou Qhorin Meia-Mão ou Denys Mallister ou qualquer outro homem experiente. Devia ter sido o meu tio. Era tarde demais para tais incertezas, porém. Todas as decisões acarretavam os seus riscos, todas as decisões tinham as suas consequências. Ele jogaria o jogo até à sua conclusão.

Levantou-se e vestiu-se na escuridão, enquanto o corvo de Mormont resmungava do outro lado do quarto.

—   Grão — disse a ave, e — Rei — e — Snow, Jon Snow, Jon Snow. Aquilo era estranho. A ave nunca antes dissera o seu nome completo, tanto quanto Jon conseguisse recordar.

Quebrou o jejum na cave com os oficiais. A refeição era constituí­da por pão frito, ovos fritos, morcela e papas de cevada, empurrados para baixo por cerveja amarela e aguada. Enquanto comiam, voltaram uma vez mais a recapitular os preparativos.

—   Está tudo a postos — assegurou-lhe Bowen Marsh. — Se os selva­gens cumprirem os termos do acordo, tudo correrá como ordenastes.

E se não cumprirem, podemos cair em sangue e carnificina.

—   Lembrai-vos — disse Jon — a gente de Tormund está com fome, frio e medo. Alguns odeiam-nos tanto como alguns de vós os odiais a eles. Estamos aqui a dançar em gelo frágil, tanto eles como nós. Uma racha, e afogamo-nos todos. Se hoje for derramado sangue, é melhor que não seja um de nós a desferir o primeiro golpe, senão juro pelos velhos deuses e pelos novos que cortarei a cabeça do homem que o fizer.

Responderam-lhe com sins, acenos de cabeça e palavras resmunga­das, com "Às vossas ordens," e "Será feito," e "Sim, senhor." E, um por um, levantaram-se e afivelaram as espadas e envergaram os quentes mantos ne­gros, e saíram para o frio.

O último a abandonar a mesa foi o Edd Doloroso Tollett, que chegara de Monte Longo durante a noite com seis carroças. Era Buraco das Ramei­ras que os irmãos negros chamavam agora à fortaleza. Edd fora enviado para reunir todas as esposas de lanças que as suas carroças pudessem trans­portar, e levá-las para se irem juntar às irmãs.

Jon viu-o limpar uma gema derramada com um bocado de pão. Era estranhamente reconfortante voltar a ver a severa cara de Edd.

—   Como vão os trabalhos de restauro? — perguntou ao seu antigo intendente.

—   Mais dez anos devem bastar — respondeu Tollett, no tom sombrio do costume. — O sítio estava empestado de ratazanas quando nos mudámos.

As esposas de lanças mataram essa bicharada. Agora, o sítio 'tá empestado de esposas de lanças. Há dias em que quero as ratazanas de volta.

—   Que achas de servires abaixo do Emmett de Ferro? — perguntou Jon.

—    É principalmente a Maris Preta quem serve debaixo dele, senhor. Quanto a mim, tenho as mulas. A Urtigas diz que somos da mesma famí­lia. É verdade que temos a mesma cara comprida, mas eu não sou, nem de perto, tão teimoso. E seja como for, pela minha honra que nunca conheci as mães delas. — Acabou o último dos ovos e suspirou. — Gosto mesmo de um bom ovo estrelado. Se aprouver ao senhor, não deixeis que os selvagens vos comam todas as galinhas.

Lá fora, no pátio, o céu oriental começara a clarear. Não se via nem sinal de nuvens.

—  Temos um bom dia para isto, parece — disse Jon. — Um dia lumi­noso, quente e soalheiro.

—  A Muralha vai chorar. E o inverno está quase a chegar. Não é natu­ral, senhor. Um mau sinal, cá para mim.

Jon sorriu.

—   E se nevasse?

—   Um sinal pior.

—   Que tipo de tempo preferias tu?

—   O tipo que se guarda dentro de portas — disse o Edd Doloroso. — Se aprouver ao senhor, eu devia voltar para junto das minhas mulas. Tem saudades de mim quando me afasto. É mais do que posso dizer das esposas de lanças.